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VINGANÇA NO WC

por João Castro e Brito, em 21.01.22

vingança no wc.jpg

A traição conjugal levou-me, de degrau em degrau, nada mais nada menos do que trinta e nove degraus, até este triste estado de desditosa solidão em que me encontro.
No entanto, já fui muito feliz. Oh, se fui! Amava-a com todo o meu ser, alma inclusive! Pensava que tal sentimento era mútuo. Porém, "Erros meus, má fortuna, amor ardente" e o dela ausente...
A verdade, nua e crua (soava melhor, a verdade escondida ou, até, a verdade da mentira, mas que se lixe), "além de indecente, é dura de roer", como dizia alguém, não sei quem...
Nos primeiros sete anos de relacionamento amoroso, íamos sempre para a praia na última semana de Novembro porque o dinheiro não abundava. Ademais, sendo desempregado militante desde a primeira hora, era só ela a ganhar para os dois, pelo que tinha de usar muita parcimónia para equilibrar a coisa. Contudo, a pobre não se importava, coitadinha! Pelo menos aparentemente, pois nunca lhe vislumbrei um queixume; uma exigência; uma nota de desagrado ou um trejeito de enfado. Isto, não obstante ela ser muito trejeitosa, tenho de reconhecer. Depois, tínhamos amor e a cabana dela e eu pensava que eram factores suficientes para alimentar a chama da paixão!
Sei que "amor e uma cabana" (expressão queirosiana) é uma ideia banal do amor romântico, mas, e daí? Eu acreditava piamente nela (na ideia), prontos (abomino a palavra "prontos"), q'é que querem?
O idílio durou até ao dia em que vi a adúltera nos braços do Ilídio. É verdade, afinal havia outro, um gajo chamado Ilídio, um empata idílios do caraças. Foi num dia infeliz em que cheguei mais cedo a casa. Talvez, o dia mais lixado da minha vida, a seguir à morte do meu estimado cágado, Acácio.
Desorientado e com uma raiva mal contida, abandonei-a nesse mesmo dia (a casa) e aluguei um quarto na Buraca.
Embriagado no cálice da dor ("cálice da dor", xi, valha-me Deus!), passei amargurados dias e noites a fio, a imaginá-los no bem bom. Ele, um Dom Juan DeMarco de Canaveses, instalado na casa dela; a deitar-se na cama dela; a ver o CMTV (passe a publicidade) no LCD dela; a sentar o cu usurpador na sanita dela; a comer à tripa-forra, à borla e se mais houvesse. Que raiva!
Mas, prontos (olha, saiu-me!), o que lá vai lá vai e, graças a Deus, consegui um novo emprego. Fui despedido do anterior porque, com as espertinas constantes, só conseguia adormecer quando o sol se levantava. Deste modo, pegava sempre muito tarde ao trabalho. Mais a mais o patrão nem ia à bola comigo, apesar de sermos adeptos do mesmo clube.
Agora, confesso que estou porreiro; trabalho nas instalações sanitárias de uma superfície comercial e ninguém me chateia, a não ser o cheiro fétido a urina que, às vezes, tenho de gramar. É a mania dos urinóis ecológicos sem água, é o que é! Mas, avancemos porque o melhor está para vir e estou em pulgas para contar.
Ele, há coisas que não posso deixar passar em branco, apesar de não ser vingativo; nem pouco mais ou menos!
Ilídio, o intruso, frequenta regularmente o centro comercial onde trabalho e, naturalmente, costuma verter águas. Só que o faz com exagerada frequência e, cada vez que o faz, demora cerca de meia hora a despejar a bexiga. Sei, por portas e travessas, que tem uma próstata do tamanho de um melão de Almeirim. Além disso, e não é pouco, é surdo como uma porta, factor que joga a favor do meu intento.
Mas o que mais interessa para o bom desfecho desta estória, que é, afinal, a consumação do meu plano, é que nos cruzámos poucas vezes e, entretanto, mudei radicalmente a minha aparência, ainda que o gajo seja um cegueta do camandro.
Por precaução pintei o cabelo de louro e rapei aquela barba que me dava um ar de jihadista islâmico português (?!). Penso que são artifícios suficientes para fortalecerem o meu propósito.
Ora, tenho andado cá a congeminar sobre a melhor forma de o concretizar.
No fundo, trata-se de um caso elementar de justiça e de uma maneira exemplar de castigar a infiel criatura pela violação do sagrado dever recíproco de fidelidade.
Ora, um dia destes comprei três metros de fio eléctrico e instalei-o, discretamente, dentro do autoclismo, ligado ao botão de descarga. Todavia, pensei três vezes e concluí que podia falhar o objectivo se, no momento, houvesse falta de corrente eléctrica. Além disso, acontecendo tal imprevisto durante o acto da electrocussão, como é que eu ia justificar, perante a justiça, os olhos de carneiro mal morto do sacana do Ilídio? Podia ser a morte do artista, não acham? Como já conheço de ginjeira os hábitos dele, sei que mais tarde ou mais cedo, quando lhe der a vontade de mijar, será uma questão de muito menos do que os trinta minutos que leva a fazê-lo, isso é quase garantido! Vai ser o tempo necessário para o empurrar pela sanita abaixo e descarregar o dito reservatório. Querem vingança mais perfeita?
Por muito contraditório que vos pareça, mesmo não sendo de vinganças, quem mas faz paga-mas!
Assim, Deus me ajude a materializar a ideia. 

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2 comentários

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ROMI a 13.06.2022

Bem feito, a vingança serve-se fria (melhor ainda se for molhada). Como já passou algum tempo, espero que o dito esteja a fazer glu glu num qualquer cano de esgoto longe de si. Caso queira contar o happy end, aguardo...
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João Castro e Brito a 20.06.2022

Perdi o fio à meada...
Obrigado pelo seu comentário e, a talhe de foice, já a subscrevi também, embora ainda não fosse dar uma vista de olhos aos seus blogues.

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