
É verdade, também me custa admitir! Todavia, tenho de o partilhar convosco, senão rebento.
Desta vez, ando a sonhar com a Scarlett Johansson.
Desculpem lá se ainda não vos contei, mas nas últimas semanas o meu quotidiano tem sido tão atribulado que releguei este assunto para segundo plano. Contudo, penso que seria injusto esconder-vos isto. Assim, pensei em abrir o meu coração para vós, já que a minha mulher, infelizmente, deixou de me escutar.
É difícil descrever com clareza o que tenho vivenciado, mas dir-vos-ei que é uma experiência tão nítida que parece real; quase tão real como as que tive como Papa e como mulher do Papa, embora continue a ter a noção óbvia de que não passaram de sonhos. Quer dizer, não tenho a certeza de que foi tão óbvio assim, dado que pareço estar a viver episódios parecidos, só que com personagens diferentes.
Curiosamente – enfim, curiosamente é como quem diz – , tenho também a percepção de que estou a passar por momentos maravilhosos e tão intensos, não tivesse, por enquanto, consciência de que tais sonhos não passam de devaneios.
Já sonhei com a Nastassja Kinski e até, mesmo, com a Angelina Jolie, não obstante a primeira sofrer de dores reumáticas e a segunda estar transformada num chalezinho de ossos. Porém, não é a mesma coisa!
O problema é que, à semelhança dos sonhos com o casal papal, estes estão a adquirir contornos cada vez mais sinuosos a ponto de acreditar, cada vez mais, na minha insanidade mental.
Não quero dizer que desgoste de sonhar com estas personagens; muito, antes, pelo contrário! Contudo, perco a ideia da sua volatilidade e, quando acordo e vejo a imagem da Scarlett desaparecer, fico com uma sensação de vazio e rompo num pranto incontrolável.
O que é mais perturbador é o facto de isto parecer tirado a papel químico dos sonhos que vos tinha relatado há tempos muito recuados; só que desta vez com actrizes de cinema pelas quais sempre tive (desde pequenino) uma atração sexual compulsiva.
Por analogia com sonhos passados, é uma situação recorrente e, deste modo, já começo a confundi-los com a realidade.
Apesar de tudo, devo sublinhar que gosto muito de sonhar e nada me move contra quem partilha do meu gosto. Como diz o poeta, "sonhar é uma constante da vida, tão concreta e definida como outra coisa qualquer".
Ora, como facilmente se depreende, o poeta também já tinha chegado ao ponto de confundir o sonho com a realidade e isso mexe muito com qualquer espírito, já de si fragilizado.
Em face desta situação insólita que mais uma vez ameaça ficar fora do meu controlo, decidi, em mais uma tentativa, pôr tudo em pratos limpos e desabafar com a minha mulher e assim fiz, mas sem grandes expectativas.
Um dia destes, já bem acordado, cheguei-me mais para o pé dela, mordi-lhe a ponta do hálux, e contei-lhe as experiências que tenho tido. Contei-lhe tudo, tintim por tintim, sem esconder os preliminares que, como sabem, são o melhorzinho destas cenas. Ela ironizou com a situação, perguntando-me em que personagem se encaixava, nos meus sonhos. Respondi-lhe que a mais evidente era ela, visto ser a minha mulher e, naturalmente, partilharmos tudo. No entanto – ressalvei – , ultimamente, não tem aparecido nos meus sonhos, o que me deixa com um incómodo sentimento de culpa. Visivelmente aborrecida com a minha história, na presunção de que eu estivesse a traí-la com outras mulheres, inventando o pretexto de sonhar com actrizes de cinema, censurou-me energicamente e sugeriu-me que mudasse de assunto. Ou, então, que a deixasse dormir mais um pouco. Meio ensonada, virou-se para o outro lado e voltou a adormecer.
Não tinha como contra-argumentar. Que outra coisa poderia ser, a não ser mais um sonho? Um sonho lindo, certamente, mas não mais do que isso. Cá no íntimo dei razão à minha mulher, mas mesmo assim ...
Desta vez, beliscando-lhe o rabo, tornei a acordá-la e insisti na hipótese remota desta coisa me estar a dar a volta ao miolo. Expliquei-lhe, o mais convincentemente que me foi possível, que já não sabia onde ficava a fronteira entre a realidade e a fantasia e que as personagens femininas dos meus sonhos me estavam a consumir as últimas energias, nomeadamente a Scarlett Johansson.
Interrompeu-me o discurso, agora furibunda, ameaçou sair da cama e ir dormir, novamente, para o quarto da mãezinha. Pior, fez-me um ultimato: ou ela, ou as minhas fantasias, se eu teimasse em manter aquela "toada desagradável e sem nexo".
Um pouco magoado com a sua intransigência, embora compreendendo o seu aparente ciúme, obviamente infundado – abri-me com ela, mais uma vez, e não o devia ter feito – , virei-lhe as costas e acabei por adormecer novamente, a pensar como seria magnífico ter a Scarlett só para mim. As três seriam as cerejas no topo do bolo, mas não quero ser mais papista do que o Papa. Mais vale ter uma passarinha na mão do que três a voar, como é curial dizer-se.
Já o sol da manhã ia alto quando acordei a pensar que era a Scarlett Johansson e, para me certificar de que aquilo não era um sonho, belisquei o rabo do Colin. Desabafei o sucedido e ele sorriu enquanto se erguia da cama e vestia apressadamente uns boxers amarelo-canário com cupidos vermelhos estampados que havia enrolado ao fundo da cama. Depois, já bem acordado e com aquele seu olhar tão caracteristicamente lascivo, perguntou-me onde lhe escondera o seu "sex toy" predilecto.