Quando não é exactamente assim e alguma coisa muda, pauta-se, diria quase sempre, pela falta de equilíbrio. Explicando melhor e recorrendo agora a um provérbio acerbo: "Uns comem os figos, a outros rebenta-lhes a boca"...
Naturalmente que se está melhor hoje do que antes, é insofismável! Isto, não obstante, no meu tempo, o feijão ser a cinco tostões o litro.
Com efeito, houve evolução, mas continua muito abaixo das expectativas. Prometem-nos mundos e fundos a torto e a direito, sabendo-se que raramente os cumprem ou – pior – as promessas têm um segundo sentido que é o de cativar votos. É muito feio! São as esperanças recorrentes criadas pelos vendedores de banha da cobra do costume; uns línguas de pau que ainda conseguem convencer gente crédula e outra que, não sendo crédula, tem lá os seus interesses pessoais ou corporativos a defender que vem a dar no mesmo.
Assim, e porque as mudanças são sempre tardias e insuficientes, os pobres subsistem, mais pobres, e os ricos ficam mais ricos. A grosso modo, vá lá.
Está tudo relacionado com as crises (as nossas eternas crises de que, se não é do cu, é das calças), diz quem entende muito destas coisas e sustenta que a pobreza é um facto social inevitável. Outros vão mais longe e afirmam que a pobreza é uma consequência da busca pelo desenvolvimento e progresso...
Acho que a liberdade, se calhar, não permite que a pobreza seja erradicada porque ser pobre parece ser um estatuto adquirido à nascença, uma espécie de estigma que não se pode extirpar. Nasce-se pobre, morre-se pobre.
A mesma premissa também pode ser válida para os ricos. Pelos vistos, trata-se, aqui, de duas disposições estatutárias que determinam "direitos" adquiridos: o de ser rico e o de ser pobre.
Ainda vivi naquela época em que um pobre estava proibido de assumir publicamente o seu estado, pelo menos em locais muito bem frequentados. A pena era, invariavelmente, a Mitra. Não a mitra pontifical, usada pelos prelados da Igreja Católica, mas o albergue para onde ia, temporariamente, se fosse apanhado a mendigar na via pública. Pelo menos, penso que, num lugar assim, não faltaria uma sopinha e uma côdea de pão para mitigar a fome...
Passadas que são algumas gerações e vivendo-se, agora, numa sociedade "democrática", a substância da pobreza de hoje não está a ser muito diferente de outras que se julgavam suprimidas do nosso quotidiano. Pode-se dizer, usando um eufemismo, que é uma substância mais discreta, nalguns casos, até "envergonhada"...
Pela lógica do poder do dinheiro (plutocracia), cujas ideia e prática parecem dominar a sociedade global, o objectivo (com bons resultados para os detentores desse poder) é reduzir as pessoas a mão de obra mal paga e sem direitos. Parece que se está a assistir a um retrocesso civilizacional e já não há vontade nem força para contrariar este trágico recuo. Em Portugal, dados fidedignos e em constante actualização, estimam que há mais de um milhão e oitocentas mil pessoas em situação de vulnerabilidade económica...
A lógica plutocrática é tão cega e insensível como um processo meramente físico, coisa automática e destituída de humanidade.
A ética social deixou de coexistir com um certo "capitalismo humanista"; se é que alguma vez se respeitou tal conceito nos sistemas supostamente democráticos. Não quero dizer, com isto, que os regimes alegadamente socialistas (enfatizo a palavra alegadamente) foram um sucesso em termos de equidade social. Contudo, também acho que a discussão em torno de antagonismos ideológicos, na minha humilde opinião, já não faz sentido para o comum dos mortais, desde que não esteja comprometido com a política e os negócios: a simbiose perfeita, se me é permitido algum cinismo na afirmação.
Com base no novo (velho) aforismo de "um por um e Deus por todos" ou mais por uns do que por outros, é possível viver numa ilha rodeada por um mar de pobreza desde que ele não encapele, transpondo os seus limites.
Um senhor de provecta idade – já falecido – e, naturalmente, muita vivência e calejo, com o qual tive alguns desabafos, respondeu um dia a uma pergunta que lhe fiz sobre o que pensava acerca de uma sociedade mais justa e, naturalmente, equilibrada: "Nem que venha Deus!" Ele que até nem era religioso.