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SEMPRE FOI ASSIM

por João Castro e Brito, em 20.10.24

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"Sempre foi assim" é uma expressão evasiva. Cheira a conformismo e, por conseguinte, falta de entusiasmo. Até porque corta drasticamente todas as esperanças. É um argumento oposto à perspectiva de que "para melhor, está bem...; para pior já basta assim", recorrendo novamente a paráfrases.
Quando não é exactamente assim e alguma coisa muda, pauta-se, diria quase sempre, pela falta de equilíbrio. Explicando melhor e recorrendo agora a um provérbio acerbo: "Uns comem os figos, a outros rebenta-lhes a boca"...
Naturalmente que se está melhor hoje do que antes, é insofismável! Isto, não obstante, no meu tempo, o feijão ser a cinco tostões o litro.
Com efeito, houve evolução, mas continua muito abaixo das expectativas. Prometem-nos mundos e fundos a torto e a direito, sabendo-se que raramente os cumprem ou – pior – as promessas têm um segundo sentido que é o de cativar votos. É muito feio! São as esperanças recorrentes criadas pelos vendedores de banha da cobra do costume; uns línguas de pau que ainda conseguem convencer gente crédula e outra que, não sendo crédula, tem lá os seus interesses pessoais ou corporativos a defender que vem a dar no mesmo.
Assim, e porque as mudanças são sempre tardias e insuficientes, os pobres subsistem, mais pobres, e os ricos ficam mais ricos. A grosso modo, vá lá.
Está tudo relacionado com as crises (as nossas eternas crises de que, se não é do cu, é das calças), diz quem entende muito destas coisas e sustenta que a pobreza é um facto social inevitável. Outros vão mais longe e afirmam que a pobreza é uma consequência da busca pelo desenvolvimento e progresso...
Acho que a liberdade, se calhar, não permite que a pobreza seja erradicada porque ser pobre parece ser um estatuto adquirido à nascença, uma espécie de estigma que não se pode extirpar. Nasce-se pobre, morre-se pobre.
A mesma premissa também pode ser válida para os ricos. Pelos vistos, trata-se, aqui, de duas disposições estatutárias que determinam "direitos" adquiridos: o de ser rico e o de ser pobre.
Ainda vivi naquela época em que um pobre estava proibido de assumir publicamente o seu estado, pelo menos em locais muito bem frequentados. A pena era, invariavelmente, a Mitra. Não a mitra pontifical, usada pelos prelados da Igreja Católica, mas o albergue para onde ia, temporariamente, se fosse apanhado a mendigar na via pública. Pelo menos, penso que, num lugar assim, não faltaria uma sopinha e uma côdea de pão para mitigar a fome...
Passadas que são algumas gerações e vivendo-se, agora, numa sociedade "democrática", a substância da pobreza de hoje não está a ser muito diferente de outras que se julgavam suprimidas do nosso quotidiano. Pode-se dizer, usando um eufemismo, que é uma substância mais discreta, nalguns casos, até "envergonhada"...
Pela lógica do poder do dinheiro (plutocracia), cujas ideia e prática parecem dominar a sociedade global, o objectivo (com bons resultados para os detentores desse poder) é reduzir as pessoas a mão de obra mal paga e sem direitos. Parece que se está a assistir a um retrocesso civilizacional e já não há vontade nem força para contrariar este trágico recuo. Em Portugal, dados fidedignos e em constante actualização, estimam que há mais de um milhão e oitocentas mil pessoas em situação de vulnerabilidade económica...
A lógica plutocrática é tão cega e insensível como um processo meramente físico, coisa automática e destituída de humanidade.
A ética social deixou de coexistir com um certo "capitalismo humanista"; se é que alguma vez se respeitou tal conceito nos sistemas supostamente democráticos. Não quero dizer, com isto, que os regimes alegadamente socialistas (enfatizo a palavra alegadamente) foram um sucesso em termos de equidade social. Contudo, também acho que a discussão em torno de antagonismos ideológicos, na minha humilde opinião, já não faz sentido para o comum dos mortais, desde que não esteja comprometido com a política e os negócios: a simbiose perfeita, se me é permitido algum cinismo na afirmação.
Com base no novo (velho) aforismo de "um por um e Deus por todos" ou mais por uns do que por outros, é possível viver numa ilha rodeada por um mar de pobreza desde que ele não encapele, transpondo os seus limites.
Um senhor de provecta idade – já falecido – e, naturalmente, muita vivência e calejo, com o qual tive alguns desabafos, respondeu um dia a uma pergunta que lhe fiz sobre o que pensava acerca de uma sociedade mais justa e, naturalmente, equilibrada: "Nem que venha Deus!" Ele que até nem era religioso.

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RICOS E POBRES

por João Castro e Brito, em 08.01.23

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Desde a fundação da nação – reparem que somos um país com quase mil anos de história; é obra! – , a vida dos portugueses tem vindo a melhorar a olhos vistos. É claro que, no meio disto tudo, há pessoas que, por obra e graça do destino ou, até, do Divino Espírito Santo, nasceram ricas e outras que nasceram pobres, como não podia deixar de ser. Se tiverem paciência para ler, eu explico:
Digamos que, tirando a fortuna ou a fatalidade, prerrogativas de ordem superior à nossa vontade e invejas à parte, toda a gente sabe que enriquecer sempre foi um segredo bem guardado. Das duas, uma: ou se tirava um curso intensivo de enriquecimento, normalmente por correspondência – isso era fácil, só se necessitando de ter um pouco de expediente – ou, então, já se nascia rico como atrás referi. Não era coisa que se aprendesse nas escolas oficiais, longe disso!
O empobrecimento, também era uma condição muito evidente. Parecia que se adquiria à nascença, tal e qual uma herança genética, um estigma, ou algo parecido. O processo era o mesmo, só que ao contrário, estão a ver? Vai daí que, não satisfeitos, até inventaram a pobreza envergonhada; tão assim que os pobrezinhos até tinham vergonha de o transparecer. Isto por contradição com a riqueza opulenta, arrogante, provinciana; só para os ricos não se rirem, esses toscos!
Bom, mas isso já foi na noite dos tempos; agora está tudo muito mudado, mais democratizado; a sociedade evoluiu muito; alguns pobres até têm subsídios para serem menos pobres, não obstante continuarem pobres, e os ricos também estão bem protegidos porque continuam ricos.
Afinal, o dinheirinho não está tão mal distribuído como alguns críticos, nomeadamente esses esquerdistas ranhosos – sempre os mesmos – nos pretendem impingir.
A adesão à chamada "moeda única" foi só mais um complemento para reforçar o poder de compra bestial de alguns e, por consequência, a sua excelente qualidade de vida. Haja alguns que beneficiem do privilégio de serem cidadãos, plenos (sublinho plenos), da Europa! No fundo, não podemos ser muito exigentes e querer este mundo e o outro em tão pouco tempo de "democracia", n'é verdade? Meio século é ainda tempo insuficiente para agradar a gregos e troianos. Pode acontecer que daqui por mais outro tanto a coisa se resolva a contento das partes.
Afinal, ser pobre não é, propriamente, uma tragédia. Ousaria, se me permitem, pensar que é, cada vez mais, um estatuto. E depois existe esta saudável incompatibilidade entre ambos. Mau, seria existir uma sociedade onde só houvesse ricos ou pobres. Isso, sim, seria uma verdadeira tragédia! Querem coisa mais linda a gente perguntar a um velhinho se a reformazinha dá para as despesas? Depois, onde é que se encaixava a caridadezinha, digam lá?!
Viva o meu querido Portugal e vivam os ricos e os pobrezinhos!
Ademais, não nos esqueçamos que o impacto económico e social do chamado novo coronavírus e da guerra da Ucrânia veio dar mais substância a este maravilhoso antagonismo que se vai manter imperecível, se Deus quiser.
Contudo, se o que acabei de escrever é puro disparate, fruto da minha demência, não desistam; pensem positivo. Não esqueçam que daqui por cem anos estão cá outros e, assim, até podemos prescindir dos anéis e dos dedos.
Que se lixe! Olhem, sobra o ar que se respira! Isto, não obstante estar novamente irrespirável – passe a contradição.

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RICOS E POBRES: A ETERNA DICOTOMIA

por João Castro e Brito, em 27.12.22

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Dizia aquela senhora, ainda no tempo em que foi directora do FMI, que era necessário "partilhar o crescimento". Dizia-o no final de uma cimeira dos países mais ricos do mundo. Segundo ela, os líderes desses países haviam concordado em identificar e dar prioridade às reformas que são essenciais para aumentar o estímulo do crescimento de cada país, área em que a organização que dirigia, supostamente, actua. Reforçava a ideia com a importância que deve ser dada à "partilha alargada dos recursos e do conhecimento"...
Ora, como estamos habituados a discursos de conjuntura, já não estranhámos mais este.
É do senso comum que, sem as ferramentas que reduzam as desigualdades e aumentem, assim, as perspectivas económicas, designadamente dos grupos de mais baixos recursos e com poucas qualificações – os primeiros a serem afectados com as mudanças tecnológicas – , o fosso entre ricos e pobres aumenta inevitavelmente. Palavras, portanto...
A propósito desta assimetria sem solução (?) e a fazer fé nas estatísticas, a concentração de riqueza continua imparável mesmo em tempo de guerra, sem embargo dos constrangimentos que lhe estão associados. Direi, até, que a reforçou, especialmente, com os chamados lucros excedentários de empresas ligadas a sectores mais impactantes nos bolsos dos cidadãos. Sem contar com os ganhos fabulosos da banca.
E, a talhe de foice: com tantas famílias em dificuldades económicas, que dizer desta imoral atribuição de meio milhão de euros a uma ex-funcionária da TAP, actual secretária de Estado do Tesouro como forma de a indemnizar. A título de quê?! É legal – dizem – , mas, do ponto de vista ético, está correcto? Onde pára a equidade social?
É claro que há formas de combater as desigualdades, mas pergunto: alguém está interessado em fazê-lo?
Há algum empenho político, por exemplo, em combater eficazmente a fuga à tributação de fortunas incalculáveis?
Portugal, onde alguns pensavam (se calhar, vivendo uma realidade virtual) que o número de pobres tinha diminuído, contrastando com os relatórios da OCDE que contrapõem como permanecendo entre os países mais desiguais e com maiores níveis de pobreza consistente, permanece em banho-maria.
Portanto, continuamos a marcar passo na UE e a deixar-nos ultrapassar por países europeus, supostamente de menores recursos, que parecem ter apostado em mudar para melhor.
Para compor o ramalhete, mudaram, também, todas as perspectivas e espectativas a um ritmo extraordinário e violento, devidas a esta guerra que ninguém sabe muito bem durante quanto tempo se vai prolongar e de desfecho imprevisível.
Todavia, mantenho a profunda convicção de que o cenário social se vai agravar e, pela ordem de "prioridade", o eterno lixado é o mexilhão – passe o vulgarismo.

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