
Hoje, apetece-me escrever um tanto sobre o eterno e, no entanto, sempre aliciante mito do pneu furado, visto que – parece-me – ainda ninguém teve a coragem de se debruçar sobre um tema tão aliciante como este. Pelo menos, numa perspectiva epistemológica.
Começo por levantar a questão: será o mito do pneu furado, um mito? Sim, se será, efectivamente, um mito ou apenas o reflexo perceptível de uma mitologia idealizada que nos transporta para um plano diferenciador em que se procura, tão só, mistificar a narrativa fabulística.
Esta é a pergunta angustiante que me faço, desde que acordo até que adormeço e que, obviamente, me deixa sem resposta e porquê? – perguntam os eventuais leitores e leitoras com toda a legitimidade. Porque é uma pergunta, necessariamente, redutora e, como tal, vai fazer com que nos interroguemos, até ficarmos esgotados, acerca do mito do pneu furado ou, porventura, da sua inevitável mitoclastia.
Ao introduzir a câmara de ar no pneu furado, não pretendo menosprezar o papel cada vez mais preponderante, direi mesmo determinante, do pneu "tuboless", mas unicamente procurar fazer uma análise mais aprofundada – comportamental, se quiserem, face à realidade objectiva do "pneu furado", à luz da teoria psicanalítica, tão do agrado de Segismundo Freud que, como é consabido, dormiu com uma câmara-de-ar entalada na virilha até ao último suspiro, hábito que adquiriu desde pequenino.
Vemos, então, desfilar perante nós, num ecrã gnosiológico, a relação complexa entre o pneu furado e o útero materno, sem esquecer a tese do macaco hidráulico como substituto da autoridade paterna. E aqui enfatizo o clássico regresso à boleia, do ponto de vista da sublimação, et cetera.
Podemos, então, identificar o mito do pneu furado, partindo do pressuposto de que o mito é uma alegoria tão antiga como a própria ideia do pecado original.
Todavia, sem fugir ao tema fulcral da questão primordial, procurei dar-lhe a elevação espiritual e introduzir-lhe o enquadramento exotérico que muitos lhe negam, vendo mesmo na forma do pneu furado, um símbolo de redenção cósmica. Afinal, nos antípodas do pensamento materialista, segundo o qual e por consequência: "se o pneu está furado, muda-se!"