Criei este blogue com a ideia de o rechear com estórias rutilantes, ainda que às vezes embaciadas. Penso que são escritas sagazes e transparentes, embora com reservas e alguma indecência à mistura. No entanto, honestas.
Apaixonei-me por ela numa tarde aprazível de um Verão longínquo. Cruzámo-nos na praia de Carcavelos.
Estava linda, loura dourada, cor de mel, docemente encostada a uma espreguiçadeira. Olhei-a de relance e pareceu-me expectante. Acho que estava à espera de que lhe dissesse qualquer coisa, sei lá, um galanteio, um dito lisonjeiro ou desejosa, quiçá, de um olhar cúmplice. Pelo menos, fiquei com essa impressão.
Mas, como não era rapaz para fazer olhinhos de carneiro mal morto ou lançar piropos, feito um palerma, prossegui o meu caminho e fui-me afastando até uma distância em que só consegui vislumbrar a sua vaga silhueta. Ao longe, pareceu-me triste ou, então, foi sugestão...
Foi a última vez que lhe pus a vista em cima.
Desgostoso por ser tão tímido, andei dias a cismar com o meu estúpido acanhamento; timidez que, ainda hoje, tenho dificuldade em dominar.
Assim, tomei uma decisão. Difícil, certamente, mas, a paixão, meu Deus, quão cruel é este ilógico sentimento!
De pronto fiz a mala e parti ao seu alcance, sei lá pra onde.
Cruzei-me com tanta gente, nesta busca inglória por um amor não anunciado e, tampouco, correspondido.
Na incessante procura, ficaram-me na memória estas personagens curiosas, talvez um tanto bizarras: três campistas alemães com trajes do Tirol; um casal inglês, tipicamente magrebino, e um cão albino a dar ao rabo. Todavia, ninguém me soube dizer dela.
Regressei mais triste e desiludido do que nunca.
Percebi, finalmente, que me tinha esquecido e, se calhar, desprezado por ter passado ao lado, apesar do amor assolapado que lhe tinha votado. Afinal, foi amor à primeira vista. E saberão os pobres amantes, silenciosos, que o amor à primeira vista é o mais sofrido e, em certos casos, o mais mortífero! Daí a expressão "morrer de amor".
Só Deus sabe como padeci, pois Ele foi Testemunha da minha angústia.
Ah que sofrimento! Ser escravo do amor cego era a causa do meu tormento!
Tinha de me libertar! – pensava com os meus botões.
Passaram anos a fio. Por fim, liberto, vi o logro em que caíra, com a escravidão obsessiva a que me arrastara esta louca paixão e disse não!
Acordei, abri os olhos, olhei à minha volta, e vi que o tempo avançava inexorável e inflexível (passe a redundância, mas é só para reforçar a implacabilidade do tempo).
Então, envolveu-me no seu manto diáfano e disse:
- "Deixa lá que outras mais merecedoras da tua nobreza de carácter hão-de cruzar-se contigo e quem sabe..."
E, com efeito, não podia estar mais de acordo com o tempo, já que um dia o senhor Ezequiel, da Leitaria da Esquina à Rua da Lapa – era assim que se chamava a leitaria do senhor Ezequiel – me disse o seguinte:
- "Conheço uma viúva muito jeitosa que vive numas águas furtadas, ali, às Escadinhas do Duque. É uma senhora das melhores famílias alfacinhas, de seu nome, Eugénia Sá Lemos ."
Pelo apelido, presumi imediatamente que a senhora era uma mulher à antiga, filha de famílias distintas e, por conseguinte, de ilustres tradições e fortes sentimentos.
Desde essa feliz sugestão do senhor Ezequiel, temos trocado alguma correspondência através da Internet, mas queremos ir mais longe.
Por isso, querido diário, esta nova felicidade que banha o meu velho coração, será total, quando, na próxima quarta-feira subir as escadas do amor.
É verdade, querido diário! Vai ser o primeiro de muitos chás das cinco, servido com palmiers recheados e biscoitos de canela, para o qual a Geninha teve a amabilidade de me convidar.
Finalmente, reencontrei-a, depois de tantos anos de desespero, graças ao senhor Ezequiel!
Assim Deus permita que consiga transpor aqueles duzentos degraus que me separam da felicidade, malgrado as dores físicas de que padeço.