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CARTA AO PAI NATAL

por João Castro e Brito, em 08.12.20

carta ao pai natal.jpg

Como se fartara de escrever cartas ao Menino Jesus, anos a fio, e nunca obtivera qualquer retorno; nem um simples postalzinho ilustrado, virou-se para o Pai Natal e escreveu-lhe uma cartinha singela, mas muito bonita. Aliás, como era seu timbre.
Pensava que desta vez não havia causa, devidamente fundamentada, que levasse também o senecto senhor a recusar o seu pedido. Ademais, com toda a justiça, diga-se em abono da verdade, pois nunca chegou a saber a razão de tanta animosidade por parte do Deus Menino! Isto porque era uma criança que comia a sopa toda, não se metia em rixas, não contava mentiras, sabia rezar o Padre Nosso e a Ave Maria de trás pra frente e de frente pra trás e nunca fazia gazeta à catequese, salvo se estivesse doentinho.
Enfim, ele era mesmo um menino muito bem comportado; um anjinho se assim se pode chamar.
Por isso, passarem Natais sobre Natais sem responder às suas cartas, sem uma lembrança que fosse, era razão para se sentir infeliz e, naturalmente, incomodado.
Afinal, até nem era um rapaz muito exigente, pois só queria uma daquelas consolas: a PlayStation PS5 ou a Nintendo 3DS que tinha visto numa página da net, apelando, fascinantes, para que as pusessem no sapatinho de alguma criança. Claro que as duas seria o ideal, mas convinha não abusar da bondade do santo homem e, como referi, ele era um gaiato que se contentava com pouco, coitadinho.
Após ter remetido a carta para o novo endereço, algures na Lapónia, desejou que o tempo passasse depressa até àquele dia tão apetecido em que os meninos, maravilhados com o espírito natalício, se enchem de sorrisos e muita ansiedade. Mesmo os meninos pobres! Porque não que diabo (ai, perdão!)?! Compreensível, n'é?...
Quando chegou o dia e a hora de abrir as prendas teve mais uma grande decepção: à medida que ia desembrulhando a sua, com a impaciência que caracteriza as crianças com expectativas muito elevadas, anteviu logo a coisa que se escondia dentro daquele embrulho tão dolosamente atraente: um comboio de plástico, horrível, ainda por cima "made in China", pormenor que o deixou muito irritado. Largou o estúpido brinquedo e saiu dali, lavado em lágrimas e, naturalmente, magoado com o Pai Natal. Também Ele acabara de lhe frustrar as esperanças. "São todos iguais!" – pensou, indignado.
Depois de mais uma manifestação de sovinice, desta feita, de São Nicolau, mandou-OS à Missa do Galo que ele jurou que não ia mais. De feito, dito e feito.

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O CASO DO PAI NATAL PERDIDO

por João Castro e Brito, em 20.12.19

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A família estava reunida para celebrar mais uma festa de Natal.
Coberta pela linda toalha de croché, bordada pela avó Etelvina ao longo dos últimos noventa e sete anos, nada faltava em cima da mesa. Era, efectivamente, uma mesa farta.
Após terem jantado o bacalhau com todos, como manda a tradição, deliciavam-se agora a devorar as doçarias próprias da quadra.
Entretanto, sem que estivessem à espera de visitas, bateram à porta.
O chefe de família, visivelmente contrariado e apreensivo (pudera!), deixou cair da boca um pedacinho de filhó, prontamente interceptado pelo cão de estimação.
Quem é que se lembraria de interromper um momento familiar tão particular, ademais sem ser convidado e pior: quase à meia noite?! Perguntou quem era:
«Sou o Pai Natal, muito boa noite e paz na terra aos homens de boa vontade! - foi a resposta do lado de fora - Pretendo ir para Boliqueime, mas, como está muito nevoeiro e escuro como breu, acho que me enganei no caminho, valha-me Deus!»
«Eh pá, vai enganar outro, meu, essa já não pega! - exclamou o chefe de família, soltando mais uma miuçalha de filhó, prontamente interceptada pelo cão de estimação - Quem é que ainda acredita no Pai Natal, hã?»
«Eu!» - gritou a criança sem hesitar.
No entanto, apenas por descargo de consciência - afinal celebrava-se mais uma quadra de amor, fraternidade, solidariedade e coisas afins - , entreabriu a porta e todos (menos o menino) desataram a rir desbragadamente. Diria até indecorosamente (passe a redundância). Do lado de fora assomava-se uma figura tragicómica, quase tétrica, trajando o costumário fato vermelho, com um barrete de cor condicente e umas longas barbas brancas, tal e qual o Pai Natal, só que chupado das carochas e aparentemente mal asseado. Ora, toda a gente sabe que o Pai Natal quer-se leitoado, lustrino e limpinho, o que não era, propriamente, o caso. Apesar de tudo, o pobre lá tentou ser o mais convincente que pôde:
«Embora seja difícil de acreditar, garanto-vos que sou o Pai Natal, juro, eu seja ceguinho!»
«Está bem; e eu sou o professor Marcelo!» - Respondeu, sarcástico, o primo Albino que até sofria de albinismo, embora nunca tivesse escalado, sequer, um monte. Mais a mais aquela do professor Marcelo até foi descabida porque é evidente que o homem é bem tisnado!
Feitos alarves, continuaram a rir-se do pobre velhinho que afirmava com toda a veemência, ser o Pai Natal...
Cansados de tanto rirem, deram-lhe meia dúzia de broas castelares e um euro, só para se verem livres dele. Além disso, o miúdo ficou muito assustado e confuso com a figura grotesca do Pai Natal. Para não dizer da avó Etelvina que esteve prestes a engasgar-se com uma passa entalada no gorgomilo, por causa da risota. Temendo que desse algum fanico à velha e lhes estragasse o Natal, fecharam imediatamente a porta na cara do pobre homem, tendo este ficado sem um bocadinho de barba por via da entalação.
Fatigado e muito triste com a falta de solidariedade das pessoas e da Pátria madrasta que o deixara com uma reforma tão miserável que nem lhe dava para as despesas, o Pai Natal deu corda ao burro (queriam renas em Portugal? Dah!) e lá foi a caminho de Boliqueime, afinal a sua terra natal, ao invés da Lapónia. Afinal, o homem é cá dos nossos!

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O CASO DO PAI NATAL, SUSPEITO DE SER PARVINHO

por João Castro e Brito, em 20.11.18

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Foi detida, a semana passada, às ordens da Procuradoria do Tribunal da Comarca, uma pessoa do sexo masculino com aspecto de Pai Natal. O homem é suspeito de valer-se do período natalício para se fazer passar por parvinho.
Após investigação policial sumária, veio-se (veio-se, aqui, soa mal, peço desculpa) a apurar, nas últimas horas, que afinal pode ser parvinho, embora persistam dúvidas.
O indivíduo, de nome Anacleto, cujo apelido é Silva, tem andado pelo centro de Lisboa, trajando um fato bizarro de cor vermelha, algo desbotada, e barba grande com aspecto imundo.
O sujeito anda a clamar, para quem o quiser ouvir, que já morou num "palácio cor de rosa, paredes-meias com o Museu dos Coxos".
Ora, tal alarido vem dar consistência à convicção generalizada, no meio das autoridades, de que a criatura é, efectivamente, parvinha. Isto porque não há conhecimento da existência de tal museu. O mais aproximado é a Rua da Coxa em Bragança e, que se saiba, não existe nenhum palácio cor de rosa nessa rua.
Segundo testemunhas oculares (testemunhas com óculos, evidentemente), carregava um saco de lona às costas, com o logótipo do BPN já muito gasto.
Depois de aberto, o saco, revelou quinquilharia alusiva ao Natal como, granadas anti-tanque, caixas de munições de canhão de recuo de longo alcance, uma bazuca Lego (graças a Deus) e dois tanques Panzer do "Wehrmacht" (arre-macho, segundo o tradutor Google que eu, de Alemão, pesco zero) em muito mau estado de conservação (vá lá).
Estes brinquedos perigosos, excepto as balas de canhão de recuo de longo alcance que são de pólvora seca, foram imediatamente assinalados e o indivíduo prontamente imobilizado por populares assim que o cheiro a pólvora assumiu proporções alarmantes para a saúde pública.
A seguir a uma longa espera desesperante, deslocou-se imediatamente ao local – passe o paradoxo – um piquete da Brigada de Minas e Armadilhas da PSP que colheu amostras de ADN das balas de canhão de recuo de longo alcance, permanecendo algumas dúvidas em relação à perigosidade dos artigos remanescentes, inclusive do Pai Natal.
Interrogado sobre a origem, destino e uso dos brinquedos apreendidos, Anacleto foi lacónico na resposta: «Só sei que sou parvinho; e olhe que raramente me engano e nunca tenho dúvidas!»
Dado que o desenvolvimento do caso estava a tomar contornos nebulosos, foi chamado um psicólogo forense, chamado Acácio de Mente que, após cumprimentar formalmente o Pai Natal, foi sumário: «O homem não sabe nada, é completamente parvinho!» – dedução que era mais que previsível. No entanto, carecia de inquirição mais apurada dos factos que é sempre um factor importante em qualquer investigação criminal.
Passada a noite no calabouço, foi presente a um juiz que o mandou para a rua, ficando a aguardar julgamento em liberdade.
Anacleto Silva pode, por conseguinte e por consequência (passe a redundância, mas é só para encher isto), incorrer num crime de perjúrio se se confirmarem as últimas alegações de que, com efeito retroactivo, se fazia passar por parvinho, sendo, afinal, o Pai Natal.
As últimas palavras do doutor juiz foram: «Já agora, não tens para aí uma metralhadora HK para o meu netinho, ó Pai Natal?»

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