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OS ESTÁDIOS DE SANGUE

por João Castro e Brito, em 28.10.22

Se alguém se recorda, o negócio dos "diamantes de sangue" foi associado aos financiadores de conflitos (durante a década de 1990) na África Ocidental e Central. Aliás, bem a propósito, o americano, Edward Zwickp, baseado nessa brutal realidade em que os diamantes eram extraídos em zonas de guerra e vendidos para financiar acções armadas, produziu um grande filme, em 2006, titulado Diamante de Sangue.
Aparentemente, parece não haver ligação entre este intróito e o tema em epígrafe, mas, como diz o outro, "isto anda tudo ligado". Continuando:
Em 2021, uma investigação do jornal inglês The Guardian concluiu que mais de 6500 trabalhadores, oriundos da Índia, Paquistão, Nepal, Bangladesh e Sri Lanka, a trabalharem em turnos de 12 horas consecutivas, morreram nas obras de construção de estádios desportivos no Catar. Brutal é o mínimo que se pode dizer. Não porque sejam números que nos deixem perplexos. Pelo contrário, parecem deixar-nos indiferentes. Até porque parecem reflectir um novo paradigma do comportamento humano; um "novo normal", se assim se pode dizer, como reflexo de uma sociedade cada vez mais desumanizada...
Pode ser que EZ se lembre de fazer um filme acerca do sangue de milhares de "escravos", derramado na sua construção.
Leonardo DiCaprio, sem embargo da sua filantrópica dedicação às causas justas, podia-se prestar para protagonizar o papel do "magnânimo" Emir do Catar, coadjuvado por outras "magnânimas" personalidades ligadas ao mundo do futebol.
O título do filme poderia ser, por exemplo: Os Estádios de Sangue...
Em conclusão: é opinião geral e consensual de que a "festa" vai ser fantástica e muito colorida e antes de cada jogo vai haver um minuto de silêncio em homenagem póstuma aos que "transpiraram" muito para erguerem os lindos estádios do Mundial.
A FIFA só tem de estar orgulhosa...

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NO TEMPO DA OUTRA SENHORA

por João Castro e Brito, em 01.05.22

no tempo da outra senhora.jpg

Havia gente que era presa, torturada e morta pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado) por contestar o regime; havia gente cuja miséria era tão desesperante que a obrigava a ir a salto para a França; havia gente que vivia em barracas nas periferias das grandes cidades; havia uma guerra ultramarina com três frentes: Angola, Moçambique e Guiné. Um esforço de guerra que aumentava a nossa pobreza e nos distanciava dos elevados padrões de crescimento dos países europeus mais desenvolvidos. Uma guerra que obrigava ao sacrifício de milhares de jovens, nomeadamente dos provenientes das zonas rurais, cujas famílias, para subsistirem, dependiam do seu amparo; havia o exílio, forçado ou voluntário, de figuras públicas contrárias ao regime e, não raras vezes, o seu assassinato; havia as prisões políticas e os algozes do sistema; havia a Mocidade Portuguesa e a Legião Portuguesa, organizações paramilitares de integração ideológica; havia a censura prévia e a proibição de manifestações na via pública; havia a arregimentação de milhares de pessoas para virem periodicamente a Lisboa, à Praça do Comércio, louvar o Salazar; havia a repressão policial sobre os movimentos de contestação estudantil e do operariado; havia uma Igreja que pactuava com a ditadura; havia um bispo, o do Porto, que era a excepção à regra e foi obrigado a exilar-se; havia o General Humberto Delgado que um dia, respondendo a uma pergunta, foi imprevidente afirmando que se fosse eleito Presidente da República, "obviamente", demitia o tirano, sendo morto na fronteira pelos seus verdugos; havia uma cadeira da qual o iníquo caiu e feneceu; havia uma certa "Primavera Marcelista", mas foi sol de pouca dura; havia a necessidade premente de acabar com a "Guerra do Ultramar"; havia a vontade popular de se juntar aos militares revolucionários naquele memorável dia; havia muito para fazer há quarenta e oito anos; havia...

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QUEM MATOU JACINTO DORES?

por João Castro e Brito, em 03.10.21

quem matou jacinto dores.jpg

Suspeito número 1:
Por altura da sua morte, por homicídio qualificado, Jacinto Dores aparentava ter setenta e oito anos e nove meses, mais coisa, menos coisa.
Caucasiano esquálido por parte da mãe, urso pardo por parte do pai, barbeado a contrapelo, cabelos finos e corredios, ora pretos, ora loiros ou ruivos, olhos pretos grandes e horizontais, de um azul profundo, às vezes em bico, e comerciante de tónico capilar para a tosse, mostrou-se pouco à vontade com o tiro de 7,65 que a sua mulher, Zulmira Dores, disparou no meio da sua testa, à queima-roupa, apanhando-o com dores nas costas. Ora, isto ocorreu imediatamente a seguir ao jantar e sem direito a sobremesa e mais: todos haviam sido testemunhas do gosto obsessivo, diria até compulsivo, de Jacinto Dores por arroz doce. No entanto, no último jantar da sua vida, Zulmira Dores negou-lhe esse último prazer. As razões de tal recusa ficaram por apurar. Só
Deus sabe.
 
Suspeito número 2:
Um homem aparentando ter trinta e sete anos e um mês, de tez verde-azeitona cordovil, olhos estreitos e oblíquos, cabelos e barba pretos, de um castanho sujo e desgrenhado, cravou criteriosamente uma faca de ponta e mola, com cerca de trinta centímetros, entre as omoplatas de Jacinto Dores, deixando-o visivelmente irritado. Afinal, o caso não era para menos, pois o agressor agiu com muito discernimento.
 
Suspeito número 3:
Um adolescente, vizinho de Jacinto Dores, de pele castanha-clara, talvez preta, cabelo crespo, barba rala, nariz largo e achatado, boca grande e lábios grossos, consumidor compulsivo de substâncias psicotrópicas, empurrou-o pelas escadas abaixo, bradando em delírio: «O senhor Jacinto não me larga a braguilha!», confessando mais tarde perante o juiz da comarca que uma voz estranha ordenava-lhe constantemente que o fizesse porque o senhor Jacinto não parava de a assediar (a voz estranha, evidentemente).
 
Suspeito número 4:
Um sujeito alto com cerca de um metro e sessenta e dois e meio, quarenta e um anos e aparentando ter idade incerta, talvez na casa dos setenta, entre o hispânico e o asiático, vestindo um casaco de napa de cor preta, talvez azul lilás, coçado pelo tempo, passou furtivamente qualquer coisa para as mãos de um outro de estatura menos elevada, porventura um metro e cinquenta e nove, calvo, perneta e atarracado, acabado de atropelar mortalmente Jacinto Dores, praticamente sem dores, tendo o morto falecido sem se aperceber de tal facto.
 
Suspeita número 5:
A amante de Jacinto Dores disfarçou-se de Freddie Mercury com bigode à Montserrat Caballe, antes de lhe chegar Conium Maculatum (não, não é nada disso que estão a pensar, mentes porcas!) à boca enquanto JD dormia. Mais a mais sabendo de antemão que este sofria de apneia do sono. Pura sacanagem!
Estamos, indubitavelmente, perante um caso judicial de contornos muito sombrios e enigmáticos. Todavia, penso que, com um bocadinho de perspicácia e muita concentração, seremos capazes de o deslindar. Uma dica: Concentremo-nos mais incisivamente no indivíduo de tez amarela, nariz adunco e com tiques nervosos que inspiram desconfiança. Não ajudo mais!

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