Naquela manhã, Abraão, acordou o filho muito cedinho:
«Levanta-te Isaac, temos de abalar, já, meu filho!»
«Mas..., paizinho, nem ao menos uma torradita e um leitito de burra?!»
«Anda! Levo aqui pãnito, azeitonitas e um queijito de Serpa, vá, comemos pelo caminho, despacha-te!»
«Paizinho, não leva uma garrafita de vinhito?»
«Bebes aguinha do Ardila e já vais com sorte, meu menino!»
Chegados ao local, indicado pelo mensageiro do Senhor, nos sonhos de Abraão, ali pintaram a manta... perdão, estenderam a manta e despacharam o resto da merenda.
Isaac estava impaciente para adorar e sacrificar fosse o que fosse:
«Paizinho, quando é que a gente vai adorar e sacrificar?»
«Tem lá calma! Tudo tem a sua hora que diabo! Ai..., perdoai-me, Senhor, porque invoquei Lúcifer, esse levado dos diabos!»
Passado algum tempo e estando Isaac a dormir uma soneca à sombra de uma azinheira, o pai aproveita a oportunidade, salta-lhe em cima, dá-lhe uma cachaporrada no toutiço, amordaça-o, amarra-o à árvore e posta-se de alerta à espera que o moço acorde:
«Q'a porra vem a ser esta, paizinho, só pode estar a mangar?! Até pareço um enchido de Estremoz!»
«Está escrito, meu filho! E tu não m'arranjes mais cargas de fezes q'aquelas que já tenho; olha q'ainda levas uma lamparina! Vá; não podemos contrariar as escrituras!»
Abraão pôs-se a jeito para desferir um golpe de cutelo no seu indefeso filho:
«Desinfectou isso, ao menos? Pode-se apanhar o tétano, paizinho!»
Abraão não teve tempo de responder. Um enorme e repentino rugido, vindo dos céus, acompanhado de vento e poeira, acabara de anunciar a presença de um anjo do Senhor:
«Oiça lá, ó seu grandessíssimo Abraão, então você, sua besta quadrada que não tem outro nome, confundiu o seu rapaz com um borrego, seu tira moncos, seu..., seu ratecégo, seu tombaque? Vá lá judiar com o raio que o parta, seu alarve! Arre porra que você não vale um chocalho d'erva, catano! Não sabe q'é aquele bicho que tem de imolar? Para a próxima vai de raboleta para o inferno, está ouvindo?»
O pobre e assustado ancião virou-se e viu ali, escarrapachado, um carneiro escanzelado, vindo, sabe Deus d'onde. Mataram-no e Abraão fez um ensopado dentro das circunstâncias que, tudo leva a crer, não devem ter sido as melhores. A carne saiu um bocadito dura, mas, pelo menos, o anjo chamou-lhe um figo e comeu que nem um bruto.
Cheio e farto – passe a redundância – , agarrou nos quatro arrátes, com muita dificuldade, e desapareceu por entre as nuvens.
Com tanta emoção junta, pai e filho ficaram sem fome. Abraão até se esquecera das suas dores nos artelhos, própria da sua provecta idade.
O Isaac, coitadinho, é que não se lembrava de ter apanhado um escalda rabos tão grande. O importante é que não ficaram derramados com o episódio que, graças a Deus, foi resolvido sem infortúnio.
Todavia, isto ficou fortemente guardado na alembradura de ambos, de tal modo que, mais de 2000 anos depois, é repetidamente recordado pelas alminhas residentes no cemitério lá do monte, o qual não vou revelar q'é p'ra não ficarem raladas dentro dos caixões. N'é que se importem muito, mas naquela altura a coisa podia ter dado para o torto e seria uma grande moidera, n'acham?
E termino esta estória, sem talho nem maravalho, não sem esclarecer, finalmente, que as personagens e o contexto histórico e geográfico são fictícios como, certamete, entenderam, n'é verdade?