Como ia a dizer, a minha querida e velha escolinha, felizmente, continua lá, de pedra e cal e em actividade. Se bem que um pouco descuidada. Pelo menos, continuava quando me deu uma fúria de saudade e fui visitá-la há meia dúzia de anos.
Tinha deixado de cumprir o seu papel básico, mas fundamental, de ensinar as primeiras letras e os primeiros algarismos aos meninos. Todavia, a mudança não foi menos nobre, pois passou a ensinar a representar. Sim, era (não sei se continua a ser) uma escola de teatro.
Mas, volvendo à vocação original da minha velha escolinha: Foi lá que, como disse, aprendi as primeiras letras e os primeiros algarismos. Além disso, aprendi que Portugal era o melhor país do mundo e que vencera todas as guerras travadas com a Espanha.
Aprendi que era um país de gente boa e muito cordata e que o Presidente do Conselho de Ministros, António de Oliveira Salazar também era boa pessoa e zelava pelo bem estar de todos os portugueses. Assim como o Cardeal Patriarca de Lisboa, Manuel Gonçalves Cerejeira, de quem era muito amigo.
Aprendi que as meninas e os meninos não podiam estar juntos nas escolas. Por isso, no meu tempo, haviam as escolas masculinas e as escolas femininas. E até havia uma escola feminina, paredes meias com a minha velha escolinha, onde estava a minha primeira namorada, a Fernanda, que também morava na minha rua; na nossa rua a bem dizer.
Aprendi, com a Fernanda, a dar o primeiro beijo. Quer dizer: não aprendi com ela. Ou por outra: aprendemos juntos. E também íamos juntos para as nossas escolas, mas não íamos de mãos dadas porque ela era mais alta do que eu e eu tinha vergonha de ir de mãos dadas com a Fernanda. Coisas de miúdos.
Foi na minha velha escolinha que, pela primeira vez, senti nas palmas das mãos o efeito doloroso das reguadas. Também senti o efeito discriminatório dos "métodos" de ensino de alguns professores ao separarem os meninos, nas salas de aulas, em "filas dos burros" e "filas dos espertos".
Também foi lá que comi a sopa que era destinada aos meninos pobres, com a condição de tomar uma colher de óleo de fígado de bacalhau. Havia fome e raquitismo em Portugal. Era em 1959 e eu era um menino pobre...
Foram tempos que não se recuperam, mas quando passei por lá, percorrendo os mesmos caminhos que percorria quando tinha sete anos, pareceu-me não ter decorrido muito tempo e são daqueles momentos que dão uma vontade tramada de chorar, mas de chorar descontroladamente.
Quando me der na bolha, se ainda cá estiver, faço mais uma romagem de saudade até à minha velha escolinha para sentir uma estranha, mas boa nostalgia da minha infância: pobre, mas feliz. Sim, posso dizer que, por muito paradoxal que pareça, tive uma infância feliz.
E, mais uma vez, aqui fica o testemunho e os meus eternos amor e gratidão à minha velha escolinha.