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entrevista com omar sharif.jpg

Como é comum em cenas imaginárias onde entram árabes muito maus e muito feios, as entrevistas são quase sempre feitas – salvo uma ou outra excepção – em esconderijos secretos, fortemente guardados, de preferência no meio do deserto, uma coisa, assim, a modos das arábias, estão a topar? Penso que conseguem idealizar um esconderijo, tal e qual, com camelos, baba de camelo, beduínos, babuínos, tempestades de areia, dunas, Rui Reininho, oásis, et cetera, n'é verdade? Bom, só para vos aguçar a argúcia e apetite voraz pela leitura, nomeadamente deste género, o palco proposto não foge à regra.
Por uma questão de segurança, acordada entre as partes, não vá o diabo tecê-las, fica tudo na poeira do deserto.
Por conseguinte, sejam regrado(a)s e não esqueçam um preceito muito importante: por muito crível que vos pareça, não devem acreditar em tudo o que ouvem, ou que lêem, ou até, mesmo, vislumbram. Cinjam-se somente ao que vêem. Razão tinha São Tomé ao afirmar um dia uma frase que ficou célebre: "Isto, só visto porque contado ninguém acredita!"
Portanto, caros e incertos leitores e leitoras, só devemos fazer fé das coisas, ou dos factos, perante o que vimos, ou em face do que verificamos (passe a redundância).
Posto isto, tendo sido só um aparte na tentativa – sei que vã – de introduzir alguma seriedade nesta estória, prossigamos.
Eis, então, o registo de uma entrevista que todo o jornalista que preze a sua profissão gostaria de fazer sem receio de perder a cabeça. Penso, embora sem convicção, que vai ficar para os anais da estória jornalística:
- Jornalista 1: «Senhor Sharif, antes de prosseguirmos com a entrevista, deixe-me dizer-lhe que o senhor tem uma parecença extraordinária com o actor americano, Marty Feldman!...»
- Omar Sharif, depois do tradutor (cavalheiro de óculos escuros) verter a pergunta, não sem antes ter ido verter águas (o senhor Sharif, entenda-se): «Eh pá, isto foi uma vontade imperativa de mudar. Não sei se sabem, mas eu era um puto muito feio; todos me rejeitavam na escola, principalmente as miúdas, e, sei lá, talvez por obra e graça de Deus (vulgo Alah) e só depois de ter visto "Frankenstein Júnior", fiquei rendido, pá! Desde então, foi um sonho que persegui incansavelmente. Um dia olhei-me ao espelho e pensei, cá, para os meus botões: "Tenho de mudar de visual, porra, isto assim não pode continuar!". Devia ter à volta de doze anos, mais coisa, menos coisa. Aliás, já tinha visto todos os filmes do Mel Brooks onde entrava o Marty. Porém, "Frankenstein Júnior" encheu-me as medidas. Principalmente a corcunda do Marty. Aquela giba excitava-me imenso! E os olhos dele, pá, olhem, não consigo explicar; eram bestialmente lindos! A talhe de foice, você também não é nada de desperdiçar, hã?! Cuidado consigo, você é mesmo um pão! Um bocadinho a puxar para o balofo, mas é assim que eu gosto. Não quer ser meu concubino? – Pausa para verter águas (o senhor Sharif, obviamente)
E prontos, pá, um dia dei de caras com o papá e, cara a cara, disse-lhe que não me sentia bem com a minha cara de enterro; queria dinheiro para fazer uma operação plástica. O papá mirou-me, com cara de poucos amigos: que não; que eu era a sua cara chapada; que uma operação dessas custava os olhos da cara e eu, sinceramente, fiquei com cara de tacho. Apeteceu-me vergá-lo, ali, à má cara, palavra! Contudo, contive-me e voltei-lhe a cara. A partir daquela infeliz conversa, fiquei-lhe com um pó danado e passei a congeminar uma maneira de me vingar da desfeita. Assim, um dia esperei que adormecesse e degolei o gajo, prontos! Não me perguntem por que é que o fiz, pois não tenho resposta para aquele acto tão tresloucado, tão...tão vil, tão...tão parricida. Sou assim, por natureza, muito repentista, muito imprevisível, q'é que querem?
Muito mais tarde, e com muitos sacrifícios, consegui juntar umas massas para fazer a operação – só Deus (vulgo, Alah) sabe quanto sofri, mas valeu a pena. Como já tiveram a oportunidade de constatar, a operação foi um êxito e os sacrifícios também, não obstante ter ficado com a cara à banda...»
- J1: «Indubitavelmente, senhor Sharif, entre um e outro, é difícil destrinçar entre o original e a réplica, exceptuando a barba, naturalmente. Ah, e agradeço o elogio, mas sou heterossexual, senhor Sharif!... Mas, indo ao encontro do assunto que nos propusemos trazer aqui, não sem antes o termos submetido à sua aprovação, porquê Califa?»
- Omar Sharif: «O que é que isso tem? É um título como outro qualquer. Bem vê, a Merkel é uma chanceler, o Putin é um czar, o Trump é um xenófobo, o Professor Marcelo é um beijoqueiro e eu decidi ser um Califa e, na minha opinião, foi uma decisão que tomei de bom grado e em boa hora!»
- J2: «Pensava que esse termo tinha alguma conotação religiosa...»
- OS: «Eh pá, isso é tudo uma treta pegada! Intrigas políticas, são o que são! Os gajos roem-se todos com inveja porque sabem que eu só limpo os pés a tapetes persas, essa é que é essa!»
- J3: «Recuando um bocadinho...»
- OS: «Cuidadinho porque o meu gatinho Hálim está mesmo atrás de si!» – Pausa para verter águas (o senhor Sharif, naturalmente)
- J3: «Não queria dizer isso, senhor Sharif. Recuemos ligeiramente no tempo até à decisão que tomou, de exterminar todos os que se opõem à criação de um grande califado – vulgo Estado Islâmico que, segundo o seu desejo, aliás ambicioso, vai de Mossul...ups, perdão!...Vai daqui até ao califado al-Andalus, passando por Vila Real de Santo António, com paragem em Tunes; isto em linha recta, evidentemente.»
- OS: «Se quer que lhe diga, não tenho a certeza de ter tomado tal decisão, pois não me lembro e pouco posso acrescentar ao que já disse. Aliás, conheci muito mal esses pobres infiéis e oxalá (vulgo, insha' Allah) continue assim...
Havia uns jornalistas americanos, n'era?... Sabem... não estou muito a par disso porque nunca assisti à decapitação dessa gente q'é que querem? Não vou à bola com eles, prontos! Mas sosseguem que vocês, enquanto estiverem aqui a registar esta entrevista, estão, mais ou menos, seguros... e digam lá ao Professor Marcelo q'a gente ainda não esqueceu a forma como esse filho d'um sacrista do Afonso Henriques correu connosco de Lisboa, hã?! A minha malta não é de vinganças, mas sabem como é, n'é? A propósito: o gajo ainda é vivo?»
- J3: «Não, senhor, morreu faz séculos... Mas insisto, porque é que matam gente inocente?»
- OS: «Isso, também eu gostava de saber!... A mente humana tem destas coisas! Sabe, é complicado, muito complicado, nós somos assim, muito repentistas. Eu próprio tenho medo da minha imprevisibilidade e, sem que alguém anteveja – inclusive eu – , degolo qualquer um que lute contra o Islão, fique ciente disto!»
- J1: «Ok, mas a criação do auto-proclamado Estado Islâmico, parece ter coincidido com a retirada das tropas americanas do Iraque. Há alguma relação?»
- OS: «Claro que há, mas neste momento não estou a ver que raio de relação possa existir!»
- J1: «Bom, mudemos de assunto, se me permite. As decapitações?»
- OS: «Bom, as decapitações continuam a decorrer a bom ritmo e, embora seja bizarro dizer isto, gramo à brava! Que Deus (vulgo, Allah) me perdoe, mas excitam-me!
- J2: «Mas, todos os condenados são inimigos do Islão?»
- OS: «De quem?!»
- J2: «Do Islão, o islamismo, a vossa fé, a revolução islâmica!...»
- OS: «Ah, isso!...Peço desculpa, estava a cofiar a barbicha...Bem, mas nem todos são adversários do...qual foi o termo que usou?»
- J2: «Pois... No Ocidente, nomeadamente nos Estados Unidos da América, para além de abominarem a frieza hedionda com que executam pessoas inocentes, criticam algumas das suas medidas como, por exemplo, a proibição da música...»
- OS: «Ninguém me entende, valha-me Deus (vulgo Alah)! Vou citar-lhe aquela canção do Sinatra: "Strangers in the night", uma que é assim, "Strangers in the night, dubi-dubi-dá...", conhece? Sabe, fala de um homem e uma mulher, dois seres estranhos que se encontram à noite, sem se conhecerem de qualquer lado e depois? Pouca vergonha, n'é?! Não queremos cá nada disso! Ainda se fossem dois homens, apesar de estranhos, vá que não vá! Tenho muita fé em Deus (vulgo Alah) e Ele há-de recompensar-nos, se nos portarmos bem neste mundo. E reparem bem na magnificência do Senhor (vulgo Alah): logo setenta e duas moçoilas virgens para todo aquele que Lhe (vulgo Alah) for fiel! Todavia – permita-me aqui uma ressalva – preferia setenta e dois moçoilos, oh, se preferia!» – Pausa para verter àguas (o senhor Sharif, quem havia de ser?)
- J3: «Quanto à conquista de território no Iraque?»
- OS: «O que é que tem o Iraque? Que é que quer que lhe responda? Só lhe posso dizer que a coisa, agora, está em fase de rescaldo. Perdemos aqui, ganhamos ali; utilizamos algumas armas americanas, outras russas, material capturado, outro comprado no mercado paralelo e alguns produtos químicos para matar mosquitos. São uma praga, pá!»
- J3: «Posso saber quem lhes fornece armas no mercado paralelo?»
- OS: «Se lhe dissesse, você ia pensar que estava a gozar consigo e ia-se escangalhar a rir. Nem eu quis acreditar, veja bem!»
- J1: «Acha que, neste momento, está seguro? Não tem medo de que lhe caia um míssil americano em cima da testa, ou uma daquelas bombas muito grandes que eles testaram, ultimamente, no Afeganistão?»
- OS: «Não, neste momento tenho mais medo dos sismos. Como sabem, estamos em cima de uma placa tectónica muito instável...»
- J1: «Bom, penso que há conformidade geral, ao afirmar que esta entrevista chegou ao fim. Obrigado pela sua colaboração, senhor Sharif.»
OS: «Sempre ao dispor, amigos! Espero que regressem em segurança aos vossos países. Vai um Johnnie Walker? É bonzinho... americano, claro! E umas bolotas de axixe de Marrocos, hum?... Também tenho drunfos, vai?...
Ide pela sombra que o sol queima! E cuidado com as gumias! Allahu Akbar!»
 
Nota final: Tempos após este evento jornalístico, a notícia surgiu, prevista, em grandes parangonas nos meios de comunicação: Omar Sharif faleceu em Teerão, vítima de cancro na próstata e não como resultado do ataque de um drone norte-americano, como Trump tinha propalado no Twitter, sem sondar primeiro os seus consultores. Sempre o mesmo, o Donald. Que pato!

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