Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]

DEUS, O DIABO, O ENGENHEIRO E OS MALANDROS DO COSTUME

por João Castro e Brito, em 20.10.21

deus, o diabo, o engenheiro e os malandros do cost

"Um engenheiro morreu e chegou às portas do Céu...
Antes de prosseguir com a narrativa, devo esclarecer os eventuais leitores e leitoras de que é do conhecimento geral que os engenheiros, devido ao seu estatuto de incorruptibilidade, quando dão o peido mestre (entenda-se derradeiro suspiro), vão direitinhos para o Paraíso sem passarem pelo Purgatório.
A isenção do juízo final está contemplada em Jeremias, versículo 37:15-16, mais coisa, menos coisa. Prossigamos, então:
São Pedro, mazelado, cansado de séculos de existência e desconfiado desde que o seguro morreu de velho, antes de franquear as portas ao engenheiro, procurou a sua ficha no arquivo geral da ordem dos engenheiros, mas, como o programa informático do Céu estava um bocadinho desorganizado por via da sua obsolescência, não a conseguiu encontrar. Então, disse ao engenheiro:
«Lamento, mas não podes entrar; a tua ficha deve ter-se extraviado!»
O engenheiro, perante a recusa do guardião do Céu, não teve outro remédio senão descer vários lances de escada até chegar às portas do Inferno. O espertalhão do mafarrico nem pestanejou; ofereceu-lhe alojamento de bandeja e demais apoio logístico.
Todavia, após ter sido instalado, faltava ali qualquer coisa, algo onde se pudesse sentir mais proactivo e, claro está, mais realizado. Só assim poderia garantir rentabilidade ao seu espírito sagaz e empreendedor. A necessidade aguça o engenho, como dizia alguém, cujo nome já se me varreu.
É preciso não esquecer que o nosso pobre engenheiro foi parar num lugar inóspito, logo sem grandes condições de habitabilidade. Daí ser exigível, pelo menos, uma zona de conforto decente para poder trabalhar. Isto, não obstante toda a gente saber que o Inferno é um local indecente.
O tempo foi passando e já existiam alguns projectos materializados, entre os quais um de segurança contra incêndios, um térmico, um acústico e também sistemas altamente sofisticados de monitorização de cinzas e ar condicionado. Foram também montados os mais diversos aparelhos electrónicos, redes de telecomunicações, programas de manutenção e, evidentemente, um sistema rigorosíssimo de controlo de qualidade, não fosse a ASAE meter lá o bedelho só para chatear.
Perante a evidência de melhorias tão concretas, o engenheiro passou da condição de degredado a reputado.
Um dia, Deus lembrou-se de fazer uma vistoria à Secretaria Geral do Céu e, estranhando a falta de reclamações que habitualmente chegavam das bandas do Inferno, ligou para o Demónio e perguntou:
- «Então, como é que vão as coisas por aí?»
- «Agora, estão bem melhores do que estavam! Temos vários programas de melhoria contínua, implementados no contexto da prática infernal, naturalmente, mas tudo a funcionar a cem por cento, graças a mim e aos projectos deste fantástico engenheiro que caiu do Céu! Se quiseres algumas indicações pormenorizadas acerca da implementação destes sistemas, manda-me uma mensagem para ohdiabo@vilmail.com, ok?
Isto, agora, só aqui para nós que ninguém nos ouve: Francamente, não sei porque é que ainda não reformaste o Velho, pá, está, cada vez mais, senil!»
- «Hã?!... Vocês têm aí um engenheiro?! Mas, isso é um autêntico ultraje! O lugar dele é aqui no Céu, caraças! Está registado na CRC (Conservatória do Registo Celestial) e tu assinaste por baixo. Manda-o pra cima se fazes o favor!»
- «O quê?! Nem pensar! Este engenheiro é uma mais valia, pá! Estás parvo ou fazes-te? Garanto-te que vai ficar comigo, eternamente, e nem se fala mais no assunto; era o que faltava!»
- «Manda-me esse gajo pra cima, senão lixo-te com uma pinta do caraças! Abro-te um processo daqueles que se podem arrastar por muitos e longos anos (passe a redundância)!»
O Diabo riu desbragadamente, feito um velhaco, como é seu apanágio, e retorquiu:
- «Ah, sim? Então, só por curiosidade, pá, diz-me uma coisa: Onde é que vais arranjar um advogado, um juiz ou até, mesmo, um procurador, aí no Céu, diz-me? Recambias essa gente toda para aqui e agora queres fazer omeletas sem ovos, n'é?! Ora!»"
Nota: Este texto foi-me enviado, há uns tempos, não muito distantes, pelo meu querido e saudoso amigo "Zé do balão", do qual só me restam boas memórias. Estejas onde estiveres: Céu ou Inferno (nunca no purgatório porque não é carne nem peixe), passe a alegoria, espero reencontrar-me contigo, um dia destes ou, quiçá, daqui a uns anitos, não obstante ser um céptico militante desde a primeira hora...

Autoria e outros dados (tags, etc)


Mais sobre mim

foto do autor


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.


Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2016
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2015
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2014
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D