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A TODOS OS HABITANTES DOS MARES DE PORTUGAL

por João Castro e Brito, em 06.12.21

a todos os habitantes dos mares de portugal.jpg

Esta é a grande novidade há muito tempo almejada pela população submarina e sucessivamente adiada por motivos que não vêm ao caso, mas, em todo o caso, deve-se salientar que foram objecto de negociações aturadas com alguns parceiros sociais, às quais não faltou a indispensável peixeirada e a inevitável salgalhada.
Apesar do momento não ser o mais adequado, entendeu o senhor Ministro dos Mares e das Marés, Doutor Marinho do Ó Carapau, avançar com o projecto. E julgamos que o fez por estar de maré, mesmo estando a "remar contra a maré", segundo a oposição. Os escamados do costume, enfim...
Sempre atento aos anseios da comunidade marinha, ou ele não fosse marinho e não obstante a maré estar baixa, dado que o mar atravessa uma maré de azar, decidiu, finalmente, fazer aprovar por unanimidade, com algumas trocas de solhas e muita caldeirada à mistura, uma medida de apoio extraordinária que vai de encontro às expectativas da generalidade dos seres subaquáticos: mandar construir o Lula Parque, aproveitando a reserva extraordinária do Fundo Marinho de Investimento (FMI).
A consecução desta obra vem preencher uma enorme lacuna (não confundir com laguna) no panorama lúdico-subaquático nacional.
Em verdade verdadíssima, dentro em breve, vai ficar tudo em polvorosa (deve pronunciar-se polvo rosa).
Será obra feita para que nos possamos divertir à brava no Lula Parque. Longe vão os tempos em que se faziam obras de fancaria e, ademais, de Santa Ingrácia!
Podemos andar às voltas, sem cessar, nos carrissóis de camarão, conduzir carrinhos de chocos, visitar o Submarino Nautilus do Capitão Nemo e deixarmo-nos tactear nas escamas, barbatanas e conquilhas, por ventosas de górgonas tailandesas, com a garantia, devidamente certificada, de finais felizes. Contudo, não há bela sem senão: Segundo a mitologia grega, as górgonas tailandesas são muito feias e más como as cobras. Logo, não devemos encará-las sob risco de ficarmos petrificados ou, na pior das hipóteses, sermos transformados em caras de bacalhau.
Ficaremos sem pinta de sangue nas guelras quando deslizarmos vertiginosamente na montanha russa do Canhão da Nazaré.
Pescadinhas ciganas de rabo na boca ler-nos-ão a sina na palma das barbatanas! Vai ser um fartote de prazer no Lula Parque! Garanto-vos pelas alminhas das belas nereidas a quem Camões, num momento de insuflação criadora, chamou Tágides.

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CAMÕES

por João Castro e Brito, em 10.06.20
Primeira estrofe do Canto I, dos Lusíadas:
 

camões2.jpg

As armas e os Barões assinalados,
(Porém, jamais apanhados),
Que da Ocidental praia Lusitana
(Sumiram com toda a grana)
Por mares nunca de antes navegados
(Submergiram e não foram achados)
Passaram ainda além da Taprobana
(Bermudas, Granada e Guiana)
Em perigos e guerras esforçados
(Por avara riqueza se viram ousados)
Mais do que prometia a força humana,
(Todavia, exaltando a mente insana)
E entre gente remota edificaram
(Com mais valias que daqui levaram)
Novo Reino, que tanto sublimaram,
(Em édenes que alcançaram)
 
Nota breve sobre o olho de Camões: sei que, segundo reza a história, o poeta perdeu o olho direito numa peleja (há quem sustente a tese de que foi o esquerdo e ao jogo). Todavia, deixo essas conjecturas ao vosso juízo a priori ou a posteriori; é igual ao litro.

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camões2.jpg

Como hoje se celebra uma efeméride muito importante para a nossa História Pátria – se você não sabe, tinha obrigação de saber – não quero deixar de me associar ao evento, com o meu modesto contributo, pedindo, desde já, desculpa ao Professor José Mattoso, pelos eventuais anacronismos ou imprecisões históricas, habituais.
Depois deste pequeno preâmbulo, prossigamos a narrativa:
A sua origem (a da frase "vai chatear o Camões" e não a do vulgarismo, pois, este último perde-se na poeira do tempo) remonta ao século XVI, pouco antes da morte de Luís Vaz de Camões que, como se sabe, morreu nas masmorras do Castelo de São Jorge. É verdade; também me custou a acreditar!
O ano da morte do poeta é incerto, dado que existem três versões contraditórias: uma assegura que foi em dez de Junho de 1579, a outra diz que foi em 11 de Julho de 1580 e ainda há uma última que jura a pés juntos que foi no ano da morte de Ricardo Reis. Gerou-se aqui um grande debate que se tem perpetuado ao longo do tempo e que, naturalmente, nos causa alguma perplexidade, sendo que o caso não é para menos, como é fácil de depreender.
Sabe-se, isso sim, que Camões expirou o último suspiro numa enxovia do castelo, doente, abandonado pelos amigos, desgostoso com o desaparecimento do Rei Dom Sebastião em Alcácer-Quibir e, sobretudo, com a traição da fidalguia à Pátria por não ter oferecido resistência à ocupação castelhana. Aliás, outra atitude não seria de esperar da fidalguia. Ainda hoje é uma acomodada e pensa que tem sangue azul, imagine-se! Mas isso dava outra estória e, desculpem lá, mas desta vez não posso divagar senão esqueço-me do que vem a seguir. Portanto, adiante:
Conta-se que os carcereiros achavam muita piada às declamações poéticas do nosso "Homero", nomeadamente à exaltação e veemência que imprimia às suas récitas.
Os patetas escarneciam daquele velho decrépito(*) e zarolho que ousara escrever um poema épico que ninguém entendia. Com efeito, a malta era muito atrasadinha; já nesses tempos, louvado seja Deus!
A profissão de carcereiro também não exigia esforço intelectual, é preciso dizê-lo. Contudo, era muito chata e nem todos tinham estômago para abraçar a carreira. Por conseguinte, só os tolos é que aceitavam aquele trabalho.
Luís Vaz era, à altura, o único residente nas masmorras do Castelo de São Jorge, situação muito estranha porque, com tanto bandido à solta, não se compreendia porque é que aquilo estava às moscas. Todavia, prometo explicar a razão de tal fenómeno lá mais para a frente se não me esquecer.
De facto, os guardas andavam às moscas, não sabendo como ocupar o tempo. Assim, antes que ficassem com a mosca, bebiam zurrapa; jogavam à lerpa; à vermelhinha; ao montinho; à bisca delambida; contavam anedotas do Cavaco; falavam de putas e pouco mais. Ser carcereiro era um grande enfado e, quando o aborrecimento se tornava insuportável e já torravam a paciência uns aos outros, havia sempre um parvo que dizia para outro: «Olha, vai chatear o Camões!»
Assim se entretinham, quando não havia mais nada para fazer ou conversar, maltratando o desgraçado das maneiras mais torpes, inclusive roubando-lhe a pala que usava sobre a cavidade ocular, onde outrora existia um olho.
A propósito da inexistência do olho, segundo testemunhas oculares (testemunhas com óculos), pouco credíveis, conta-se que o havia perdido num jogo de Poker, no Grand Lisboa Casino. Daí ainda ser usual, em Macau, dizer-se que "Camões perdeu o olho por dez patacas".
A título de curiosidade, as patacas eram moedas que cresciam numa árvore com o mesmo nome (só para quem não sabe).
Gozavam, também, com um colar de louros, já muito ressequido, que ainda conservava religiosamente, mercê de um doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Coimbra, fruto da sua dedicação fervorosa às praxes académicas e a outras notáveis participações.
Conta-se que o catre de Luís Vaz era um antro cheio de tudo quanto possamos imaginar, digno de um cenário lúgubre, repleto de imundície e putrescência.
Por muito inverosímil que se vos afigure tal ambiente, também não o deveis rejeitar totalmente porque algumas das coisas que aqui vos relato devem ter sido verdadeiras. No entanto, digo-o com alguma reserva. Mas, prosseguindo:
Fica-se sem saber, ao certo, se o nosso maior Poeta sofreu grandes tormentos com as vilezas dos insanos carcereiros; os indícios levam a crer que sim. O que se sabe, com exactidão, é que ele ficava pior que uma barata quando o obrigavam a dividir as orações do canto V dos Lusíadas. Esse, para ele, era, literalmente, o seu Oceanus Procellarum (segundo o tradutor do Google que eu, de latim, pesco zero)!
Para rematar isto com alguma concisão histórica e, por conseguinte, com alguma (não muita) seriedade, dizer que Camões se aguentou nas canetas até se ir abaixo delas, com Filipe II de Espanha (Filipe I de Portugal) a instalar-se, de pedra e cal, no paço.
Mas, importante para a compreensão da alma e da obra do poeta e perpetuar a sua memória, é que foi devido à sua condição de prisioneiro que nasceu a tal frase que se tornou muito comum no quotidiano dos portugueses e, como o saber não ocupa lugar, aqui fica mais uma contribuição pessoal, sem fins lucrativos, para a divulgação da nossa história que anda tão desarraigada dos nossos conhecimentos.
(*) 56 anos era considerada uma idade muito avançada para a época.

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