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Criei este blogue com a ideia de o rechear com estórias rutilantes, ainda que às vezes embaciadas. Penso que são escritas sagazes e transparentes, embora com reservas e alguma indecência à mistura. No entanto, honestas.
Apaixonei-me por ela numa tarde aprazível de um Verão longínquo. Cruzámo-nos na praia de Carcavelos.
Ando pelas ruas de Lisboa, é uma quente tarde de sexta-feira, as ruas estão quase despovoadas e as raras pessoas que caminham são pessoas possuídas por uma tristeza amável.
Hoje, consagro este epítome (também gosto muito da palavra "epítome") a duas personagens de uma das mais famosas tragédias da obra Shakespereana.
No caso particular, penso que não ficará atrás de uma verdadeira tragédia grega. Acho que não encontro melhor epitáfio para lhes prestar, senão dedicar-lhes esta síntese. Julgo que quem conseguir ler isto até ao fim deverá estar de acordo comigo.
Como as estórias têm de começar por algum lado, começo pelo imaginário nariz de Cleópatra. Era tão evidente e tão exclusivo que não podia pegar nesta estória por outro lado; temos de convir que era um verdadeiro monumento. Até Marie Robes Pierre que não era dado a divagações particulares sobre anatomia humana, escrevera nas suas "Memórias": "se o nariz de Cleo fosse mais curto, não teria mudado a face do mundo". Ora, apesar de considerar Marie Robes Pierre um dos expoentes máximos do iluminismo, não posso estar mais em desacordo com a pouca iluminação de tal presunção. Quando muito, teria mudado a própria face ou até, mesmo, a dos seus amantes. Mas quem sou eu para contrariar tais fundamentos ou as suas pressuposições? Deus me livre, apesar de não ser religioso!
Depois desta breve introdução, é aqui que entram duas personagens que alimentavam animosidades recalcitrantes entre si, sem razão aparente, segundo reza esta estória: o imperador Júlio César e Pompeu, um general romano natural de Pompeia.
Obviamente que, provocação daqui e provocação dali, só podia dar escaramuça e o inevitável aconteceu, como tudo o que é inevitável.
Como era previsível, a Legião Romana do imperador era em maior número e altamente organizada e, por consequência, derrotou facilmente o bando de maltrapilhos e indisciplinados fenícios e cartagineses de Pompeu na célebre batalha campestre de Farsália. Acerca desta batalha, sabe-se agora que, após profundas pesquisas arqueológicas a cerca de meio metro, veio a confirmar-se através do carbono 14 que aquilo não passou de uma farsa.
Há quem sustente a tese de que Pompeu, depois de alguns reveses que não passaram pelos crivos desta estória, solicitou o estatuto de refugiado político ao Egipto.
Obedecendo a esta proposição, vou continuar a descrever o que aconteceu a seguir, incidindo particularmente na teoria do pedido de asilo político de Pompeu. Só para não acabar isto abruptamente, senão perde toda a graça . Então, sucedeu o seguinte:
Por essa altura subiu ao trono Ptolomeu que, desde pequenino, não ia à bola com Pompeu, vá-se lá saber porquê. Vai daí, matou-o enquanto este dormia uma sesta. É claro que César, apesar de adversário figadal de Pompeu na grande farsada de Farsália, não gostou e, por conseguinte, não foi de intrigas: deslocou-se pessoalmente ao Egipto para repor a ordem no império, tendo, para o efeito, degolado o Ptolomeu com requintes de malvadez, oferecendo a sua cabeça de bandeja... perdão, oferecendo o trono de bandeja à nova rainha, Cleópatra...
É aqui que reentra uma das personagens principais desta tragédia que, devido ao tamanho do nariz, já vinha a despertar há uma porrada de tempo desejos lúbricos no imperador...
Pois, acontece a qualquer pessoa, mesmo ao ti' César porque a vida não é só chegar, ver e vencer!
Ora, Cleo, como não podia deixar de ser, partilhou os seus lençóis com o senhor. Porém, naqueles tempos ainda não havia panaceias para levantar a moral e, além disso o velho sofria de arritmia galopante, uma doença chata que herdara da sua progenitora. Efectivamente, ele era um grande filho da mãe doente, desde o primeiro vagido.
Em face desse problema genético, César regressou a Roma para fazer um tratamento com águas termais, mas não resultou e, é claro, foi definhando aos poucos até que os médicos chegaram à triste conclusão de que o melhor era eutanasiar o homem; aquilo era sofrimento a mais...
É aqui que entra outra personagem essencial para a continuação desta estória: Marco António, ex-ajudante de César, que tinha formado um triunvirato de conveniência com Lépido e Octávio, dividindo tarefas administrativas do Estado. Quer dizer: todas menos dormirem, à vez, com Cleo; isso estava fora de questão. Por isso, MA tomou uma decisão drástica; ou seja: Como, desde os tempos de César, já andava a arrastar a túnica a Cleo, às escondidas do imperador, para não ter a concorrência por perto, despachou Lépido para a Patagónia, Octávio para os Montes Hermínios e rumou ao Egipto. Antes de lá chegar, Cleo, só pelo cheiro, já sabia da sua vinda. Pudera!...
A pirâmide de Queóps desmoronou-se; as esfinges de Gisé e Tebas desfingeram-se; os Deuses rejubilaram e enfim, foi o bom e o bonito! Cleópatra havia-se esmerado na recepção a MA. Com mimos assim, era de esperar que o pobre estivesse perdido de amor, isso é factual; basta conhecer um pouco desta estória.
Mesmo com o rosto cheio de equimoses que mais parecia uma paisagem lunar, MA nunca desistiu da sua rainha. Paixões assim tão lindas acontecem uma vez de mil em mil anos; Pedro e Inês, comparados com este casal, deviam ser como o cão e a gata!
Por Cleo, MA era capaz de guerrear com Hórus e Doktem; que se lixassem, ele desejava desesperadamente! Havia o ónus do nariz da sua amada, que doía para caraças, mas que fazer se naquele tempo ainda não tinham inventado as cirurgias plásticas?!
Assim, como assim, concordaram em passar a fazer amor de lado; do mal o menos!...
É aqui que reentra, finalmente, outra personagem: Octávio, regressado a Roma. Como não era parvo, apesar de medir metro e meio de altura, aproveitou-se do idílio dos amantes para atacar o Egipto à socapa ou seja, pela calada da noite.
Cleo, para além de ser muito batida em batalhas na cama, também o era na batalha naval. Assim, fez uma pausa entre dois concúbitos (sem tirar, sublinhe-se) com MA e enviou ao encontro de Octávio a sua "invencível armada". Uma armada onde se incluíam algumas naus catrinetas cedidas pelo reino de Portugal de então, ao abrigo de um acordo de cooperação e defesa, bilaterais, celebrado entre ambos os reinos. Porém, foi derrotada; em parte porque muitas naus catrinetas metiam água e MA, atormentado pela dor e pela loucura, veio a falecer de desgosto e sífilis.
Octávio que, desde os tempos de MA, já cobiçava o nariz soberbo de Cleo, preparava-se, agora, para tomar para si tão ansiado e maravilhoso despojo de guerra. Todavia, Cleo estava pelos cabelos com todos os imperadores, senadores, cônsules, consulesas, pretores, tribunos, governadores, duques, duquesas, legados, legionários, et cetera, e (acho que vou rematar isto às três pancadas porque a parte final não me está a correr nada bem, peço desculpa) suicidou-se com veneno de cobra-de-capuz (chama-se assim porque o raio da cobra, ainda hoje, anda sempre encapuzada). Todavia, teve morte lenta e cruel porque morreu com indescritível sofrimento. Foi Shakespeare quem o disse e não altero nem uma vírgula, pá, desculpem lá!
Fez um ano, neste mês, que ocorreu um acontecimento muito triste: um daqueles factos que ficam registados na memória até ao fim dos dias; feito de amor, de perda e da inevitável dor que ainda custa a passar. No entanto, fica a doce recordação da permanência, ainda que breve, de um ser querido junto de nós.
Lembro-me, pouco depois desse episódio marcante, de me ter metido no comboio para ir a Lisboa tratar de assuntos e simultaneamente aproveitar, se possível, para acordar da letargia e tristura dos dias que sucederam à perda do nosso estimado amigo. Estados de espírito reforçados com o inadiável regresso ao Brasil de familiares que me eram (e são) muito caros.
Lembro-me de deambular pela capital a abarrotar de um simpático sol de Inverno, porventura, clamando pela Primavera a querer irromper, sorridente e gentil.
O sol também sorria; como um amplexo doce e quente que me fazia esquecer, por momentos, as dificuldades da vida e o desgosto. Não obstante senti-las, as dificuldades, não me posso considerar dos mais sacrificados. O provérbio "com o mal dos outros posso eu bem" é uma forma egoísta de nos sentirmos melhor quando outros estão pior. Francamente não sei quem foi o ou a idiota que o inventou. Desculpem o desvio.
Mas, como dizia, o sol sorria, generoso, mas paradoxalmente indiferente à vida que decorria cá em baixo.
Continuando a calcorrear por entre magotes de gente taciturna e apressada recordei-me inexplicavelmente do nosso primeiro e, parece-me, exclusivo satélite a entrar em órbita e lembrei-me também de pensar nas razões do nosso atraso, passados que são tantos anos de democracia esbanjada...
Então, pus-me a matutar na minha vida e na de todos nós, afinal, num quase Abril de todas as esperanças; apesar de tudo, uma vez mais, após quase meio século de falsas expectativas e liberdades implexas.
Passei por alguém que ainda não tinha dado conta de que o dia já alvorecera e continuava a dormir aninhado a um canto de um prédio, entre mantas e jornais; cruzei-me com duas gajas novas, altas, esguias e com ar petulante que comentavam qualquer coisa acerca do mendigo, com meio sorriso nas fuças. Lembro-me dos falsos valores que lhes infundimos, a respeito da liberdade...
Continuando o passeio, dei com uma montra de loja fina e com o meu olhar fixo involuntariamente numa senhora loira que compunha um manequim. Mulher bonita sorrindo para o vazio, porventura para o boneco, peito generoso aconchegado numa blusinha azul turquesa em contraste com o azul desmaiado da decoração da montra. Continuava a sorrir, quiçá, com o sentido nalgum acaso feliz da sua vida, e sorri também. Quando deu conta do meu sorriso deixou cair o seu. Não tive tempo de o apanhar, conquanto fosse morosa a sua queda, pois parecia leve como uma pena. Apesar dos meus esforços para evitar que caísse; e Deus é testemunha da ginástica que fiz: um passo para aqui, outro para ali, para a frente, para trás, meia volta, volta e meia, e quase que o sentia diáfano na concha das mãos: lindo e enigmático - ainda mais que o da Gioconda do Da Vinci - , esgueirou-se por entre os dedos, estatelando-se nas pedrinhas da calçada.
Tive pena de ter perdido aquele sorriso tão bonito, mas, enfim, não dramatizemos esta pequena, se bem que lamentável contrariedade; a vida tinha de prosseguir e havia que aproveitar os bons momentos tais como aquela luminosidade vital que pareceu retemperar-me o ânimo e dava um tom bonito à minha cidade.
Não queria opinar sobre política, mas já dei um encontrão na estuporada e, pronto, tenho de acabar... Mas, espera lá! Não!... Não vou macular isto com essa porca! Pelo menos por agora. Porque carga de água não desenvolvi mais ao pormenor o assunto da troca de sorrisos com a loira desconhecida da montra da loja chique? Quer dizer..., não foi bem uma troca de sorrisos, foi mais um desencanto. Um daqueles desencantos que nos fazem pensar com muita nostalgia de tantos outros desencantos e desencontros, mas é como é ou como diz Vinícius de Moraes no seu Samba da Benção: A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.
Sei que seria mais fácil e mais apetecível para as mentes famintas de coisas carregadas de fantasia ou desejo que continuasse a minha história por aí; que a recriasse e introduzisse uns pozinhos de romance. Prometo que fica para um outro escrito, se me lembrar.
Determinar a origem clara do nome, seria tarefa inglória e morosa para alguém que nada sabe sobre a simbologia do sagrado e religioso e fastidioso para quem ainda tem pachorra (ou tempo) para ler as minhas publicações.
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