Era uma vez (once upon a time, para inglês ver) dois porquinhos que estavam a brincar alegremente no bosque (calma! Também sei que falta um porquinho nesta narração, mas isto é apenas o começo, ok?) quando, detrás de um arbusto, surgiu o lobo mau; um lobo ranhoso (ovelha ranhosa não soava bem neste contexto) c'mo caraças!
Como você certamente sabe, o lobo é uma daquelas personagens que só servem para estragar as estórias, mas, pronto, é indispensável, pois está em inúmeras fábulas folclóricas, inclusive nas de Esopo e, claro, nas histórias dos Irmãos Grimm, como não podia deixar de estar. Mas, isto, foi um aparte, adiante:
Logo, o malvado deu início à clássica perseguição, sem rodeios.
Um dos porquinhos, mais lesto que o outro, conseguiu trocar as voltas ao lobo e correu o mais que as suas patinhas curtas lhe permitiram, apressando-se a erguer uma cabana de colmo. Porém, era tarefa hercúlea de mais para um porquinho que até parecia da Índia e, por conseguinte, foi devorado pelo carnívoro em menos de um farelo. Todavia, o segundo porquinho, apesar de ser mais lento que o primeiro, aproveitou-se do tempo despendido pela fera na perseguição, captura e ingestão do primeiro. Assim, conseguiu terminar um abrigo de barro...
Permita que abra aqui outro breve parêntese para lhe explicar, muito resumidamente, o seguinte:
Demora sempre um bocadinho a tragar um marrancho, mesmo sendo um bácoro, como deve calcular. Seja do pé para a mão ou da mão para o pé – há quem goste muito do chispe do pé, mas também há quem goste mais do da mão – , é preciso preparar o suídeo e, enfim, tem regras que não vale a pena expor aqui, senão isto deixa de ser resumido. Poderei voltar ao assunto, exclusivamente, a seu pedido se assim quiser.
Bom, mas como dizia, o segundo porquinho ainda teve tempo para terminar o abrigo de barro, mas debalde (pensa-se que, se fosse de balde de cimento, poderia ter tido melhor sorte). O lobo, ainda não saciado, desfez aquilo com um simples, mas eficaz, sopro e papou o pobre enquanto o diabo esfrega um olho (não se sabendo qual olho, mas também não é relevante).
Regalado e saindo dali de papo farto, o lobo mau regressava ao seu domínio na floresta (ou no bosque, tanto faz) quando lhe veio à memória que faltava um porquinho. Nitidamente chateado, pois ia preparado para dormir uma merecida sesta (segundo a sua interpretação), deu meia volta e volveu a caminho da casa dos porquinhos, dado que era muito respeitador da tradição e, por conseguinte, não queria desvirtuar a estória.
Chegado ao lugar e após ter ladeado a casa de chamas, matando o último ocupante por inalação de fumo, é que se lembrou de que não tinha fome e que, aparentemente, aquela morte podia ter sido evitada ou, pelo menos, adiada até melhor altura (leia-se até o porquinho engordar mais um bocadinho).
O que é que ele ia fazer com tanta carne entremeada e tanta tripa? É banal dizer-se que a necessidade aguça o engenho e, neste caso, aguçou-lhe a necessidade de dar alguma utilidade ao excedente.
Sem mais delongas, desmanchou o bicho, atou as partes e pô-las ao fumeiro. Foi desta descoberta empírica que se inventaram os enchidos (o famoso presunto de Chaves, que não é um enchido – não precisa de me corrigir – só foi descoberto, séculos mais tarde), embora a afirmação careça de confirmação científica como é óbvio.