A sustentar a suspeita, havia o facto de trajar um casaco de napa com um cheiro intenso e desagradável a PVC, misturado com água de colónia rasca.
Sub-repticiamente, dirigiu-se à primeira pessoa que lhe pareceu mais receptiva a perguntas:
- Boa tarde, amigo, desculpe lá: o senhor é que é a noiva?
- Não, senhor, eu sou o mestre de cerimónias. Porque é que pergunta?
O homem com ar suspeito compôs a lapela do casaco, esfregou o queixo, tamborilou sobre o balcão, esgargalou o pescoço e, um pouco menos tenso, respondeu:
- Então, ainda bem que o encontro; era mesmo consigo que queria falar...não queria incomodar... ademais, já é um bocadinho tarde!
Tentando disfarçar alguma perturbação e até temor perante a presença sombria do homem com ar suspeito, o mestre de cerimónias engoliu apressadamente três tigelinhas de puro Cristal Atlantis (passe a publicidade), não reparando que duas delas já não continham arroz doce.
Sem lhe dar tempo para se desengasgar, o homem com ar suspeito voltou à carga:
- Já, agora, talvez me possa informar se o casamento está a decorrer conforme as suas expectativas...
- Olhe..., se quer que lhe diga, não sei! – respondeu-lhe o mestre de cerimónias, quase a sufocar – Tenho est...estado a assistir à fin...final da Taça.
Aproximando-se mais do mestre de cerimónias, agora com ar inquisidor, perguntou:
- Sportinguista?
- Sim senhor e dos quatro costados!
- Porra, já podia ter dito, homem! Venham daí esses ossos!
Pouco confortável, o mestre de cerimónias olhou em redor e, como já não havia frango, viu-se na obrigação de pedir desculpas; que agora era só refugo, nem sequer um ossinho para chupar; que se tivesse fome ainda se podia arranjar uma sandes de mortadela e escorripichar uma garrafita de Casal Garcia (passe a publicidade)...
- Deixe estar, não se incomode! Antes de passar por aqui, comi qualquer coisa no caminho! – respondeu o homem com ar suspeito enquanto tirava um caramelo de um dos bolsos do casaco, desembrulhando-o apressadamente.
- Mas, talvez me pudesse dar uma ajudinha...
- No que estiver ao meu alcance, amigo!
- Olhe – disse segredando ao ouvido do mestre de cerimónias, por forma a não dar muito nas vistas – , tenho aqui umas acções da SLN, fresquinhas, fresquinhas! Faço-lhe um preço de amigo! Que é que me diz?
- Ó meu amigo, sei muito bem o que essa porcaria vale agora!
- Oiça, oiça, espere lá, não se vá embora! – murmurou o homem com ar suspeito, puxando o outro por um braço – Só porque é sportinguista ferrenho, além das acções, que são quase de borla, ainda leva um conjunto de duas toalhas de mesa; três pares de cuecas de senhora tamanho cinquenta e dois; cinco pares de peúgos de lã unisex, tamanho 47; dois panos de cozinha; um avental; dois jogos de cama – um de casal ventoso e outro de solteirão convicto – e, ainda, um chapéu de sol e uma ventoinha a pilhas. Hã?...Agrada-lhe?
Começou a esvaziar o conteúdo de uma mala que, entretanto, abrira.
- Pela alminha da minha madrasta que Deus tem; e era uma santa, eu seja ceguinho! Leve que é material feito em Portugal, nada de chinesices; ainda têm selo e tudo, veja lá! Garanto que vai bem servido. E olhe que nestas coisas nunca me engano e raramente tenho dúvidas!
- Bem, se você diz que traz selo, é um peso que me tira das costas! – recuou o mestre de cerimónias, mal refeito do peso que o outro lhe acabara de tirar das ditas.
- Pronto, está bem, fico com isso tudo. Ponha ali em cima do bolo da noiva, se faz favor!
- A propósito de noiva – perguntou o homem com ar suspeito – , ela é virgem?
- Olhe, penso que não. Ela é caranguejo, se não estou em erro.
- Bom, então, posso alimentar algumas esperanças, não?
- Naturalmente! Sabe como é, hoje em dia: casa-se e descasa-se. E já que me faz essa pergunta, devo informá-lo de que a noiva já está de esperanças, vai para oito meses. É só para não ir descalço.
- Pois, o problema é a falta de água que tem havido. Não chove, é uma chatice! – retorquiu o homem com ar suspeito.
- Sim, mas não se preocupe, amigo, porque, da maneira que a vida está, isto já nem vai dar para os torresmos. Pode apostar mais uns pijamas, uns tapetes, uns edredões, umas mantas e uns cortinados. Vá por mim que sou barbeiro nas horas vagas.