por João Castro e Brito, em 25.11.20

«Quanto mais me bates, mais gosto de ti!» – exclamava ela enquanto ele a sovava desalmadamente.
«Adoro homens brutos como tu!» – dizia ela depois de ele lhe aplicar vários socos na barriga.
Dobrada sobre si, pedia mais e ele não se fazia rogado, socando-a na boca, nos olhos e no fígado.
«Com mais força! – implorava ela com veemência – Os teus murros são doces carícias para mim!»
E ele não se ensaiava, fazia-lhe a vontade, agredindo-a com maior afinco e com método, dado que sabia quais eram os seus pontos fracos; e prosseguia com encontrões, pontapés, mais socos, cabeçadas, joelhadas e toda a sorte de indescritíveis brutalidades.
Passado algum tempo, ele parou; exausto, apesar de possuir grande caparro. O cenário não era pra menos: ela jazia desfalecida sobre a cama, sangrando abundantemente de várias feridas. Para não falar na profusão de hematomas e contusões.
«Então, porque paraste?!» – balbuciou ela.
Ele não se mexeu. O aspecto dela não era, de todo, agradável e pareceu arrependido de a ter espancado quase até à morte porque, aparentemente, ficou triste; de uma tristeza comovente; quase a fazer lembrar aquele tipo de comoção em que se chora azeite por um olho e vinagre pelo outro. Vá-se lá saber o que vai na cabeça de quem violenta assim...
Pegou na samarra, cobriu os ombros, colocou os óculos de sol, não obstante ser noite, e encaminhou-se, decididamente, para a porta da rua.
Ela ainda tentou detê-lo, mas faltaram-lhe as forças. No entanto, murmurou com raiva: «Maricas!»
Podia ser mais uma estória digna do anedotário nacional, daquelas de nos deixarem esboçar, quando muito, um sorriso irónico, se não fosse o epílogo trágico de muitas histórias...reais.
O número de mulheres mortas, em Portugal, vítimas de violência doméstica, tem vindo a aumentar de forma exponencial...
Os motivos que estão por trás dessas cruéis (e patológicas) impulsividades são sobejamente conhecidos e os agressores, supostamente, parecem gozar de uma espécie de estatuto de impunidade...