Pode ter sido uma mulher moderna para aquele tempo. Se calhar, fora de tempo. Jamais se saberá ou, quiçá, a seu tempo. Contudo, já ninguém é vivo para testemunhar se teria valido a pena ter sido uma mulher daquele tempo. Perante estas conjecturas não é difícil imaginar que tivesse existido uma mulher moderna para o seu tempo.
1 de Abril de 1911:
As pessoas do meu tempo acham que sou uma mulher sem qualquer obrigação moral.
Coisas mundanas como fumar um cigarro, entrar no Martinho da Arcada, sentar-me na mesa do Nandinho sem ser convidada, descobrir as pernas, ao de leve, acima dos joelhos para os olhares desejosos dos homens, o que é que estes gestos têm de mais?
Que culpa tenho de ter um corpo escandalosamente bonito? A minha avó habituara-me a apreciar as coisas boas da vida desde que a estavanada da minha mãe fugira com um caixeiro-viajante.
Mas o que mais incomoda esta gente serôdia, nomeadamente os homens, é o facto de ter escrito acerca de algo tão normal como o sexo.
A sexualidade não é uma característica exclusiva dos homens. E se eles têm a veleidade de conquistar todas as mulheres que se lhes atravessam no caminho, a elas cabe o direito de responder com o mesmo capricho.
Chocou às mentalidades broncas, é claro! Sobretudo àquelas que pensam que nós somos burras e, por conseguinte, temos de ser fiéis, tolerantes, obedientes e outros cândidos atributos. Porém, esquecem-se que, lá em casa, as suas mulheres também podem ter, secretamente, desejos lúbricos em relação a outros homens. Sobretudo, quando eles não dão uma para a caixa.
Consta que um tal Barbosa, um dos mais obstinados moralistas do meu tempo, fulano de porte mediano, aparentemente austero, grande frequentador de lupanares - segundo conta o mentideiro ocioso da burguesia alfacinha - , anda a fazer apostas com amigos, garantindo-lhes que não vai descansar enquanto não partilhar os meus lençóis. O objectivo do marialva é provar à agremiação de cretinos, de que faz parte, que mulher que se deite com ele não vai desejar dormir com outros homens...
Coisas mundanas como fumar um cigarro, entrar no Martinho da Arcada, sentar-me na mesa do Nandinho sem ser convidada, descobrir as pernas, ao de leve, acima dos joelhos para os olhares desejosos dos homens, o que é que estes gestos têm de mais?
Que culpa tenho de ter um corpo escandalosamente bonito? A minha avó habituara-me a apreciar as coisas boas da vida desde que a estavanada da minha mãe fugira com um caixeiro-viajante.
Mas o que mais incomoda esta gente serôdia, nomeadamente os homens, é o facto de ter escrito acerca de algo tão normal como o sexo.
A sexualidade não é uma característica exclusiva dos homens. E se eles têm a veleidade de conquistar todas as mulheres que se lhes atravessam no caminho, a elas cabe o direito de responder com o mesmo capricho.
Chocou às mentalidades broncas, é claro! Sobretudo àquelas que pensam que nós somos burras e, por conseguinte, temos de ser fiéis, tolerantes, obedientes e outros cândidos atributos. Porém, esquecem-se que, lá em casa, as suas mulheres também podem ter, secretamente, desejos lúbricos em relação a outros homens. Sobretudo, quando eles não dão uma para a caixa.
Consta que um tal Barbosa, um dos mais obstinados moralistas do meu tempo, fulano de porte mediano, aparentemente austero, grande frequentador de lupanares - segundo conta o mentideiro ocioso da burguesia alfacinha - , anda a fazer apostas com amigos, garantindo-lhes que não vai descansar enquanto não partilhar os meus lençóis. O objectivo do marialva é provar à agremiação de cretinos, de que faz parte, que mulher que se deite com ele não vai desejar dormir com outros homens...
25 de Abril de 1911:
No final do dia deste esplendoroso mês a cheirar a cravos, entrei no Martinho para tomar a minha bica em chávena escaldada, como o faço habitualmente, e lá os encontrei mais o Barbosa. Cumprimentei-os e foram de um polimento extremo, direi mesmo excessivo. Contudo não se coibiram de me assestarem olhares gulosos no decote. Bem, confesso que é difícil a um homem de bom gosto desviar os olhos de um decote generoso. Desta feita aprimorei-me.
Sentei-me no lugarzinho cativo do Nandinho, filei o Barbosa e atirei-lhe de chofre: «O que faz você para estar cada vez mais borracho?». Vermelho e balbuciante, com gotículas de suor no beiço superior, embora estivesse um final de tarde fresco, continuei: «com uma carinha tão bonita, tão bem escanhoada e com uma atitude tão máscula, palpita-me que também deve ter argumentos capazes de satisfazer a mulher mais exigente...».
Pedi-lhe para desabotoar apenas dois botões da sua camisa de linho a fim de verificar se tinha cabelos no peito, pois - expliquei bem alto para que todos ouvissem - «é algo que aprecio particularmente». Certificado o facto de os ter, embora pouco densos, convidei-o para me acompanhar a casa, pois tinha algo interessante que gostava de compartilhar com ele. Embaraçado perante a risota geral e não querendo dar parte de fraco, decidiu-se a aceder ao meu pedido e lá fomos.
No primeiro lance de escadas atirei-me a ele que nem uma loba e beijei-o sofregamente na boca, pedindo-lhe que me desculpasse o impulso, mas era algo que eu desejava fazer há muito tempo, só que ainda não tinha surgido a oportunidade.
Conduzi-o, sem mais delongas, escadas acima até ao apartamento e, já no quarto, empurrei-o para cima da cama, abri-lhe a camisa, devorei-o com beijos loucos e, enfim, nu. Elogiei-lhe o corpo para o pôr à vontade, afaguei-o, sussurrei-lhe palavras que não ouso publicar aqui, pedi-lhe que se entregasse todo aos meus ímpetos até à saciedade. Jurei-lhe, por todos os santinhos, que nada passaria daquelas quatro paredes.
Sentei-me no lugarzinho cativo do Nandinho, filei o Barbosa e atirei-lhe de chofre: «O que faz você para estar cada vez mais borracho?». Vermelho e balbuciante, com gotículas de suor no beiço superior, embora estivesse um final de tarde fresco, continuei: «com uma carinha tão bonita, tão bem escanhoada e com uma atitude tão máscula, palpita-me que também deve ter argumentos capazes de satisfazer a mulher mais exigente...».
Pedi-lhe para desabotoar apenas dois botões da sua camisa de linho a fim de verificar se tinha cabelos no peito, pois - expliquei bem alto para que todos ouvissem - «é algo que aprecio particularmente». Certificado o facto de os ter, embora pouco densos, convidei-o para me acompanhar a casa, pois tinha algo interessante que gostava de compartilhar com ele. Embaraçado perante a risota geral e não querendo dar parte de fraco, decidiu-se a aceder ao meu pedido e lá fomos.
No primeiro lance de escadas atirei-me a ele que nem uma loba e beijei-o sofregamente na boca, pedindo-lhe que me desculpasse o impulso, mas era algo que eu desejava fazer há muito tempo, só que ainda não tinha surgido a oportunidade.
Conduzi-o, sem mais delongas, escadas acima até ao apartamento e, já no quarto, empurrei-o para cima da cama, abri-lhe a camisa, devorei-o com beijos loucos e, enfim, nu. Elogiei-lhe o corpo para o pôr à vontade, afaguei-o, sussurrei-lhe palavras que não ouso publicar aqui, pedi-lhe que se entregasse todo aos meus ímpetos até à saciedade. Jurei-lhe, por todos os santinhos, que nada passaria daquelas quatro paredes.
26 de Abril de 1911:
Apesar de todos os meus esforços, o Barbosa foi uma decepção: o homem não tem ponta por onde se pegue e, claro, senti-me, naturalmente, desencantada.