Dona Gracinda é uma senhora muito senhora do seu nariz. Porém, não é mulher para andar a metê-lo onde não deve, diga-se em abono da verdade. Sobretudo, odeia meter o nariz na vida dos outros. Interessa-se, isso sim. Interessar-se é, completamente, diferente!A dona Gracinda é a primeira pessoa a saber as novidades da vizinhança e não as inventa. Aliás, nem tem necessidade disso, muito embora, na maior parte das vezes, não confirme nem desminta. Contudo, não se lhe deve atribuir o ónus da culpa só porque a dona Gracinda ouve mal, coitada!
O respeito conquista-se e, com respeito ao respeito, ela é uma mulher de muito respeito e dada ao respeito, mas também de algum despeito, convenhamos. No entanto, é amiga de toda a gente e isso é um sentimento muito nobre! Por onde passa e com quem se cruza, é sempre a entrada recorrente: «Não é que eu tenha alguma coisa a ver com isso, mas já sabe...?»
Na verdade, a dona Gracinda não tem nada a ver com isso, mas sente que tem o dever moral de informar os vizinhos e, só por si, já é uma grande virtude mantê-los a par do que se vai passando na vida de cada qual.
Não é que sejam contas do seu rosário, mas as discussões acesas do casal Silva do segundo esquerdo têm sido muito badaladas na padaria da dona Júlia. Já para não falar na Cátia do número 7, rés-do-chão direito que ultimamente veste do melhorzinho, não se sabe bem como. Isto, conhecendo-se garantidamente que trabalha exclusivamente na loja de pronto a vestir do senhor Ezequiel e a mixaria que ele lhe paga nem dá para os drunfos. Sim, a dona Gracinda, além de ainda ter alguma vista, se bem que a faça grossa, sabe, por portas e travessas, que a miúda é uma agarrada, «valha-lhe Deus Nosso Senhor!»
A dona Gracinda não tem nada com isso, mas sabe que algo corre muito mal entre a dona Natércia e a vizinha de cima por causa da roupa mal escorrida que a outra pendura no estendal. Logo, no da dona Natércia! Tinge-lhe a roupa toda. Até parece que é de propósito! Por via disso a dona Natércia já foi parar às urgências do São José por causa de uma crise de nervos. Foi o senhor Luís do talho que lhe segredou, fazendo-a prometer solenemente que, à partida, aquilo ficava ali entre os dois. É claro que, como a dona Gracinda se preocupa muito com a vida dos outros, apressou-se a ir contar a novidade à dona Felismina do primeiro esquerdo, não fosse varrer-se-lhe da memória. Pediu-lhe, por todos os santinhos, para não fazer conversa do caso com ninguém.
Embora não sendo assuntos que lhe digam respeito, a verdade é como o azeite: vem sempre à tona e a dona Gracinda respeita muito a verdade e detesta desavenças entre vizinhos.
Não é que outro dia um malcriadão que não tem outro nome, que afinal a dona Gracinda só queria ajudar por via de uma terceira pessoa, veio-se travar de razões com ela, berrando alto e bom som para que todos ouvissem: «Meta-se, mas é, na sua vida, velha coscuvilheira!»
Ela que até podia ser sua mãe! «Já não há respeitinho nenhum, é o que é! Mais valia não saber certas coisas. Não tinha de me ralar com a vida dos outros e ficava cá no meu cantinho. Só Deus sabe quanto me custa andar a par dos males alheios. No fim recebo estas pagas!» – desabafa para os seus botões.
Por vontade da dona Gracinda, todos se davam bem e não havia problemas. Ela sabe que no fundo não tem nada com isso, tanto se lhe dá que o mundo acabe hoje ou amanhã ou continue tal como está, mas é a sua idiossincrasia; é uma coisa inevitável. Ademais, não se pode contrariar o destino e a dona Gracinda é uma predestinada. Nada lhe custa tanto como saber das desgraças dos outros, mas a vida é assim mesmo, o que é que se há-de fazer?
Coisas das quais pede muito segredo, sendo contra a sua vontade quando acabam por se espalhar, é quando recomenda: «Isto aqui só para nós que ninguém nos ouve...». Infelizmente, há muita gente mexeriqueira.
Que culpa tem a dona Gracinda de ser surda e, por via dessa infelicidade, falar um bocadinho mais alto, mais a mais tendo as paredes ouvidos? Há gente muito reles, digam antes! Gente em quem não se pode confiar!
Ainda a semana passada a vizinha do prédio em frente deixou de lhe falar, lá porque alguém lhe foi meter nos ouvidos que a dona Gracinda tinha andado a contar à boca solta que a filha da vizinha tinha sido vista com o filho do Zé bate-chapas, numas posições muito esquisitas, na parte de trás do Fiat Uno do Zé. Ou outra vizinha que agora lhe vira a cara assim que a vê, só porque a dona Gracinda contou a alguém, não interessa quem, que o homem da pobre deixara de cumprir as suas obrigações conjugais desde que fora operado à próstata. Foi um bocadinho forte de mais, convenhamos, mas é o temperamento da dona Gracinda que a faz ter o coração ao pé da boca. Ou, ainda, o casal Pereira que lhe deve tantos favores e faz de conta que não a conhece quando se cruzam. Porquê, se a dona Gracinda detesta meter o nariz onde não é chamada?!
Ela que até podia ser sua mãe! «Já não há respeitinho nenhum, é o que é! Mais valia não saber certas coisas. Não tinha de me ralar com a vida dos outros e ficava cá no meu cantinho. Só Deus sabe quanto me custa andar a par dos males alheios. No fim recebo estas pagas!» – desabafa para os seus botões.
Por vontade da dona Gracinda, todos se davam bem e não havia problemas. Ela sabe que no fundo não tem nada com isso, tanto se lhe dá que o mundo acabe hoje ou amanhã ou continue tal como está, mas é a sua idiossincrasia; é uma coisa inevitável. Ademais, não se pode contrariar o destino e a dona Gracinda é uma predestinada. Nada lhe custa tanto como saber das desgraças dos outros, mas a vida é assim mesmo, o que é que se há-de fazer?
Coisas das quais pede muito segredo, sendo contra a sua vontade quando acabam por se espalhar – infelizmente, há muita gente mexeriqueira – é quando recomenda: «Isto aqui só para nós que ninguém nos ouve...».
Que culpa tem a dona Gracinda de ser um bocadinho surda e, por via dessa infelicidade, falar um bocadinho mais alto, mais a mais tendo as paredes ouvidos? Há gente muito reles, digam antes! Gente em quem não se pode confiar!
Ainda a semana passada a vizinha do prédio em frente deixou de lhe falar, lá porque alguém lhe foi meter nos ouvidos que a dona Gracinda tinha andado a contar à boca solta que a filha da vizinha tinha sido vista com o filho do Zé bate-chapas, numas posições muito esquisitas, na parte de trás do Fiat Uno do Zé. Ou outra vizinha que agora lhe vira a cara assim que a vê, só porque a dona Gracinda contou a alguém, não interessa quem, que o homem da pobre deixara de cumprir as suas obrigações conjugais desde que fora operado à próstata. Foi um bocadinho forte de mais, convenhamos, mas é o temperamento da dona Gracinda que a faz ter o coração ao pé da boca. Ou, ainda, o casal Pereira que lhe deve tantos favores e faz de conta que não a conhece quando se cruzam. Porquê, se a dona Gracinda detesta meter o nariz onde não é chamada?!