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Criei este blogue com a ideia de o rechear com estórias rutilantes, ainda que às vezes embaciadas. Penso que são escritas sagazes e transparentes, embora com reservas e alguma indecência à mistura. No entanto, honestas.
Ela tirou o roupão, compôs o cabelo louro oxigenado e fez o possível por não perder as estribeiras: «Você tem esse jeitinho peculiar de me estragar o dia quando acordo bem disposta. As coisas que você ignora ao nível do equilíbrio psico-somático..., meu Deus que raiva!»
«Espere aí! - interrompeu-a - Se vai começar a falar difícil, ponha os óculos de ver ao perto, pois dão-lhe um ar mais intelectual!»
«Depois é isto: você não sabe, não se interessa por saber, e ainda se regozija com a própria ignorância. Diga-me uma coisa, se souber, claro: você completou o ensino básico?»
«Sim senhora! E deixe que lhe diga que o concluí com distinção sem precisar de um empurrãozinho da Lusófona! Ou você pensa que eu sou como o Relvas?»
«Com distinção?! Não agrida a minha inteligência, por favor! - e entre dentes - A mamã bem me avisou...»
«Deixe lá que você, em contrapartida, é como o Jacinto que bebe do branco e do tinto!»
Ela pôs um pouco de batom nos lábios finos para os fazer sobressair da alvura do rosto:
«Você é tão irritante, credo! Mas mudemos de assunto senão isto azeda ainda mais. O que me está a preocupar é não conseguir encontrar aquele alfinete lindo que o meu primo Nando me trouxe do Qatar. Nada comparável com a porcaria da fancaria que você me costuma comprar!»
«Já cá faltava esse pinga-amor! E você ainda tem o desplante de contribuir para que isto fique mais azedo! Então foi o gajo que lhe ofereceu aquele broche ordinário, eu sempre o soube, a despeito dos seus segredinhos parvos! Não sei para quê?»
«Gajo, não! - empertigou-se ela - Ele é um senhor e, ainda por cima, é piloto da TAP!»
«E o facto de ser piloto da TAP tem uma grande relevância para a nossa conversa, deixe estar! Aliás, agora que a TAP está nas lonas, diga ao Nandinho para se mudar para a Qatar Airways e deixe-se por lá ficar que faz cá tanta falta como uma viola num enterro!
Ela impacientou-se:
«Olhe, isso é dor de cotovelo, sabe? Não pode negar que o Nando é uma pessoa cultivada e até sabe umas máximas muito giras em latim. Você sabe algumas?... Não! Só se lembra de anedotas porcas que ouve contar naquela leitaria horrível, na terra onde mora. Como é que se chama?... Buraca, que horror, aquilo nem vem no mapa!»
Ele abriu a boca com uma expressão que deixava antever uma resposta rápida, sem evasivas:
«Pois sei!» - E citou com um sorriso rasgado: «o fado é que induca e o vinho é que instrói, tome lá e vá-se curar!»
In Diálogos Enfadonhos de Joaquim Pereira da Silva Reboredo
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