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Criei este blogue com a ideia de o rechear com estórias rutilantes, ainda que às vezes embaciadas. Penso que são escritas sagazes e transparentes, embora com reservas e alguma indecência à mistura. No entanto, honestas.
Como se fartara de escrever cartas ao Menino Jesus, anos a fio, mais ou menos por esta altura do ano para não haver pretexto para desculpas de atrasos e, mesmo assim, em vão, virou-se para o Pai Natal e escreveu-lhe uma cartinha singela, mas muito bonita. Aliás, como era seu hábito.
Pensava que desta vez não havia causa, devidamente fundamentada, que levasse também o senecto senhor a recusar o seu pedido. Ademais, com toda a justiça, diga-se em abono da verdade, pois nunca chegou a saber a razão de tanta animosidade por parte do Deus Menino! Isto porque era uma criança que comia a sopa toda, não se metia em rixas, ia regularmente à missa e à catequese sem descurar o acto da confissão. Enfim, ele era mesmo um menino muito bem comportado; um anjinho se assim se pode dizer.
Por conseguinte, passarem Natais sobre Natais sem responder às suas cartas, sem uma lembrança, por muito simples que fosse, era razão para se sentir infeliz e, naturalmente, incomodado.
Afinal, até nem era um rapaz muito exigente; queria apenas aquela consola XBox Series X ou a Nintendo Switch Grey V2 que tinha visto numa página da net, apelando, fascinantes, para que alguém as pusesse no seu sapatinho. Claro que as duas seriam o ideal, mas convinha não abusar da bondade do santo homem e, como referi, ele era um gaiato que se contentava com pouco, coitadinho.
Após ter remetido a carta para o endereço habitual, algures na Lapónia, desejou que o tempo passasse depressa até àquele dia tão apetecido em que os meninos, maravilhados com o espírito natalício, se enchem de sorrisos e muita ansiedade. Mesmo os meninos pobres, porque não que diabo (ai, perdão!)?! Compreensível, n'é?...
Quando chegou o dia e a hora de abrir as prendas teve mais uma grande decepção: à medida que ia desembrulhando a sua, com a impaciência que caracteriza as crianças com expectativas muito elevadas, anteviu logo a coisa que se escondia dentro daquele embrulho tão dolosamente atraente: um comboio de plástico, horrível, ainda por cima "made in China", pormenor que o deixou muito irritado. Largou o estúpido brinquedo e saiu dali, lavado em lágrimas e magoado com o Pai Natal. Ele acabara de lhe frustrar as esperanças. "São todos iguais" - pensou, indignado.
Depois de mais uma manifestação de sovinice, desta feita, de São Nicolau, prometeu a si próprio que nunca mais ia frequentar a catequese e foi dito e feito. De feito, seu dito, seu feito.
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