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A MAIOR REVOLUÇÃO FUTEBOLÍSTICA DE TODOS OS TEMPOS

por João Castro e Brito, em 21.03.24

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"Já ninguém ouve o apito!". Foi com esta grave advertência que o representante da Federação djibutiana de Futebol (FDF) abriu os trabalhos da enésima cimeira da FIFA, subordinada à problemática da arbitragem. Aliás, uma questão da maior acusticidade – se me é permitido o termo (escusam de procurar no dicionário porque a palavra mais próxima é "acuidade").
Com efeito, todos os delegados presentes secundaram o grito de alarme da delegação do Djibuti, declarando-se testemunhas de casos extremos em que o ruído produzido pelos adeptos nos estádios, não permite ouvir os apitos dos árbitros.
"Terminou a época dourada do apito (não confundir com o processo Apito Dourado)!" – exclamou, dramático, o delegado da Suécia, Björn Borga, enquanto Tomato Tomaki, do Japão, se pronunciava sobre a diversidade de alternativas tecnológicas disponíveis e perfeitamente integráveis. E lembrou o exemplo concreto do vídeoárbitro.
No entanto, a maioria das federações é defensora da adopção da corneta em substituição do obsoleto apito. "Sempre tem outra ressonância melódica" – disse o delegado alemão, Helmuth Silva, enquanto Jose de Arboleda, por parte da Espanha, sugeriu que os fiscais de linha passassem a usar castanholas, um pouco à margem da questão em discussão. Proposta imediatamente rejeitada por larga maioria das representações presentes.
Se, como tudo indica, a corneta vier a ser adoptada, os árbitros frequentarão cursos intensivos de corneta, no Batalhão de Sapadores Corneteiros da sua área de residência, de modo a poderem tocar conforme as circunstâncias – isto é: em vez do clássico e monótono apito, haverá diferentes tipos de toques, consoante cada particularidade afecta a um encontro de futebol ou seja: toques para o início e fim do jogo; para fora de jogo; para dentro de jogo; para castigo na marca de grande penalidade; para as rasteiras; para as faltas atacantes; para as faltas defensoras; para os golos à boca da baliza; para os golos de baliza a baliza; para os golos de cabeça; para os golos de mão; para os golos com a mão de Deus; para os golos de pé; para os golos de peito; para os goles de cerveja; para os autogolos; para os cantos; para os livres e, finalmente, para a próstata (toques rectais).
"Só assim – afirmou um dos proponentes desta grande inovação – o público não só ouvirá, como saberá, através das notas cornetistas, o significado de cada decisão do juiz de campo."
A propósito: a contar para o campeonato de reservas, defrontam-se, no próximo Domingo, o Reserva Branco do Redondo e o Reserva Tinto de Cantanhede. Para animar os adeptos, prevêem-se bastantes desregramentos e algumas contravenções associadas. Nada a que não estejamos habituados a ver no "desporto rei"...

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BREVES REFLEXÕES SOBRE HISTÓRIA (Episódio II)

por João Castro e Brito, em 19.03.24

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Na história, nada acontece por acaso. Todos os factos têm as suas interligações e os seus antecedentes lógicos. Isto até pode parecer uma banalidade ou algo que você já leu ou escutou em qualquer lado, mas vou tentar explicar como a importância de lugares comuns como este, pode transcender a nossa compreensão.
Imagine, por exemplo, se tivesse sido da Vinci a inventar a marmita de Papin; ou Newton a estabelecer o princípio de Pascal; ou Vasco da Gama a fazer a primeira viagem de circum-navegação. Onde ficaria isto tudo? Onde ficaria ou como seria, por exemplo, o estreito de Magalhães? Chamar-se-ia estreito de Magalhães? Provavelmente seria conhecido por estreito de Gama...
Ou se fosse Bertolt Brecht a inventar as pancadinhas de Moliére? Ou, ainda, a chef Cátia Goarmon a explicar, na 24Kitchen, como se faz uma salada de bacalhau salgado desfiado à mão (vulgo a dita cuja)? Ou se Bonaparte tivesse nascido no Egipto, filho de um humilde pescador do Nilo, e tivesse seguido as suas pisadas? Provavelmente, as invasões francesas não teriam existido e Junot, Soult e Massena não teriam levado a cabo milhares de acções de confisco, saque e destruição do nosso património cultural, jamais devolvido; e a Família Real Portuguesa não teria fugido para o Brasil, com o rabinho entre as pernas, deixando os portugueses entregues ao seu trágico destino; e não teriam entrado em Portugal os ingleses (outros saqueadores que tais), sob pretexto de expulsar os franciús, ao abrigo da "Mais Antiga Aliança do Mundo". Se bem que, sem as invasões francesas, Brites de Almeida seria, historicamente, uma ilustre desconhecida.
Até pelo exemplo da padeira de Aljubarrota, continuo convicto de que, na história, tudo é fruto do destino.
Ao contrário do que se pensa, Cristóvão Colombo não descobriu a América por acaso, mas antes por engano. E o que é o engano a não ser o destino? Calma que eu explico:
Diz-se que quando pisou o solo do Novo Mundo, pensou que tinha chegado à Índia. E porquê? – pergunta você com toda a legitimidade – Porque quando viu tanta gente desnuda e de pele vermelha a vir ao seu encontro, decidiu, ali mesmo, apelidá-la de índia. É claro que incorreu num equívoco, mas o que seria de Billy The Kid, Búfalo Bill e até do Grande Chefe Apache, Geronimo, se Colombo não se tivesse enganado? Ou se tivesse chamado americanos aos índios, como se chamariam, hoje, os americanos?
Regressemos à nossa História: Suponhamos que o 25 de Abril foi em Agosto. Como poderíamos falar dos Capitães de Abril?
E se os capitães fossem generais? Ou notários? Ou até mesmo carteiros? Soaria muito mal dizer-se que os Carteiros de Abril tinham derrotado o regime de Caetano em Agosto. Isto, sem desprimor para a nobre e quase extinta profissão de carteiro.
Pior soaria se Caetano se chamasse Óscar. Já pensou quão feio constaria se se tivesse derrubado um regime oscarista? Mesmo se, no caso, os capitães fossem carteiros e o 25 de Abril fosse em Agosto, hã?! Está a ver?
Suponhamos, agora, que Spínola era um autóctone australiano. Como poderia o senhor ter participado no 11 de Março? E se os acontecimentos de 11 de Março tivessem ocorrido nas montanhas dos Himalaias? Ou se os capitães fossem delegados de propaganda médica? Se o 25 de Abril fosse em Fevereiro? Se Caetano fosse José Vitalício Barbosa, caldeireiro, que não é tido nem achado nesta história? Se Afonso Henriques nascesse daqui a uma semana? Se Cavaco Silva fosse um parente afastado do Nosferatu? Se Cristóvão Colombo tivesse achado a Ilha da Madeira, ao invés de João Gonçalves Zarco, Tristão Vaz Teixeira e Bartolomeu Perestrelo? Se Dom João VI tivesse pedido asilo político aos Camarões?
Como certamente inferiu, o encadeamento dos factos, às vezes, é difícil, mas a história também nunca foi fácil, n'é verdade? Olhe, o CC que o diga! Por isso é que teve uma vida curta, coitado! Dizem que foram desgostos de amor...

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A BÚSSOLA

por João Castro e Brito, em 13.03.24

Julgo que já me debrucei sobre este tema, aqui, há uns tempos. Se, porventura, alguém lhe chegou a deitar um relance de olhos, peço desculpa pela minha fraca memória. No entanto, penso que é assunto de primeiríssima importância, pelo menos, para o conhecimento geral, dado que a malta anda um pouco arredada do saber.

Assim, como o dito não ocupa lugar, como é curial dizer-se, vou insistindo na (vã?) tentativa de partilhar o pouco que sei.
A talhe de foice, a palavra bússola provem do italiano "bussola" que significa “pequena caixa” de buxo (planta nativa da Europa, África e Irão). De momento, não consigo estabelecer qualquer relação da bússola com o "buxo", mas estou aberto a sugestões esclarecedoras.
Ora, voltando ao assunto, quero salientar que não me custa nada debruçar-me novamente sobre ele, desde que não caia, como é evidente.
Sublinho, mais uma vez, que este tipo de temática não é para todas as pessoas. Por isso, só deve ser lido por quem, efectivamente, aprecia uma leitura pesada e, naturalmente, não tenha problemas de digestão.
Então, é do conhecimento geral que a bússola era, até à descoberta do GPS ( Global Positioning System ou em português, Sistema Global de Posicionamento), um instrumento muito útil. Sobretudo para quem fizesse uso dela, pois, se não fosse precisa, pouca ou nenhuma utilidade teria (passe a lapalissada).
Pensa-se que foram os chineses a inventá-la. Como se não lhes tivesse bastado inventar a pólvora, o papel higiénico e o macarrão que diabo!
Quanto à bússola, sobre a qual me torno a debruçar – mais uma vez reitero que o faço com toda a cautela – , é quase certo que foi uma invenção empírica. Aqui, os chineses não foram tão rigorosos, como é seu hábito. Recordemos como foi inventada, recorrendo a textos milenares irrefutáveis. Aliás, inexistentes. E, obviamente, não se pode desmentir o que não existe, n'é verdade? Adiante:
Estava um chinês a fazer chinesices com uma paciência inexcedível, como é o hábito peculiar de qualquer chinês que se preze – no caso a tentar montar um relógio – quando, distraído, deu por concluída a execução da empreitada, deixando somente um ponteiro colocado em cima de um eixo e esquecendo o resto da engrenagem fora da caixa.
O homem ficou tão irritado consigo que até ficou com os olhos em bico. Todavia, ao observar que a ponta do ponteiro apontava teimosamente para o Norte, desse as voltas que desse, fez-se luz no seu pensamento.
Assim, pode-se afirmar, sem sombra de dúvida, que havia sido inventada a bússola. Os chineses viram logo uma grande oportunidade de negócio (olha que meninos, os chineses!).
Em vista disso, seguindo as indicações da bússola, descobriram o Norte da China, coisa inédita e nunca vista (óbvio).
Quando lá chegaram foram muito bem recebidos e até houve festas e arraiais. Aliás, parece que foi por volta deste grande acontecimento que aproveitaram pra inventar o fogo de artifício, embora isto careça de confirmação devidamente documentada.
Bom. Mas descrever uma bússola não é tarefa fácil, não obstante a sua aparente simplicidade. Se é certo que a agulha da bússola aponta sempre para o Norte, não é menos certo de que, chegados lá, ela continua, obstinadamente, a apontar para o Norte. É um facto e, por isso, não deixa de ser desnorteante.
Talvez você não saiba, mas, segundo a Wikipédia, a bússola é um instrumento de navegação e orientação baseado em propriedades magnéticas dos materiais ferromagnéticos e do campo magnético terrestre, cujo ponteiro se excita, feito doido, ao apontar para o Norte. Elementar. Também não sabia!
Foi o italiano Flavio Gigolo que, em 1302, completou a bússola, introduzindo-lhe uma inovação chamada Rosa dos Ventos, assim chamada porque estava uma ventania do caraças e para ele, "L'important c'était la Rose". Não encontro razão mais plausível para a sua predilecção, apenas pela seguinte razão:
Cravo das Chuvas; Hortência das Intempéries; Dália das Marés; Gladíolo das Aragens e Malmequer dos Aguaceiros teriam sido outros nomes possíveis, dado que todas eram suas favoritas. Porém, Rosa dos Ventos era a mais favorita.
Também, os nossos egrégios avós toparam logo que este notável instrumento lhes ia dar muito jeito quando se aventuraram por mares "nunca dantes navegados".
Servindo-se da preciosa ajuda da bússola, rumaram a Norte e descobriram o Brasil que fica a Sul. Pode ter sido um milagre, já que Pedro Álvares Cabral era muito religioso e até deu o nome de Ilha de Vera Cruz a este "país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza".
E, para terminar, foi graças à Bússola que os três Reis Magos, que faziam parte dos Sete Magníficos, conseguiram encontrar a cabana onde nasceu o Menino Jesus. Com efeito, os restantes quatro resolveram seguir uma estrela, supostamente decadente, e desorientaram-se. Verdade ou simples alegoria, jamais se saberá.

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DEVANEIOS

por João Castro e Brito, em 01.03.24

Apaixonei-me por ela numa tarde aprazível de um Verão longínquo. Cruzámo-nos na praia de Carcavelos.
Estava linda, loura dourada, cor de mel, docemente encostada a uma espreguiçadeira. Olhei-a de relance e pareceu-me expectante. Acho que estava à espera de que lhe dissesse qualquer coisa, sei lá, um galanteio, um dito lisonjeiro ou desejosa, quiçá, de um olhar cúmplice. Pelo menos, fiquei com essa impressão.
Mas, como não era rapaz para fazer olhinhos de carneiro mal morto ou lançar piropos, feito um palerma, prossegui o meu caminho e fui-me afastando até uma distância em que só consegui vislumbrar a sua vaga silhueta. Ao longe, pareceu-me triste ou, então, foi sugestão...
Foi a última vez que lhe pus a vista em cima.
Desgostoso por ser tão tímido, andei dias a cismar com o meu estúpido acanhamento; timidez que, ainda hoje, tenho dificuldade em dominar.
Assim, tomei uma decisão. Difícil, certamente, mas, a paixão, meu Deus, quão cruel é este ilógico sentimento!
De pronto fiz a mala e parti ao seu alcance, sei lá pra onde.
Cruzei-me com tanta gente, nesta busca inglória por um amor não anunciado e, tampouco, correspondido.
Na incessante procura, ficaram-me na memória estas personagens curiosas, talvez um tanto bizarras: três campistas alemães com trajes do Tirol; um casal inglês, tipicamente magrebino, e um cão albino a dar ao rabo. Todavia, ninguém me soube dizer dela.
Regressei mais triste e desiludido do que nunca.
Percebi, finalmente, que me tinha esquecido e, se calhar, desprezado por ter passado ao lado, apesar do amor assolapado que lhe tinha votado. Afinal, foi amor à primeira vista. E saberão os pobres amantes, silenciosos, que o amor à primeira vista é o mais sofrido e, em certos casos, o mais mortífero! Daí a expressão "morrer de amor".
Só Deus sabe como padeci, pois Ele foi Testemunha da minha angústia.
Ah que sofrimento! Ser escravo do amor cego era a causa do meu tormento!
Tinha de me libertar! – pensava com os meus botões.
Passaram anos a fio. Por fim, liberto, vi o logro em que caíra, com a escravidão obsessiva a que me arrastara esta louca paixão e disse não!
Acordei, abri os olhos, olhei à minha volta, e vi que o tempo avançava inexorável e inflexível (passe a redundância, mas é só para reforçar a implacabilidade do tempo).
Então, envolveu-me no seu manto diáfano e disse:
- "Deixa lá que outras mais merecedoras da tua nobreza de carácter hão-de cruzar-se contigo e quem sabe..."
E, com efeito, não podia estar mais de acordo com o tempo, já que um dia o senhor Ezequiel, da Leitaria da Esquina à Rua da Lapa – era assim que se chamava a leitaria do senhor Ezequiel – me disse o seguinte:
- "Conheço uma viúva muito jeitosa que vive numas águas furtadas, ali, às Escadinhas do Duque. É uma senhora das melhores famílias alfacinhas, de seu nome, Eugénia Sá Lemos ."
Pelo apelido, presumi imediatamente que a senhora era uma mulher à antiga, filha de famílias distintas e, por conseguinte, de ilustres tradições e fortes sentimentos.
Desde essa feliz sugestão do senhor Ezequiel, temos trocado alguma correspondência através da Internet, mas queremos ir mais longe.
Por isso, querido diário, esta nova felicidade que banha o meu velho coração, será total, quando, na próxima quarta-feira subir as escadas do amor.
É verdade, querido diário! Vai ser o primeiro de muitos chás das cinco, servido com palmiers recheados e biscoitos de canela, para o qual a Geninha teve a amabilidade de me convidar.
Finalmente, reencontrei-a, depois de tantos anos de desespero, graças ao senhor Ezequiel!
Assim Deus permita que consiga transpor aqueles duzentos degraus que me separam da felicidade, malgrado as dores físicas de que padeço.

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VAI DAR BANHO AO CÃO!

por João Castro e Brito, em 09.02.24

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Cá, por estas bandas, quando já não há paciência para aturar as madurezas dos outros ou porque não partilhamos os mesmos "valores", usa-se uma interjeição popular com o mesmo sentido de "Não me aborreças"; "vai chatear outro(a)"; "vai-te encher de pulgas"; "vai ver se os chatos comem alpista"; "vai dar uma volta ao bilhar grande"; "vai ver se chove"; "vai chatear o Camões"; "vai dar graxa ao cágado" e até, mesmo, "vai bardamerda". Afinal, são expressões com a mesma denotação da frase em epígrafe.
Seria fatídico estender o rol de ditos com o mesmo propósito.
Somos prodigiosos a inventar aforismos. Sobretudo, os desta natureza. É claro que há outros bem mais "agressivos" que me abstenho de citar por uma questão de decoro.
A talhe de foice, só para quem tem "canitos":
Tenho conhecimento de que há pessoas que, muito raramente, dão banho ao cão – quando muito, duas vezes por ano (verdade; também me custa acreditar!) – , prática que é prejudicial, tanto para os animais, como para os donos, como é evidente e nem necessito de explicar a razão da evidência. Digo-o por experiência pessoal, pois já convivi com um destes amigos durante anos e dava-lhe banhinho amiúdo.
Portanto – segundo os veterinários – é aconselhado o banho semanal para os canídeos de pêlo longo e quinzenal para os de pêlo curto. Não esqueçam, caras pessoas, donas de canídeos:
Não sejam porcas e zelem pela saúde do vosso animal porque estão a zelar pela vossa!
Tenham um excelente dia!

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PENSAMENTO DO DIA

por João Castro e Brito, em 06.02.24

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Comigo, passa-se o mesmo. É sempre uma sensação que me percorre as profundezas do âmago – passe a redundância – , sempre que me sento na sanita.
Porém, tem dias em que é preciso reflectir um pouco mais, até desesperadamente, à espera de que ela surja; de que saia algo.
Contudo, tem outros em que nem dá tempo pra pensar. E é um alívio indescritível...

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A PRIMA FELISMINA III

por João Castro e Brito, em 29.01.24

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(in Blogue do João Ratão)
 
Trafaria, 24 de Agosto de 1994
 
Minha querida prima Honorina:
Há muito tempo que não te escrevo e, por isso, peço-te muitas desculpas. Espero que estejas bem de saúde, assim como eu que cá vou indo menos mal, graças a Deus.
Escrevo-te esta carta, principalmente, pra te contar que tenho andado muito curiosa com umas notícias que dão conta da descoberta de um poço de petróleo na Fonte da Telha.
Até já tive uma ideia muito boa: disse ao Horácio para pegarmos nuns jerricãs e irmos até lá enchê-los daquilo. Como nos cortaram o gás, por falta de pagamento, comprámos um daqueles fogareiros antigos a petróleo, em segunda mão. Sim porque a electricidade também está pelas horas da amargura, filha! O Horácio ainda pensou em comprar um daqueles fogões eléctricos mais baratinhos, só com um queimador, mas iam ser menos umas idas à taberna e outras à bola; e tu sabes que ele não bate bem da bola. Ou ele não fosse um maluco da bola!
Depois, estamos sempre a receber avisos da EDP de que um dia destes também nos cortam a luz.
E olha, prima, até nos faz bem ir lá. Aquilo sempre é de borla e aproveitamos pra tomar banhos de mar pra poupar gastos de água desnecessários. São despesas que se podem evitar porque com a inflação isto já quase não dá para o petróleo.
Eu acho que está mal estragar-se, assim, uma coisa que faz tanta falta, já viste? Está ali sempre a correr e ninguém quer saber, valha-nos Deus! Ao menos que o dessem aos pobrezinhos, n'é?
Ele, há para aí tanta gente necessitada! Mais a mais, com as reformas de miséria que já nem dão para comprar um maço de Provisórios, quanto mais de Definitivos! Mas temos de reconhecer que o governo as dá de boa vontade porque, coitadinho, pra ele, que não anda a nadar em dinheiro, também deve ser um grande sacrifício reparti-las pelas aldeias. Temos de convir que se o governo não quisesse também não dava nada, não achas, prima?
Só este ano, a nossa reforma já aumentou 50 escudos! São favores que só se podem pagar com reconhecimento, filha, sabes?
O senhor Serafim, que tem uma reformazinha de 7 contos, quando soube do último aumento ficou tão comovido que até me tocou:
"É uma esmola que me fazem..." – dizia – "Com este aumento já vou poder deixar de beber a bica e o bagaço depois do almoço. Não era preciso tanto!"
Coitadinho do velhote! Tenho pena dele, sabes?
Vê tu que o senhor, com o dinheiro do aumento, mandou cerzir o semóquingue do casamento e foi agradecer para a porta do Ministério da Reforma Administrativa!
O pior aconteceu quando um polícia se aproximou dele e lhe disse que não se podia manifestar à porta do Ministério e o mandou dispersar.
O senhor Serafim, cheio de boas intenções, ainda lhe perguntou: "Para que lado é que disperso, senhor guarda?"
O agente da autoridade, deve-lhe ter caído aquilo mal e não foi de intrigas: dispersou-o com três cacetadas pela seguinte ordem: uma na testa, outra no peito e outra no baixo ventre. Foram cacetadas de tal modo violentas que obrigaram o velhote a ir receber tratamento no banco do São José. Estava cá c'uns inchaços que nem calculas! Mas, graças a Deus, não foi nada. O doutor que o observou disse que aquilo era só um bocadinho de reumatismo, vê tu! Mesmo assim, teve de ficar um dia internado, o pobre!
A senhora enfermeira-chefe disse que ele não podia ficar mais dias porque têm falta de camas no hospital. E deve ser verdade porque foi transferido para a enfermaria de obstetrícia por já não haver camas na dos ossos.
Na cama ao lado da do senhor Serafim, estava um sujeito que tinha andado a comer elefantes vivos durante um safári, vê lá tu! Aquilo, se calhar, deve-lhe ter caído na fraqueza porque já lá estava há uma semana e ainda se sentia muito engasgado. Coitado do homem! Estava cá c'umas trombas que dava dó de olhar! E com razão, pois a gente sabe que a carne de elefante é muito indigesta!
Olha, por hoje é tudo, filha! Tenho de ir fazer uma canjinha de peles de frango para o meu Horácio. O raio do homem pela-se por pelinhas de frango que tu nem fazes ideia!
Recebe um beijo desta tua prima que te estima e s'assina,
Felismina

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VÍRUS

por João Castro e Brito, em 25.01.24

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Está aqui um caldinho pandémico que não sei se vos diga se vos conte! Já só faltavam o senhor Albuquerque e os seus "amigos". Para não dizer dos truques de magia do senhor Jardim durante mais de 40 anos de governação da Região Autónoma.
Ao contrário do senhor Costa, agora Primeiro Ministro de um governo de gestão, que se demitiu de imediato, mesmo sem ter sido constituído arguido por suspeita de envolvimento num escândalo de corrupção, o Presidente do Governo Regional da Madeira é arguido e não pediu a demissão (até agora).
É este o ponto da situação a pouco mais de um mês das legislativas antecipadas por demasiados casos e casinhos.
Resta ao eleitorado pensar mil vezes em quem votar, o que, na minha modesta opinião, pode ser uma tortura mental. Excluo de tal dificuldade de escolha quem "não tem dúvidas e raramente se engana", parafraseando alguém, irrelevante para aqui (ou nem por isso)...
Podemos votar em quem está menos infectado com o vírus, mesmo sem deixar de estar "doente". Escolher o mal menor já não é uma opção inédita. Pelo menos, dentro da tríade que tem repartido o poder ao longo de 50 anos de "democracia": aqueles e aquelas que, afinal, ainda não conseguiram (porque não quiseram) colocar a malta a par da qualidade de vida dos cidadãos e cidadãs dos países mais avançados da Europa.
Ao contrário de um slogan do PSD, porventura ainda visível em algum cartaz espalhado por aí, que não este (manipulado) com que ilustro o artigo, já não acredito nem deixo de acreditar. Porém, tenho o dever de votar! É uma prerrogativa que a liberdade me restituiu em 25 de Abril.
Ainda restam alternativas muito contagiosas e, por isso, bastante perigosas, certamente, mas, para quem gostar de "aventuras", tem por onde escolher. Da extrema-direita à extrema-esquerda, há gostos para algumas formas interessantes de suicídio nacional...
Quanto a isto, tenhamos ainda alguma fé na justeza da Justiça e deixêmo-la fazer o seu trabalho...

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UM CASO BICUDO

por João Castro e Brito, em 24.01.24

um caso bicudo.jpg

O corpo estava de costas. De costas voltadas para o chão. No ventre tinha um buraco redondo.
O inspector Casimiro avaliou-o minuciosamente e disse:
"Calibre 38".
Entretanto, Silvério – o fotógrafo forense – aproximou-se e informou:
"Apareceu a arma do crime, inspector: é uma faca de ponta e mola. Estava mesmo ao lado do corpo, dentro de um saco preto em veludo cotelê."
Aquilo não era propriamente uma faca de ponta e mola, mas antes um saca-rolhas.
O inspector Casimiro, pensou que o fotógrafo estava a precisar de ir ao oculista. Porém, não quis abrir ali uma discussão sobre o objecto do crime porque também tinha caído em erro ao aludir a uma arma de fogo.
Sem dar parte de fraco, mirou e remirou o saca-rolhas e concluiu:
"Deve ter sido à queima-rolha... Temos aqui um caso bicudo!"
"Diria, até, um bico d'obra, chefe! – disse o agente Silva
Reuniu os ajudantes e ordenou:
"Alinhem os suspeitos por alturas!"
O agente Silva alinhou os suspeitos por alturas e contaram oito.
"Não há mais?" – perguntou o inspector Casimiro.
O principal suspeito explicou:
"Não vieram todos, senhor inspector. Hoje dá o Sporting - Benfica na televisão.
"Assim, disponíveis, só há estes, chefe!" – disse o Silva.
"Bem...chegam." – disse o inspector Casimiro.
Puxou do cachimbo, acendeu-o, sorveu uma fumaça e cravou o olhar penetrante nos suspeitos perfilados à sua frente e por alturas, como havia pedido.
O mais alto apontou o dedo para as duas suspeitas que o precediam e declarou:
"Senhor inspector, como vê, estou acima de qualquer suspeita!"
Discretamente, o inspector Casimiro, ligou o gravador de voz do telemóvel.
"Bom, vamos lá saber qual de vós é que vai abrir o bico e confessar a autoria do crime de homicídio, na pessoa deste pobre que jaz morto e arrefece?"
Silêncio sepulcral.
"Vá lá!" – aconselhou o inspector com bons modos: "Quem diz a verdade não merece castigo!"
"Se calhar foi algum dos que foram à bola, senhor inspector!" – sugeriu um outro agente presente, o Pimentel.
O inspector encolheu os ombros e disse:
"Então, fica incumbido de ligar aos gajos na segunda-feira e faz-lhes a pergunta, ok?"
Nesse momento apareceu o médico legista a correr, espavorido.
"O homem está vivo!...Ele está vivo!"
Casimiro levantou um sobrolho e perguntou:
"Mas está vivo, quem? Desembuche, homem!"
"O morto, inspector! Quem havia de ser? – redarguiu o médico legista, perturbado.
O principal suspeito deu um passo em frente e confessou:
"Fui eu, senhor inspector. Fui eu que o matei!"
"Então, puxe uma cadeira e vamos lá conversar!"
Disse ao agente Silva pra mandar destroçar os restantes suspeitos.
"Agora, conte-me tudo, tintim por tintim!"
"Bom, senhor inspector, não foi com intensão." – disse o homicida, limpando, a um lenço, o suor que lhe escorria da testa: "Havia muito fumo na sala, não se via quase nada e, por causa disso, eu andava à procura da rolha. Mais a mais, a vítima veste um colete com botões de cortiça e eu fiquei baralhado!"
O inspector Casimiro reflectiu num ápice e disse:
"Ah foi? Então, vou acusá-lo de homicídio involuntário!"
"Não pode, inspector! – contrariou o médico legista – "Acabei de dizer que a vítima está viva; fui eu que a reanimei!"
O inspector Casimiro, gesticulou, em trejeito de pergunta, como é que o médico o havia feito.
"Pus-lhe a rolha!" – disse – "Tapei-lhe o buraco do saca-rolhas."
"Ah bom!" – condescendeu o inspector – "Portanto, temos aqui dois casos de tentativa de homicídio. Ora, eu não posso acusá-lo de tentativa de homicídio frustrado involuntário que diabo!"
Veio a vítima e dirigiu-se ao médico legista:
"Doutor, então, não me põe o lacre? É q'assim, a rolha salta!"
"Xi, já não me lembrava que você tem gases, homem!" – desculpou-se o médico legista.
"Já sei!" – exclamou, de súbito, o inspector Casimiro, questionando o homicida:
"Você tem licença de uso e porte de saca-rolhas?"
"Não, senhor inspector!" – confessou o ex-homicida, branco como a cal da parede.
"Ora, aí está! Você só pode sacar caricas! Abra-me lá uma míni, antes de o algemar, vamos!"
Todavia, o infractor, num salto, apoderou-se do saca-rolhas e apontou-o ao peito do inspector:
"Mãos ao ar! Ninguém se mexe!"
Soltando uma gargalhada sinistra, preparava-se para fugir pela janela quando se ouviu um estampido abafado. Atingido em cheio na nuca, o patife cambaleou e caiu redondo sem ter tido tempo para gritar pela mãe.
"Foi a rolha da vítima que saltou." – disse o médico legista.
"Matou-o?" – perguntou o inspector Casimiro.
"Está morto e bem morto!" – confirmou o médico legista após declarar o óbito.
"Ora, então, escreva aí, Silva:
Prende-se a vítima por homicídio involuntário!" – ordenou o inspector Casimiro.

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Nota do autor: A expensas da Fundação Padarias e Derivados e do Círculo Amigos dos Lacticínios, Artur Reboredo e Silva, personagem que descobri no preciso momento em que escrevinho isto, sentado na sanita – perdoe-se-me o vulgarismo com que descrevo o local de "trabalho"(*) – , deslocou-se a Paris onde havia encontrado duas cartas inéditas e um telegrama, caídos do céu, os quais teve o cuidado de remeter, com toda a urgência, ao Património Cultural dos CTT do nosso amado país. Transcrevo uma das cartas, já de si enfadonha, para quem, eventualmente, passar por aqui só pra deitar o rabo d'olho:
 
Paris, 2 de Novembro de 1669
Adoré Mariane:
Estimo que se encontre de boa saúde, assim como as suas santas e amabilíssimas irmãs, sem esquecer a Abadessa, que eu cá vou indo conforme a vontade de Deus e a graça do meu Rei.
Tolere-me, por todos os santinhos, o atraso desta singela cartinha, mas só ontem me foi dado a conhecer, em detalhe, o conteúdo das suas six longues Lettres Portugaises Inédites, entregues pela mão de Guilleragues, as quais me tomaram o final do dia e se prolongaram até ao raiar do Sol deste em que lhe respondo, apesar de enevoado.
Perdoe-me, também, todo o mal que lhe fiz, inclusive a perda da soma preciosa de três vinténs, esse o pior deles e, infelizmente, irreparável aos olhos de Deus e aos da física.
Aimé Mariane, pagarei, caro, tal mal, nem que para tal passe a comer do rancho das praças ou assente praça na Legião Estrangeira. Ordene-me e fá-lo-ei por penitência!
Oh, ma douce et malheureuse Mariane, o que fomos fazer, valha-nos Deus?! A carne é fraca, é o que é!
Epistolar Mariane, é um militar que lhe suplica, embora seja seu hábito ordenar: venha pra cá viver comigo o socialismo celeste. Plongeons notre amour dans la Rose. Aqui, estaremos juntos, no centro da União Europeia, rodeados de queijos, legumes, vinhos, teatros e muita cultura, ma chérie, ma vie!
Fuja, belle Mariane, desse convento escuro e frio! Faça-se à vela, antes que o nosso amor se vá à vela, e venha, meu rico tesouro!
Dispa o hábito e embarque no comboio da meia noite pro Barreiro, mon amour! Depois é só tomar outro em Santa Apolónia pra Paris. É rápido, vai ver, minha flor!
Espero por si, junto ao Arco do Triunfo onde estou acampado em greve de fome, antecipando o castigo pela ignomínia da desonra.
A barraca é pequenina, mas cabemos nela aconchegados.
Beijos apaixonados do seu plus que tout,
 
Passos Dias Tristão
Alferes Miliciano do Exército de Luís XIV - o Grande.
 
(*) A verdade seja dita
E com grande exaltação
Q'é sentado na sanita
Em febril agitação
Que m'encontro com a escrita

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