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MEMÓRIAS

por João Castro e Brito, em 26.03.24

Diálogo entre um casal de idosos, trazendo saudosamente à memória, personagens e factos do passado:
Ele: Que bela equipa, a do Benfica, lembras-te? Era o Matateu, o Eusébio, o Peyroteo, o Humberto Delgado...
Ela: Delgado?!...Eh pá, esse era o guarda-redes do Sporting!
Ele: Ah, pois, o do Benfica era o Yaúca!
Ela: Não. Esse era forcado, um sueco alto e loiro. Um pedaço de homem!
Ele: Quem era também do Sporting, era aquele almirante... tenho o nome dele debaixo da língua, porra!... Um que botava discursos a torto e a direito e que se irritava muito c'a malta até q'um dia mandou todos bardamerda!
Ela: Pinheiro de Azevia?
Ele: Não!
Ela: Cruz Abacaxis?
Ele: Também não! Ah, já sei: Arnaldo Matos!
Ela: Estás enganado, esse foi o ministro da Educação que a Natalina Correia apelidou de "o grande educador da classe estudantil!"
Ele: E quem era o Primeiro Ministro, lembras-te?
Ela: Francisco Pinto Balsinha. E o Presidente era o Soares Borrego.
Ele: Esse, se bem me lembro, era um bochechudo, injustamente acusado de ser socialista, n'era?
Ela: Não. Esse era o Jô Soares.
Ele: Mas..., afinal, quem eram as irmãs Meireles, sabes?
Ela: Não faço a mínima ideia!
Conhecia os irmãos Carlos e José Adelino, uns tipos que eram funâmbulos. Havia, também, os irmãos Lia e Jaime Gama, os irmãos Helena e Pedro Roseta, mas Meireles, sinceramente, não estou a recordar. Não seriam aquelas manas fadistas, Amália e Celeste Meireles?... Olha, quem cantava bem o fado era o Carlos Lopes. Que voz tão maviosa, meu Deus!
Ele: Havia, também, o Fialho Correia que fazia o Zip Zap, lembras-te?
Ela: Então, não lembro?! Até parece que foi ontem! Lembro-me até de outro programa que dava na televisão: A Vaca Gabriela, n'era?
Ele: A Vaca Gabriela era uma telenovela com a Sónia Bragança e o Armando Bogas. Faziam uma bela dupla!
Ela: Tempos insólitos, n'eram? Parava literalmente tudo pra ver o senhor Nacib e a Gabriela. Até o parlamento, se estás recordado!
Ele: Tempos também complicados, esses! Lembras-te de um que foi presidente da RTP na altura? Um tal Otelo Proença de Carvalho? Acho q'o gajo era de cavalaria, n'era?
Ela: Penso que não. Aliás, ele morava ali pros lados da Artilharia 1 e até usava monóculo!
Ele: Ah, já sei! Esse do monóculo era um que escreveu um livro intitulado de "Crónica dos Bons Malandros" e foi promovido a Marechal!
Ela: Não. Quem escreveu esse livro foi o Cardoso Pires, durante o seu estado de coma – De Profundis, Valsa Lenta – e quem foi promovido a Marechal foi o Gomes da Costa.
Ele: Olha que não! Estás enganada! Quem esteve em coma De Profundis, Valsa Lenta foi o Mário Zambujinha! E o Gomes da Costa foi o da revolução do Primeiro de Maio de 1926.
Quem foi promovido a Marechal foi o Vasco Gonçalo!
Ela: E o Cheta? O homem era mesmo um chato! E estava sempre a dizer chuta! Quem era ele pra mandar calar a gente?!
Ele: Sim, mas safava-se bem porque estava sempre caído nas revistas do Parque Maior, com belas companhias. Ela era a Vera Lagosta, a Ana Zanata, a Odete Sanches, a Florbela Espanta, a Natalina Correia, a Lili Canelas e sabe-se lá quem mais! Não sei que raio tinha o gajo de especial para atrair tantas mulheres, caraças!
Ela: Porém, foi um tempo que o tempo não apagou porque alguma coisa se aproveitou, não achas?
Ele: Sim, com efeito! Até porque um bife à Trindade custava 60 paus e a pescadinha de rabo na boca estava a 12 "melréis" o quilo.
Mas quem eram, mesmo, as irmãs Meireles?

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A MAIOR REVOLUÇÃO FUTEBOLÍSTICA DE TODOS OS TEMPOS

por João Castro e Brito, em 21.03.24

árbitro corneteiro.jpg

"Já ninguém ouve o apito!". Foi com esta grave advertência que o representante da Federação djibutiana de Futebol (FDF) abriu os trabalhos da enésima cimeira da FIFA, subordinada à problemática da arbitragem. Aliás, uma questão da maior acusticidade – se me é permitido o termo (escusam de procurar no dicionário porque a palavra mais próxima é "acuidade").
Com efeito, todos os delegados presentes secundaram o grito de alarme da delegação do Djibuti, declarando-se testemunhas de casos extremos em que o ruído produzido pelos adeptos nos estádios, não permite ouvir os apitos dos árbitros.
"Terminou a época dourada do apito (não confundir com o processo Apito Dourado)!" – exclamou, dramático, o delegado da Suécia, Björn Borga, enquanto Tomato Tomaki, do Japão, se pronunciava sobre a diversidade de alternativas tecnológicas disponíveis e perfeitamente integráveis. E lembrou o exemplo concreto do vídeoárbitro.
No entanto, a maioria das federações é defensora da adopção da corneta em substituição do obsoleto apito. "Sempre tem outra ressonância melódica" – disse o delegado alemão, Helmuth Silva, enquanto Jose de Arboleda, por parte da Espanha, sugeriu que os fiscais de linha passassem a usar castanholas, um pouco à margem da questão em discussão. Proposta imediatamente rejeitada por larga maioria das representações presentes.
Se, como tudo indica, a corneta vier a ser adoptada, os árbitros frequentarão cursos intensivos de corneta, no Batalhão de Sapadores Corneteiros da sua área de residência, de modo a poderem tocar conforme as circunstâncias – isto é: em vez do clássico e monótono apito, haverá diferentes tipos de toques, consoante cada particularidade afecta a um encontro de futebol ou seja: toques para o início e fim do jogo; para fora de jogo; para dentro de jogo; para castigo na marca de grande penalidade; para as rasteiras; para as faltas atacantes; para as faltas defensoras; para os golos à boca da baliza; para os golos de baliza a baliza; para os golos de cabeça; para os golos de mão; para os golos com a mão de Deus; para os golos de pé; para os golos de peito; para os goles de cerveja; para os autogolos; para os cantos; para os livres e, finalmente, para a próstata (toques rectais).
"Só assim – afirmou um dos proponentes desta grande inovação – o público não só ouvirá, como saberá, através das notas cornetistas, o significado de cada decisão do juiz de campo."
A propósito: a contar para o campeonato de reservas, defrontam-se, no próximo Domingo, o Reserva Branco do Redondo e o Reserva Tinto de Cantanhede. Para animar os adeptos, prevêem-se bastantes desregramentos e algumas contravenções associadas. Nada a que não estejamos habituados a ver no "desporto rei"...

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BREVES REFLEXÕES SOBRE HISTÓRIA (Episódio II)

por João Castro e Brito, em 19.03.24

cristóvão colombo.jpg

Na história, nada acontece por acaso. Todos os factos têm as suas interligações e os seus antecedentes lógicos. Isto até pode parecer uma banalidade ou algo que você já leu ou escutou em qualquer lado, mas vou tentar explicar como a importância de lugares comuns como este, pode transcender a nossa compreensão.
Imagine, por exemplo, se tivesse sido da Vinci a inventar a marmita de Papin; ou Newton a estabelecer o princípio de Pascal; ou Vasco da Gama a fazer a primeira viagem de circum-navegação. Onde ficaria isto tudo? Onde ficaria ou como seria, por exemplo, o estreito de Magalhães? Chamar-se-ia estreito de Magalhães? Provavelmente seria conhecido por estreito de Gama...
Ou se fosse Bertolt Brecht a inventar as pancadinhas de Moliére? Ou, ainda, a chef Cátia Goarmon a explicar, na 24Kitchen, como se faz uma salada de bacalhau salgado desfiado à mão (vulgo a dita cuja)? Ou se Bonaparte tivesse nascido no Egipto, filho de um humilde pescador do Nilo, e tivesse seguido as suas pisadas? Provavelmente, as invasões francesas não teriam existido e Junot, Soult e Massena não teriam levado a cabo milhares de acções de confisco, saque e destruição do nosso património cultural, jamais devolvido; e a Família Real Portuguesa não teria fugido para o Brasil, com o rabinho entre as pernas, deixando os portugueses entregues ao seu trágico destino; e não teriam entrado em Portugal os ingleses (outros saqueadores que tais), sob pretexto de expulsar os franciús, ao abrigo da "Mais Antiga Aliança do Mundo". Se bem que, sem as invasões francesas, Brites de Almeida seria, historicamente, uma ilustre desconhecida.
Até pelo exemplo da padeira de Aljubarrota, continuo convicto de que, na história, tudo é fruto do destino.
Ao contrário do que se pensa, Cristóvão Colombo não descobriu a América por acaso, mas antes por engano. E o que é o engano a não ser o destino? Calma que eu explico:
Diz-se que quando pisou o solo do Novo Mundo, pensou que tinha chegado à Índia. E porquê? – pergunta você com toda a legitimidade – Porque quando viu tanta gente desnuda e de pele vermelha a vir ao seu encontro, decidiu, ali mesmo, apelidá-la de índia. É claro que incorreu num equívoco, mas o que seria de Billy The Kid, Búfalo Bill e até do Grande Chefe Apache, Geronimo, se Colombo não se tivesse enganado? Ou se tivesse chamado americanos aos índios, como se chamariam, hoje, os americanos?
Regressemos à nossa História: Suponhamos que o 25 de Abril foi em Agosto. Como poderíamos falar dos Capitães de Abril?
E se os capitães fossem generais? Ou notários? Ou até mesmo carteiros? Soaria muito mal dizer-se que os Carteiros de Abril tinham derrotado o regime de Caetano em Agosto. Isto, sem desprimor para a nobre e quase extinta profissão de carteiro.
Pior soaria se Caetano se chamasse Óscar. Já pensou quão feio constaria se se tivesse derrubado um regime oscarista? Mesmo se, no caso, os capitães fossem carteiros e o 25 de Abril fosse em Agosto, hã?! Está a ver?
Suponhamos, agora, que Spínola era um autóctone australiano. Como poderia o senhor ter participado no 11 de Março? E se os acontecimentos de 11 de Março tivessem ocorrido nas montanhas dos Himalaias? Ou se os capitães fossem delegados de propaganda médica? Se o 25 de Abril fosse em Fevereiro? Se Caetano fosse José Vitalício Barbosa, caldeireiro, que não é tido nem achado nesta história? Se Afonso Henriques nascesse daqui a uma semana? Se Cavaco Silva fosse um parente afastado do Nosferatu? Se Cristóvão Colombo tivesse achado a Ilha da Madeira, ao invés de João Gonçalves Zarco, Tristão Vaz Teixeira e Bartolomeu Perestrelo? Se Dom João VI tivesse pedido asilo político aos Camarões?
Como certamente inferiu, o encadeamento dos factos, às vezes, é difícil, mas a história também nunca foi fácil, n'é verdade? Olhe, o CC que o diga! Por isso é que teve uma vida curta, coitado! Dizem que foram desgostos de amor...

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A BÚSSOLA

por João Castro e Brito, em 13.03.24

Julgo que já me debrucei sobre este tema, aqui, há uns tempos. Se, porventura, alguém lhe chegou a deitar um relance de olhos, peço desculpa pela minha fraca memória. No entanto, penso que é assunto de primeiríssima importância, pelo menos, para o conhecimento geral, dado que a malta anda um pouco arredada do saber.

Assim, como o dito não ocupa lugar, como é curial dizer-se, vou insistindo na (vã?) tentativa de partilhar o pouco que sei.
A talhe de foice, a palavra bússola provem do italiano "bussola" que significa “pequena caixa” de buxo (planta nativa da Europa, África e Irão). De momento, não consigo estabelecer qualquer relação da bússola com o "buxo", mas estou aberto a sugestões esclarecedoras.
Ora, voltando ao assunto, quero salientar que não me custa nada debruçar-me novamente sobre ele, desde que não caia, como é evidente.
Sublinho, mais uma vez, que este tipo de temática não é para todas as pessoas. Por isso, só deve ser lido por quem, efectivamente, aprecia uma leitura pesada e, naturalmente, não tenha problemas de digestão.
Então, é do conhecimento geral que a bússola era, até à descoberta do GPS ( Global Positioning System ou em português, Sistema Global de Posicionamento), um instrumento muito útil. Sobretudo para quem fizesse uso dela, pois, se não fosse precisa, pouca ou nenhuma utilidade teria (passe a lapalissada).
Pensa-se que foram os chineses a inventá-la. Como se não lhes tivesse bastado inventar a pólvora, o papel higiénico e o macarrão que diabo!
Quanto à bússola, sobre a qual me torno a debruçar – mais uma vez reitero que o faço com toda a cautela – , é quase certo que foi uma invenção empírica. Aqui, os chineses não foram tão rigorosos, como é seu hábito. Recordemos como foi inventada, recorrendo a textos milenares irrefutáveis. Aliás, inexistentes. E, obviamente, não se pode desmentir o que não existe, n'é verdade? Adiante:
Estava um chinês a fazer chinesices com uma paciência inexcedível, como é o hábito peculiar de qualquer chinês que se preze – no caso a tentar montar um relógio – quando, distraído, deu por concluída a execução da empreitada, deixando somente um ponteiro colocado em cima de um eixo e esquecendo o resto da engrenagem fora da caixa.
O homem ficou tão irritado consigo que até ficou com os olhos em bico. Todavia, ao observar que a ponta do ponteiro apontava teimosamente para o Norte, desse as voltas que desse, fez-se luz no seu pensamento.
Assim, pode-se afirmar, sem sombra de dúvida, que havia sido inventada a bússola. Os chineses viram logo uma grande oportunidade de negócio (olha que meninos, os chineses!).
Em vista disso, seguindo as indicações da bússola, descobriram o Norte da China, coisa inédita e nunca vista (óbvio).
Quando lá chegaram foram muito bem recebidos e até houve festas e arraiais. Aliás, parece que foi por volta deste grande acontecimento que aproveitaram pra inventar o fogo de artifício, embora isto careça de confirmação devidamente documentada.
Bom. Mas descrever uma bússola não é tarefa fácil, não obstante a sua aparente simplicidade. Se é certo que a agulha da bússola aponta sempre para o Norte, não é menos certo de que, chegados lá, ela continua, obstinadamente, a apontar para o Norte. É um facto e, por isso, não deixa de ser desnorteante.
Talvez você não saiba, mas, segundo a Wikipédia, a bússola é um instrumento de navegação e orientação baseado em propriedades magnéticas dos materiais ferromagnéticos e do campo magnético terrestre, cujo ponteiro se excita, feito doido, ao apontar para o Norte. Elementar. Também não sabia!
Foi o italiano Flavio Gigolo que, em 1302, completou a bússola, introduzindo-lhe uma inovação chamada Rosa dos Ventos, assim chamada porque estava uma ventania do caraças e para ele, "L'important c'était la Rose". Não encontro razão mais plausível para a sua predilecção, apenas pela seguinte razão:
Cravo das Chuvas; Hortência das Intempéries; Dália das Marés; Gladíolo das Aragens e Malmequer dos Aguaceiros teriam sido outros nomes possíveis, dado que todas eram suas favoritas. Porém, Rosa dos Ventos era a mais favorita.
Também, os nossos egrégios avós toparam logo que este notável instrumento lhes ia dar muito jeito quando se aventuraram por mares "nunca dantes navegados".
Servindo-se da preciosa ajuda da bússola, rumaram a Norte e descobriram o Brasil que fica a Sul. Pode ter sido um milagre, já que Pedro Álvares Cabral era muito religioso e até deu o nome de Ilha de Vera Cruz a este "país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza".
E, para terminar, foi graças à Bússola que os três Reis Magos, que faziam parte dos Sete Magníficos, conseguiram encontrar a cabana onde nasceu o Menino Jesus. Com efeito, os restantes quatro resolveram seguir uma estrela, supostamente decadente, e desorientaram-se. Verdade ou simples alegoria, jamais se saberá.

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DEVANEIOS

por João Castro e Brito, em 01.03.24

Apaixonei-me por ela numa tarde aprazível de um Verão longínquo. Cruzámo-nos na praia de Carcavelos.
Estava linda, loura dourada, cor de mel, docemente encostada a uma espreguiçadeira. Olhei-a de relance e pareceu-me expectante. Acho que estava à espera de que lhe dissesse qualquer coisa, sei lá, um galanteio, um dito lisonjeiro ou desejosa, quiçá, de um olhar cúmplice. Pelo menos, fiquei com essa impressão.
Mas, como não era rapaz para fazer olhinhos de carneiro mal morto ou lançar piropos, feito um palerma, prossegui o meu caminho e fui-me afastando até uma distância em que só consegui vislumbrar a sua vaga silhueta. Ao longe, pareceu-me triste ou, então, foi sugestão...
Foi a última vez que lhe pus a vista em cima.
Desgostoso por ser tão tímido, andei dias a cismar com o meu estúpido acanhamento; timidez que, ainda hoje, tenho dificuldade em dominar.
Assim, tomei uma decisão. Difícil, certamente, mas, a paixão, meu Deus, quão cruel é este ilógico sentimento!
De pronto fiz a mala e parti ao seu alcance, sei lá pra onde.
Cruzei-me com tanta gente, nesta busca inglória por um amor não anunciado e, tampouco, correspondido.
Na incessante procura, ficaram-me na memória estas personagens curiosas, talvez um tanto bizarras: três campistas alemães com trajes do Tirol; um casal inglês, tipicamente magrebino, e um cão albino a dar ao rabo. Todavia, ninguém me soube dizer dela.
Regressei mais triste e desiludido do que nunca.
Percebi, finalmente, que me tinha esquecido e, se calhar, desprezado por ter passado ao lado, apesar do amor assolapado que lhe tinha votado. Afinal, foi amor à primeira vista. E saberão os pobres amantes, silenciosos, que o amor à primeira vista é o mais sofrido e, em certos casos, o mais mortífero! Daí a expressão "morrer de amor".
Só Deus sabe como padeci, pois Ele foi Testemunha da minha angústia.
Ah que sofrimento! Ser escravo do amor cego era a causa do meu tormento!
Tinha de me libertar! – pensava com os meus botões.
Passaram anos a fio. Por fim, liberto, vi o logro em que caíra, com a escravidão obsessiva a que me arrastara esta louca paixão e disse não!
Acordei, abri os olhos, olhei à minha volta, e vi que o tempo avançava inexorável e inflexível (passe a redundância, mas é só para reforçar a implacabilidade do tempo).
Então, envolveu-me no seu manto diáfano e disse:
- "Deixa lá que outras mais merecedoras da tua nobreza de carácter hão-de cruzar-se contigo e quem sabe..."
E, com efeito, não podia estar mais de acordo com o tempo, já que um dia o senhor Ezequiel, da Leitaria da Esquina à Rua da Lapa – era assim que se chamava a leitaria do senhor Ezequiel – me disse o seguinte:
- "Conheço uma viúva muito jeitosa que vive numas águas furtadas, ali, às Escadinhas do Duque. É uma senhora das melhores famílias alfacinhas, de seu nome, Eugénia Sá Lemos ."
Pelo apelido, presumi imediatamente que a senhora era uma mulher à antiga, filha de famílias distintas e, por conseguinte, de ilustres tradições e fortes sentimentos.
Desde essa feliz sugestão do senhor Ezequiel, temos trocado alguma correspondência através da Internet, mas queremos ir mais longe.
Por isso, querido diário, esta nova felicidade que banha o meu velho coração, será total, quando, na próxima quarta-feira subir as escadas do amor.
É verdade, querido diário! Vai ser o primeiro de muitos chás das cinco, servido com palmiers recheados e biscoitos de canela, para o qual a Geninha teve a amabilidade de me convidar.
Finalmente, reencontrei-a, depois de tantos anos de desespero, graças ao senhor Ezequiel!
Assim Deus permita que consiga transpor aqueles duzentos degraus que me separam da felicidade, malgrado as dores físicas de que padeço.

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