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O TROGLODITA

por João Castro e Brito, em 22.03.23

o troglodita.jpg

Desconhecia o sedentarismo; respirava ar puro; bebia água límpida e tudo o que comia era cem por cento orgânico. Porém, aos trinta e cinco anos era um macróbio.
Conclusão: o que importa, mesmo, é a gente continuar a comer coisas boas como cozido à portuguesa; feijoada à transmontana; grão de bico com mão de vaca; pezinhos de coentrada; pataniscas de bacalhau com arroz de tomate malandrinho; joaquinzinhos com arroz de grelos; arroz de cabidela; lulinhas fritas à algarvia; iscas com elas; ensopado de cabrito; tripas à moda do Porto; bacalhau à Zé do Pipo; polvo à lagareiro; alheira de Mirandela; carne de porco à alentejana; ensopado de borrego; sopa de cação; sopas de beldroegas; migas; sardinhas assadas com pimentos; açorda à alentejana (peço desculpa por insistir na gastronomia do meu querido Alentejo) e que me perdoem os habitantes daquelas terras, certamente com fruitivos pratos típicos, das quais me esqueci. Se calhar, por ser pouco viajado e, por conseguinte, nunca ter provado o que de bom por lá se come.
Mas o que interessa aqui, nomeadamente a quem preza religiosamente a sua saúde e quer sobreviver para além dos trinta e cinco anos de longevidade dos nossos antepassados de há milhares de anos, é comer à tripa forra até ficar com aquela maravilhosa sensação de enfarte.
Finalmente, bem empanturrada, a gente senta-se num sofá até que a moleza passe. Pode, inclusive, beber um bagacinho ou dois para acelerar o processo de metabolização.
Detesto solenemente pessoal que defende ideias parvas como a combinação de exercício físico com "uma dieta equilibrada e saudável"! Para quê?! O paradigma do troglodita é bem esclarecedor, valha-lhes Deus!
E, como observação final, digo que devem aproveitar a nossa fantástica gastronomia, quanto antes, pois nunca se sabe se daqui a pouco tempo vamos ter necessidade de tomar comprimidos de iodo. E não estou a ser pessimista, palavra! Olhem, por exemplo, como já vão estando uns dias ensolarados, por isso propícios para sair da "hibernação", já estou a preparar-me para me ir empanturrar com um arrozinho de marisco à Ericeira. Vai custar uma nota, mas que se lixe! Vão-se os anéis, ficam os dedos...

 

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INFLAÇÃO GALOPANTE

por João Castro e Brito, em 16.03.23

inflação galopante.jpg

Agora que a taxa de inflação na Europa da União assume proporções assustadoras, com maior agudeza em Portugal por razões sobejamente conhecidas, parece que o BCE não tem vontade de a "acalmar". Como sempre, o bolso do comum dos portugueses tesos, entre os quais me incluo, é que paga. Por cá, há muita gente bem à rasca para conseguir manter a liquidez até ao fim do mês, o que me leva a sentir alguma inquietação em relação às suas dificuldades. É impossível, para quem tem preocupações sociais, ser indiferente aos problemas dos outros...
Este curto proémio poderá ser motivo para outra redacção mais séria, lá mais para a frente se me apetecer. Mas, a propósito de inflação, recupero um artigo, supostamente engraçado, que escrevi em 2014, noutro blogue que jaz morto e arrefece:

O homem entrou numa pastelaria, pediu uma bica e botou um euro em cima do balcão.
O empregado mirou-o de soslaio e disse:
- A bica é um euro e cinquenta cêntimos, amigo!
- Mas, ainda ontem, aqui mesmo, paguei um euro por uma bica!
- Não desminto que a tivesse pago a esse preço, mas, de ontem para hoje, inflacionou!
- Isto está cada vez pior, é tudo a roubar, que raio de país!
Como estava com vontade de tomar um café, lá puxou de mais cinquenta cêntimos, só para não estar a empatar a fila de clientes junto à caixa. O empregado olhou-o novamente e, com cara de poucos amigos, disse:
- Você deve estar a gozar comigo! Então não vê que um euro e cinquenta cêntimos não chega para pagar a bica?
Meio baralhado e pensando que aquilo só podia ser para os apanhados, respondeu:
- Então, mas ainda agora me disse que a bica custava um euro e cinquenta cêntimos!
- Pois é, mas, com a inflação galopante, um euro e cinquenta cêntimos já não dá para as despesas q'é que quer?
- Então diga lá quanto é que custa a bica para não perdermos mais tempo, que diabo!
- 2 euros!
- 2 euros?!...Porra, isto está bonito, está! Pronto, aqui tem os 2 euros...
O empregado olhou-o novamente, meio chateado, e disse:
- Então, e o imposto?
- Oh que caraças, mas qual imposto?!
- O imposto de transacção que entrou em vigor às zero horas de hoje. Você não anda a par das notícias?
- Olhe, não sabia, palavra d'honra!
O empregado, com um ar de pessoa muito bem informada, continuou:
- Eu elucido-o. Aqui, no "Matutino", reza o seguinte: "O imposto de transacção sobre o consumo unitário médio, previsto para o ano decorrente e seguintes, sobe cem por cento"..., 'tá a ver?
E acrescenta, antes que o homem tenha tempo para retorquir:
Fora o preço do novo programa informático de facturação e outros encargos fiscais! Não podemos ser só nós, comerciantes, a suportar as despesas, caro senhor! Portanto, isso a somar aos dois euros que pretendia pagar até agora pela sua biquinha, arredonda-lhe a coisa para os dois euros e cinquenta cêntimos.
Como era de prever, o homem começou a mostrar sinais evidentes de grande perturbação:
- Mas, estão todos doidos?! Querem que me dê uma coisa má ou quê?!
- Bom – ripostou o empregado tentando acalmá-lo – , se pedir recibo com o número de contribuinte, ainda se habilita a um automóvel topo de gama que, como sabe, é sorteado semanalmente. Portanto, veja a coisa pelo lado positivo; nem tudo está perdido, amigo!
Manifestamente desesperado, o homem já estava por tudo. Ele só queria tomar uma bica, fosse a que preço fosse. Uma bica por CARIDADE (a palavra destacada a letras garrafais é despropositada, mas é só para enfatizar o momento dramático)!
Tinha acabado de absorver o primeiro gole do conteúdo da chávena quando o seu rosto empalideceu subitamente e:
- Mas esta merda é tudo menos café!
- É claro que não é café e escusa de ser malcriado, caro senhor! – apressou-se o empregado, indignado, a explicar – Este é um lote especial de cevada e chicória, uma mistura, digamos assim. Se continuássemos a servir café puro, como até ontem o fizemos, com a inflação galopante, a sua bica subiria para os cinco euros, amigo!
Foi nesse preciso instante que se deu um acontecimento inesperado, uma reacção que ninguém esperava (passe a redundância): o sujeito, certamente possesso (só pode ter sido), atirou-se para cima do balcão, agarrou o empregado pelo colarinho, e obrigou-o a engolir quinze duchaises, vinte e cinco bolas de berlim, três quilos de bolos secos surtidos, um frasco de rebuçados de mentol e cinco caixas de bombons de chocolate belga, com lacinhos e tudo.
Ora, algum tempo depois deste infeliz desenlace, de consequências muito graves, tanto para o empregado como para o homem – escusado será explaná-las – e após julgamento, o acórdão do tribunal foi sumariamente proferido pelo juiz presidente:
- O réu é condenado a quinze anos de prisão maior agravada, por crime de ofensa à integridade física, seguida de tentativa de homicídio!
- Tentativa de homicídio, senhor doutor juiz?! – balbuciou o homem – Quando as consequências do meu acto insensato – não contesto – foram praticamente inofensivas, pois não passaram de umas diarreias insignificantes, uma colite ou outra, uma úlcera péptica e uma perfuração esofágica; o senhor até foi trabalhar no dia seguinte e tudo, veja lá vossa excelência, e levo com quinze anos?!
- Tem alguma razão. Não lha dou toda, senão não o teria condenado a uma pena tão pesada! – respondeu-lhe o juiz – Se fosse ontem condenava-o a um ano de prisão com pena suspensa. Assim, olhe, culpe a inflação galopante!

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AMOR E RAZÃO

por João Castro e Brito, em 15.03.23
 
 

amor e razão.jpg

Não há paz entre o amor e a razão.
Amor racional é a razão acima do coração.
Amor passional é o coração acima da razão.
Se se ama não se pode pensar.
Se se pensa não se pode amar.
Ceder incondicionalmente ao amor?
Ou sofrer e abdicar?
 
Amor e razão. Conciliá-los é uma equação sem solução.
O amor é imponderado e ardente.
O amor é paixão!
A razão é fria e coerente.
 
Penosa, é a indecisão:
Provar o agridoce desejo de um louco amor?
Seja o amor eterno ou não?
Ou dure o tempo que for?

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