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PROCESSO "JUÍZO FINAL"

por João Castro e Brito, em 04.02.22

Aparentemente, tudo leva a crer que este processo penal irá ser adiado, sine die. Isto, a julgar pelos comentários dos soalheiros do costume, observadores atentos ao que se passa nos corredores do poder celestial.
Tais especulações são baseadas num presumível desabafo de São Benedito, presidente do Supremo Tribunal Celeste, o qual teria afirmado que se sentia desencantado com o actual estado a que o Estado do Céu tinha chegado, reforçando essa afirmação com uma frase lacónica que parece ter deixado muitos anjinhos abismados: "A corrupção é um potencial corrosivo para a qualidade da democracia".
Depois de aturadas e apuradas investigações, sabe-se, por portas e travessas, que a coisa envolve centenas de empresas e alguns bancos eclesiásticos, dezenas de anjos e arcanjos associados a esta gigantesca tramóia célica e alguns estagiários no limbo que se meteram em bródios profanos nas vizinhanças do Paraíso.
Desconhece-se, até à data, se as patuscadas incluiram sexo, sabendo-se de antemão que os anjos não têm sexo, tampouco os arcanjos.
Em causa estão crimes de evasão e elisão fiscais, fraude e branqueamento de capitais, tendo o Céu sido lesado em milhares de milhões de euros que têm estado a ser pagos pelas alminhas do purgatório. Assim na Terra como no Céu...
Alguns arguidos arcanjos, sobre os quais recaem as mais graves suspeitas de dolo, interpuseram recurso e vão aguardar julgamento em liberdade. Inclusive, as suas defesas pediram perícias médicas neurológicas, sustentando que os seus constituintes padecem de demência galopante, não tendo, por esse facto, a noção de que os seus supostos actos sejam passíveis de ilicitude.
Quanto aos anjos, os eternos sacrificados, vão ser castigados com penas que variam entre lavar os pés, diariamente, a todos os santos e mudar as fraldas ao Menino Jesus.
Parece ser uma clemência sem precedentes já que, anteriormente, crimes de gravidade menor foram severamente punidos com autoflagelação, abstinência sexual, procura incessante do Espírito Santo com condições atmosféricas adversas, nomeadamente nevoeiro, e horas extraordinárias, sem remuneração, a guardar as portas do Céu, tendo de suportar a flatulência excessiva do São Pedro enquanto dorme.
Tal indulgência deve-se ao facto de São Benedito estar a atravessar um período especial de cansaço natural, associado ao risco, cada vez mais elevado, de vir a sofrer de Alzheimer ou até transtorno obsessivo compulsivo.
É de realçar que preside aos julgamentos e acompanha a tramitação legal de todos os processos há quase um milénio; é obra!
Mas, regressando ao tema, aconteceu que, num momento de maior fragilidade física e anímica, o magistrado celestial desabafou, visivelmente indignado:
"Estou velho e farto disto! Um dia destes vou lá acima, bato o pé, digo ao Gajo que este foi o último e não quero saber! Quero é gozar a minha reformazinha sem chatices e sem compromissos!" Por tudo isto, presume-se que o processo tenha de ficar em banho-maria até à substituição do Santo Magistrado em caso de renúncia do cargo ou outro acontecimento mais inditoso. É muito tempo, Santo Deus!
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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Ó TIO, Ó TIO!

por João Castro e Brito, em 01.02.22

«Ó tio, ó tio! O tio sabe que, hoje em dia, há um novo meio de comunicação?»
«Ah, sim, meu insigne sobrinho? Então, diga lá!»
«Ó tio, vá lá, estou a falar a sério! Foi descoberto um novo meio de comunicação, palavra!»
«Está bem... e que meio vem a ser esse que lhe suscita tanto entusiasmo?»
«Ó tio, o que lhe sei dizer é que são umas vias tão rápidas que a gente nem sabe aonde vai parar, pois acontece tudo num ápice!»
«Aonde vai você com tanta velocidade, menino?! Troque-me lá isso em miúdos!... Num ápice?!... Acho que estamos a ir depressa demais...»
«Pois estamos, tio, mas isso é porque as vias são bestialmente rápidas, como lhe disse!»
«Você não estará a fazer confusão com aquela coisa da física quântica que teletransportava o Capitão James Kirk e o Senhor Spock para a outra banda enquanto o diabo esfregava um olho?»
«Talvez tenha razão; parece que essas coisas mandam, efectivamente, as pessoas à outra banda, como o tio diz...»
«Mas isso tornou-se banal, meu caro sobrinho! Não esqueça de que estamos a falar de um meio de comunicação do tipo, toda a gente manda para aqui e para ali indiscriminadamente!»
«Ó tio, fique descansado que eu vou investigar e depois conto-lhe como é que são elas!»
«Espere aí, meu rico menino. Agora fiquei cheio de curiosidade. Pode-se saber, ao menos, o nome desse novo meio de comunicação?»
«Ó tio, por via de regra, são vias de facto!»
«Ó tio, ó tio!»
«Diga lá, agora, sobrinho!»
«O tio, sabia que o homem é uma criança?»
«Ah, ele é isso? Olha que menino!»
«Ó tio, ó tio!»
«Hã?»
«O tio sabia que o homem é um animal que come muito?»
«Ah, come?! Espere aí que eu já lhe dou o arroz!»

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