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Criei este blogue com a ideia de o rechear com estórias rutilantes, ainda que às vezes embaciadas. Penso que são escritas sagazes e transparentes, embora com reservas e alguma indecência à mistura. No entanto, honestas.
Dos vários temas sobre os quais me tenho debruçado, não podia faltar um com este título, aliás sugestivo, não obstante já ter escrito acerca do assunto, nas suas cambiantes, desde o amarelo canário com tons definidos de azul marinho, passando pela elementar cor de laranja, cor de rosa desbotada e, ultimamente, a cor negra que se julgava erradicada do espectro cromático. Uma cor que parece querer emergir das trevas.
Quanto ao vermelho, falta determinar qual é o tom que assume nesta composição colorida. A dúvida entre o vermelho escarlate e o vermelho bordeaux, persiste.
Apesar de não encontrar ligação entre os parágrafos anteriores e o que se segue, devo acrescentar que vou mais na onda do Sócrates, um grande pensador da antiguidade, ao afirmar : "Como a vida está cheia de imponderáveis, comece sempre por aquela sobremesa à qual não resiste.", embora esta frase, que lhe é atribuída, careça de confirmação pela Academia das Ciências Filosóficas.
Penso, no entanto, que a delicadeza do tema merece, desta vez, um tratamento especial à parte. Assim, andei a investigar no Google e fui descobrir, numa prateleira virtual, "poeirenta", uma estória, aparentemente despretensiosa, com dez páginas, de autoria de Antonio De Donno Mindinho (passe a contradição), intitulada "Ensaio sobre o suborno, fascículo II".
Foi da sua leitura empolgante (li-a num abrir e fechar de olhos) que recolhi uma síntese deste pensamento para o texto que se segue, com as dispensáveis correcções, ao abrigo do desacordo ortográfico, e a devida vénia ao seu autor.
A páginas tantas, escreve Mindinho:
"...Pretendo tão-somente, através de pequenos exemplos, demonstrar que o suborno, afinal, não é uma actividade ilícita como a pretendem sentenciar, os sectores mais conservadores da sociedade. É, isso sim, um método de selecção como outro qualquer, uma obrigação, uma necessidade e, por consequência, um dever de civilidade do qual não nos podemos desobrigar.
Já Segismundo Freud prometia dar caramelos aos meninos e meninas que psi-canalizava para as suas sessões de psicoterapia, se lhe contassem os seus segredos. Ora, se isto não era suborno puro e duro, contudo benéfico, então vou ali e já venho!
Um vulgar dicionário diz-nos que subornar significa "aliciar para mau fim; seduzir para conseguir algo oposto ao dever...". É pura falácia como procurarei demonstrar a seguir.
Começo por citar o caso do avaliador imobiliário que determina o valor de uma casa em apenas três milhões de euros, quantia que lhe parece tão exorbitante, se comparada com os seus proventos anuais e que até sente um arrepio na espinha ao pronunciar tal número. Suponhamos que o potencial candidato a comprador, com o intuito de obter um empréstimo mais gordo, propõe ao avaliador que orce a casa em cinco milhões de euros, aliciando-o com uma "gorjeta" de dez por cento. Ora, ponham-se no lugar do avaliador. Iam armar-se em cágados e negar terminantemente o suborno, invocando normas morais da treta? Iam perder a oportunidade ímpar de ganhar num dia, o que jamais conseguiriam amealhar numa porrada de anos de trabalho, mais a mais que nem uns mouros? Evidentemente que já estão a pensar como eu: a resposta é um rotundo não!
Ele aceita o suborno e, no fundo, não faz mais do que o seu dever de cidadania. Pelo seu exemplo de abnegação e coragem vai poder amortizar as prestações da casa que, de outra forma, só estaria paga quando já usasse fraldas. Sem esquecer o futuro da caterva de filhos, resultado de três divórcios.
Ainda não estão convencidos da justeza do suborno? Então dou-vos outro exemplo, ainda, mais convincente:
Aquele documento de importância vital para o avanço de uma empreitada, um licenciamento, encontra-se retido numa repartição autárquica. Alguém tem muita urgência na obtenção dessa autorização, mas a burocracia é lixada. Então, a tal pessoa resolve dirigir-se, por portas e travessas, a alguém que lhe possa desbloquear a situação com celeridade. O funcionário, zeloso, seguindo meticulosamente as normas da administração local, alega que tais procedimentos são sempre muito demorados, podendo até levar meses e, quiçá, anos porque são decisões de grande responsabilidade e por aí adiante.
A pessoa, interessada em desbloquear a situação, como quem não quer a coisa, passa-lhe, então, para as mãos as chaves e os documentos de um Mazda2, prontinho a mudar de dono; e com um sorriso rasgado nos lábios pergunta, mais uma vez, se é possível sair do impasse. O funcionário, ainda meio incrédulo, mas com um sorriso cúmplice, vai procurar o documento, bota-lhe a chancela e entrega-o solicitamente ao sujeito.
Continuam a achar que este acto de suborno e a atitude do funcionário da câmara também são reprováveis? Claro que não! Mais uma vez, concordo convosco. Qual é a pessoa que recusa esta forma de transacção? O funcionário não fez mais do que ajudar o Estado, afinal, todos nós, pois é mais um imposto de circulação que entra para os cofres do erário público (fora os impostos indirectos). Além disso ele não exigiu nada, limitando-se - repito – a fazer uma permuta vantajosa para as partes envolvidas no processo.
Com efeito, o suborno é nada mais, nada menos do que uma troca de serviços que deve ser incentivada e acarinhada, numa sociedade cada vez mais destituída de princípios. E pode-se dizer que em Portugal se tem trabalhado bastante, ao longo das últimas décadas, para contrariar o efeito perverso da ausência dessa troca.
Por conseguinte e em conclusão, proponho que, doravante, o suborno seja despenalizado, passando a ser considerado uma actividade lícita, cuja palavra, alvo de tanta infâmia, seja apagada do léxico nacional com a conotação negativa que lhe tem sido atribuída até aqui. Desse modo passaria a ter sinónimos mais simpáticos como, por exemplo: dar algo em troca de; substituir; alternar, permutar, et cetera."
Nota final: Subscrevo a tese do Mindinho e, como ele, também penso que o esforço de muitos portugueses prossegue no sentido de alterar a interpretação deste conceito, injustamente, diabolizado anos a fio. Penso que está a dar frutos frescos e viçosos e, mesmo em tempo de pós-pandemia (?), está vivinho da Silva, graças a Deus!
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