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Criei este blogue com a ideia de o rechear com estórias rutilantes, ainda que às vezes embaciadas. Penso que são escritas sagazes e transparentes, embora com reservas e alguma indecência à mistura. No entanto, honestas.
INSÓNIA
A manhã mal acordada
Dona Gracinda é uma senhora muito senhora do seu nariz. Porém, não é mulher para andar a metê-lo onde não deve, diga-se em abono da verdade. Sobretudo, odeia meter o nariz na vida dos outros. Interessa-se, isso sim. Interessar-se é, completamente, diferente!
Ela que até podia ser sua mãe! «Já não há respeitinho nenhum, é o que é! Mais valia não saber certas coisas. Não tinha de me ralar com a vida dos outros e ficava cá no meu cantinho. Só Deus sabe quanto me custa andar a par dos males alheios. No fim recebo estas pagas!» – desabafa para os seus botões.
Por vontade da dona Gracinda, todos se davam bem e não havia problemas. Ela sabe que no fundo não tem nada com isso, tanto se lhe dá que o mundo acabe hoje ou amanhã ou continue tal como está, mas é a sua idiossincrasia; é uma coisa inevitável. Ademais, não se pode contrariar o destino e a dona Gracinda é uma predestinada. Nada lhe custa tanto como saber das desgraças dos outros, mas a vida é assim mesmo, o que é que se há-de fazer?
Coisas das quais pede muito segredo, sendo contra a sua vontade quando acabam por se espalhar – infelizmente, há muita gente mexeriqueira – é quando recomenda: «Isto aqui só para nós que ninguém nos ouve...».
Que culpa tem a dona Gracinda de ser um bocadinho surda e, por via dessa infelicidade, falar um bocadinho mais alto, mais a mais tendo as paredes ouvidos? Há gente muito reles, digam antes! Gente em quem não se pode confiar!
Ainda a semana passada a vizinha do prédio em frente deixou de lhe falar, lá porque alguém lhe foi meter nos ouvidos que a dona Gracinda tinha andado a contar à boca solta que a filha da vizinha tinha sido vista com o filho do Zé bate-chapas, numas posições muito esquisitas, na parte de trás do Fiat Uno do Zé. Ou outra vizinha que agora lhe vira a cara assim que a vê, só porque a dona Gracinda contou a alguém, não interessa quem, que o homem da pobre deixara de cumprir as suas obrigações conjugais desde que fora operado à próstata. Foi um bocadinho forte de mais, convenhamos, mas é o temperamento da dona Gracinda que a faz ter o coração ao pé da boca. Ou, ainda, o casal Pereira que lhe deve tantos favores e faz de conta que não a conhece quando se cruzam. Porquê, se a dona Gracinda detesta meter o nariz onde não é chamada?!
Caros e caras, ontem foi a crise da "bolha imobiliária"; hoje é a crise do "novo coronavírus" e esta é a pergunta sacramental: E amanhã, que crise nos estará reservada? Já pensaram bem? É que, com tantas crises, não vai sobrar um avo para nós, sabeis vós?
Portanto, antes que isto dê de si ou der o berro ou até mesmo para o torto e só nos restar entregar a alma ao Criador sem qualquer proveito, o melhor é dar andamento à coisa ou dar à sola. Mas, antes, é conveniente estarmos bem calçados. Assim, penso que soou a hora de esbanjar. As crises são um sofisma colossal, acreditem! Há muita massa para gastar!"Se hesito, logo existo!", é uma frase que embora muitos julguem que não foi dita por Descartes, pensador compulsivo e com um discurso muito metódico, poderia ter sido dita antes de pensar que existia. Se não a disse é porque hesitou. A única coisa da qual ele não podia duvidar era da própria dúvida e, por consequência, do seu pensamento.
Quanto a mim, é facto que sou uma pessoa muito hesitante e, se hesito, tenho dúvidas. Dúvidas são sempre problemas chatos que surgem à última hora. Presumo que seja isso, não obstante as habituais incertezas persistentes.
Certo, certo, é que já nada me parece certo, ainda que tenha uma vaga noção de já ter lido ou escutado isto em qualquer lado.
À parte estes considerandos de natureza pessoal, dos quais ninguém quer saber, para além de mim, ou não fossem eles de natureza pessoal, penso que me vou decidir, a não ser o ressurgimento de alguma dúvida imprevista.
A talhe de foice, lembrei-me de que, se persisto em duvidar, alguém vai decidir por mim, é sempre assim e sempre assim será através dos tempos. "Per omnia secula seculorum" – para sempre e sempre, segundo o tradutor do Google, que eu de latim pesco zero.
Ora, uma decisão é sempre algo de importância vital porque ou uma coisa ou outra. Ou por outra: não se pode ficar na meia dúvida mesmo que haja engano.
Nesta perspectiva, uma decisão, bem vistas as coisas, são duas e ambas assumem a mesma importância. Assim sendo, é complicado. "Uma maçada!" – parafraseando a minha prima Idalina, uma complicadinha do caraças!
No entanto, se é muito complicado por um lado, por outro também pode facilitar as coisas porque hesitar faz parte de quem tem dúvidas. E se se hesita é porque a dúvida persiste. O mundo seria bestialmente monótono se apenas existisse uma decisão sem hesitação. Valha-me Deus, nem quero pensar nisso!
Escusado será dizer que qualquer tentativa de pesquisa sobre as personagens e acontecimentos aqui narrados, será em vão porque não vem descrita na Wikipédia.
Um dia destes, ao acordar e observar a minha barriga – é a primeira elevação que vejo quando me levanto, sobretudo quando durmo de barriga para o ar – veio-me à ideia escrever qualquer coisa acerca da barriga. De um modo geral, entenda-se.
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