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TRISTE FADO, O DOS POETAS

por João Castro e Brito, em 30.09.21

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Após longa e forçada ausência da Pátria, Fernando resolve retornar a Lisboa na companhia dos manos.

Encorajado por uma anarco-sindicalista irlandesa, de nome Óscar, decide introduzir o modernismo em Portugal e em boa hora o faz porque, graças a esta inovação cultural, obtém uma tença vitalícia do "Presidente-Rei", Sidónio Pais, e o direito inalienável a comer uma sopinha até ao final dos seus dias.
Estabelece-se, então, no Largo do Intendente como astrólogo e tradutor, no que se aborrece supinamente, pois não está vocacionado para isso.
Urge escrever, mas está difícil encontrar a veia poética devido a uma flebite crónica de que padece.
Álvaro, para o abstrair do desassossego em que vive, escreve-lhe cartas de amor a Ophélia Barbosa que Fernando, sempre muito reservado, ama em segredo.
Anos mais tarde e após a tentativa da relação amorosa com Ophélia ter fracassado, abala para Paris onde se envolve com um pintor, um tipo socialmente muito instável, chamado Santa-Rita. Este, por sua vez, deu-lhe a conhecer outro jovem poeta, curiosamente ligado à pesca do bacalhau, um romântico e boémio incurável nas horas vagas, Mário Gomes de Sá.
Porém, continua a negligenciar as suas actividades, tendo, nomeadamente, grande dificuldade em traduzir línguas mortas para línguas vivas por falta de visão e crises, cada vez mais acentuadas, de gota.
Perde dinheiro no casino, entra em falência e tenta fugir aos credores. Todavia, não passa da gare da Estação de Santa Apolónia, pois nem dinheiro lhe resta para o tabaco. Desesperado e à beira da loucura, escreve uma mensagem heróica em cima do joelho enquanto Alberto esfrega um olho.
António Mão de Ferro, editor de uma revista literária de carácter muito vanguardista para a época, cujo nome não recordo agora (pode ser que me lembre mais tarde), e um coração de manteiga, não obstante ser severo, também ele um modernista até ao tutano, concede-lhe uma bolsa de estudo nas tabernas do Cais do Sodré por feliz indicação do Centro Nacional de Cultura.
Por essa altura, Fernando, ainda longe do seu melhor, anima as noites do Grémio Literário, declamando poesia lírica camoniana para uma tertúlia muito restrita de figuras notáveis da intelectualidade alfacinha. Espaço onde também é frequente haver faustosos banquetes e, mesmo, sessões de espiritismo. Entre os habitués destaca-se a presença da fadista Florbela Espanta. A artista não falha uma, como é curial dizer-se.
Atravessa, então, o período mais criativo da sua carreira literária, mas também o mais boémio e dramático. Misantropo desde que sua mãe o abandonara e aos irmãos, à sorte, numa viela da Mouraria, entrega-se aos prazeres solitários num quarto de pensão da Rua dos Prazeres e joga às damas num salão de cabeleireiro ao Jardim dos Prazeres com uma manicura brasileira, Gustava dos Prazeres.
Por essa altura também lhe retiram, injustamente, uma menção honrosa nos primeiros Jogos Florais de Alcabideche por suspeita, que mais tarde se revelou infundada, de plágio de uma estrofe do poeta fascista, António Correia do Olival.
Finalmente, morre em Lisboa em 30 de Novembro de 1935, nos braços de um amigo, por alcunha "o Almada", com cirrose e uma overdose de ansiolíticos; alegadamente, sem fé em Deus.
Certo é que, por coincidência ou obra do destino, exala o último suspiro no ano da morte de Ricardo. Não se sabe, ao certo, se os outros dois irmãos morreram antes ou depois dele, mas, segundo os soalheiros habituais, entre os quais saliento um tal Bernardo que parece ter sido um meio-irmão do poeta, nenhum escapou, nem mesmo o próprio (o Bernardo), carecendo tal afirmação de comprovação oficial.
Actualmente, alguns apaixonados pela sua obra ainda regateiam, aos sábados na Feira da Ladra, as ceroulas, os lenços, as camisas do poeta e, pasme-se, os bilhetes de eléctrico que ele guardava religiosamente! Triste fado o dos poetas... 

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JANTARES EM FAMÍLIA

por João Castro e Brito, em 30.09.21

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Agora que quase todos celebram uma quadra alusiva à paz, ao amor, aos reencontros familiares e, sobretudo, ao nascimento de Jesus (para os cristãos), recordo, aqui, mais uma vez para alguns leitores e leitoras, os saudosos jantares de família da personagem desta estória, como se os estivesse a viver no presente.
Espero que me perdoem a iteração deste texto e de outros que vou publicando por aqui, esquecido de que já os havia publicado. Prossigamos.
Lembro-me, com profunda saudade, como se fossem hoje. Assim, passo a descrevê-los o melhor que a minha memória me permitir:
Vinham todos, inclusive o avô e a avó, muito embora estivessem naquela fase da vida em que alguém tinha de estar sempre atento ao que faziam porque num momento estavam lúcidos e no seguinte desatavam a dizer ou a fazer disparates. É claro que ríamos como riem os netos com os despropósitos dos avós; achávamos piada porque nos revíamos neles.
As datas dos jantares não variavam, eram sempre na altura do Natal ou quando o avô ou a avó faziam anos.
Lembro-me tão bem da azáfama que antecedia um jantar de família:
Era a mãezinha a correr de um lado para o outro, feita barata tonta; a avó arrastando-se pelos cantos da casa, perdendo uma vértebra aqui, um fémur acolá, o avô que deixava cair a prótese dentária e nós a escondê-la: «Eu já disse ao meu pai que tem de ir a um protésico para encher a placa!» – dizia a mãezinha muito ralada e o paizinho que resmungava sempre entre dentes que aqueles jantares tinham de acabar; que a mãezinha já não tinha saúde para os organizar; que era sempre a mesma a chegar-se à frente; que a família da mãezinha era uma cambada de penduras, et cetera. A mãezinha ripostava sempre: «Deixa lá filho, é a única maneira de nos reunirmos!» e outros lugares comuns.
Continuo a lembrar-me como se fosse hoje:
Assim que acordávamos, vestíamo-nos à pressa e corríamos até à cozinha para surripiar alguma guloseima já feita, ou rapar os tachos onde a mãezinha batia as massas dos bolos.
Era sempre um cheirinho a doces que nos enchia de encanto e água na boca. Às vezes, não conseguíamos evitar a bengala da avó nas mãos por via das nossas incursões. Não obstante andar presa por arames, ainda conseguia ser destra no seu manejo, embora correndo o risco de se estatelar no chão por falta de apoio momentâneo.
A poucas horas de se juntarem todos à mesa, enquanto a mãezinha apurava um pouco mais o cabrito e o bacalhau – a assarem no forno – , evitando, ainda, que a avó polvilhasse o arroz doce com pimenta em pó por distracção, a gente passava o tempo a recordar as figuras mais típicas da família e havia uma que, sendo atípica, era motivo de muitas discussões acaloradas e alguns alvitramentos, nomeadamente, do paizinho: o tio de Peniche.
Acabávamos por fazer a pergunta recorrente: quando é que íamos conhecer, finalmente, o tio de Peniche. O paizinho fazia, invariavelmente, a cara do costume: feia como todas as caras feias! Aliás, nem quando estava alegre conseguia pôr uma cara bonita, faça-se-lhe justiça!
Mas, voltando ao tio de Peniche, era uma coisa por demais! Desatava a debitar impropérios, tipo o tio de Peniche era um amigo de Peniche, um safardana, um maltrapilho, um gajo que não tinha onde cair morto e que se entrasse na sua casa pela porta principal, ele – o paizinho – saía pela porta dos fundos e alguns vitupérios que me abstenho de reproduzir por pudor, embora os recorde muito bem como se fossem ditos hoje.
Não percebíamos, na nossa cândida inocência – perdoe-se-me a redundância – , o ou os motivos de tanto rancor ao tio de Peniche. Pensávamos, até, que o tio estava muito doente, daí o facto de nunca poder vir aos jantares em família. Tampouco percebíamos por que é que o paizinho se zangava tanto, assim que era pronunciado o nome do tio de Peniche.
Em boa verdade, o paizinho andava sempre zangado e isso era coisa que também não entendíamos porque, assim que começava a beber, melhorava a olhos vistos. A avó é que estava sempre a dizer à mãezinha:
«Do mal o menos, filha, valham-te os bons vinhos desse desgraçado!».
Não percebíamos o que a avó queria dizer com aquilo, pois o vinho que o paizinho bebia era um "tinto rascante" – segundo as suas palavras – vendido a granel na taberna do senhor Izequiel.
Quem salvava sempre a honra do convento era a mãezinha com as suas infinitas paciência e bondade, sempre a deitar água na fervura, ao mesmo tempo que limpava as mãos ao avental; não sem antes provar para ver se estava bom de sal:
«Pode ser que ele nos faça uma surpresa este ano!» – exclamava a mãezinha em tom reconciliador, perante o olhar reprovador do paizinho.
Afinal, vale sempre a pena ter a família reunida em momentos muito especiais. Penso que seria esse o sentimento da mãezinha, do qual se orgulhava muito, apesar do feitio implicante do paizinho.
Recordo tão bem como se fosse hoje. A família ia chegando, um a um, aos pares, aos trios e por aí adiante, e distribuíam-se beijinhos e abraços com cheiro a sovaco, misturado com água de colónia reles. Distribuíam-se também prendinhas: os habituais rebuçados "paladares" que a tia da Cova da Piedade comprava no barco, umas moeditas de cinco, ou dez tostões para os nossos mealheiros e uma garrafa de aguardente para o paizinho. A mãezinha, que tinha sempre todo o trabalho e todo o prazer de ter a família reunida, nunca recebia fosse o que fosse. Nem um quilinho de farinha Branca de Neve (passe a publicidade)!
Recordo, ainda, como se fosse hoje, que o paizinho ficava logo zonzo e muito alegre ao segundo copo. Chegava a dar palmadinhas carinhosas nas costas da avó – gesto admirável – , sabendo nós como ambos nutriam um ódio de estimação mútuo.
Um dia, já lá vai um bom par de anos, excedeu-se com mimos e deu-lhe uma palmada mais forte. Tiveram de a levar às urgências do São José para lhe recolocarem uma omoplata no sítio.
Os jantares de família eram bem catitas! Recordo-os tão bem, como se fossem hoje. Pena que nunca mais se fizeram desde aquele infeliz incidente provocado pelo avô. Não sabemos o que estaria a pensar quando pegou fogo à casa. Certo é que nos deu algum gozo observar a casa a arder e os esforços da avó, em vão, para tentar salvar o esqueleto. O que nós rimos com aquela cena!
Conquanto os jantares não tivessem acabado após este trágico acontecimento, agora já não há família e jantares sem família deixaram de ter graça.
Decorrido tanto tempo, continuo sem saber se o avô deixara de tomar os comprimidos para a demência ou se se tinha zangado seriamente com a avó...

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AUSTRALOPITECO MARRECO QUADRÚPEDE VERSUS HOMO SAPIENS

por João Castro e Brito, em 30.09.21

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O australopiteco apercebeu-se da maleficência que o Homo sapiens havia feito à civilização e não perdeu a oportunidade para lhe jogar tal facto à cara:

«Escuta aqui, ó palerma: tu que presunçosamente te gabas de utilizar 90 a 109 por cento do Q.I. que herdaste do macaco, teu progenitor, podias ter-lhe dado melhor uso, não achas?»

Apanhado na curva, o Homo sapiens que tinha a perfeita noção da rivalidade existente entre aquela horripilante e estúpida criatura e o seu ancestral antropóide, sentiu ganas de esganar, já ali, o vil mostrengo. Porém, não fosse, naquele estádio, um ser muito complexo e altamente evoluído, não teria refreado os extintos primários adormecidos. Assim, numa atitude de altiva indiferença, a única coisa que lhe saiu, foi:
«Q'é que estavas a grunhir?»
«És, mesmo, um toino! - voltou o néscio com maus modos - Tu que tiveste oportunidades fantásticas de fazer coisas giras e porreiras para a malta, na verdade, fizeste tudo ao contrário e foste inventar tretas como os impostos, taxas, sobretaxas e outras tributações para quê?! És parvo ou fazes-te? Se a malta estava satisfeita até ali; colhia o que queria do jardim da Celeste*; não havia motivo para se preocupar com o IVA e o IRS; não tinha de gramar o primeiro ministro ou o presidente da República a falarem ao mesmo tempo nas televisões generalistas e podia ter as fêmeas que quisesse, por que é que foste regurgitar essas aberrações, pá?!»
«Estás muito enganado, o meu pai nunca cobiçou fêmeas alheias!» - disse o sapiens, pouco refeito da provocação do pitecóide.
«Não percebeste, pois não, sapiens?... O teu pai - chamemos-lhe assim - sofria de disfunção eréctil irreversível, meu! Ora, se ele padecia de tal maleita, como é que foste concebido, se ainda faltam alguns milhões de anos para o advento do poder da concepção virginal por obra e graça do Divino Espírito Santo, diz lá!»
«Desculpa lá, mas o meu pai era um excelente macaco!» - respondeu o sapiens, circunstancialmente.
«Está bem; e o meu era um babuíno bargante! - disse o piteco - Mas é o que tens andado a germinar que está em discussão e não o infeliz acaso de seres filho de pai incógnito. Portanto, passemos à frente. Sabes o que significa hipocrisia?»
«Parece-me que essa palavra ainda não faz parte do meu léxico; vou ter que memorizá-la para não me esquecer.» - disse o sapiens.
«Atrevo-me a dizer-te que não passas de um dissimulado e que sabes perfeitamente o seu significado. Fazes o que te convém, de acordo com as tuas prerrogativas! A sociedade do futuro será um somatório de todas as tuas vicissitudes, inclusive do teu egoísmo. Coisas simples como, por exemplo, o livre arbítrio, não precisam de regulamentos ou de convenções; são um direito universal! Percebeste, meu adunco?»
Sob tão pesado e persuasivo argumento, para mais com tão imaculada prosódia, naquele momento preciso, sapiens passava dramaticamente ao estado de curvilíneo perante a ascensão do australopiteco ao estatuto de bípede racional. É claro que esta mudança não se deu do dia para a noite, mas é só para avançar mais depressa porque a prosa está a ser secante e parece-me que esgotei o repertório. Vou rematar, embora não goste muito deste final:
Então, o piteco, lá do alto dos seus erectos, 1 metro e 52 centímetros, atirava para o fundo da baliza:
«Havia erva da boa; fruta; árvores; peixe; carne; sessões contínuas no Olímpia; o Benfica era Campeão europeu; o Ronaldo marcava uma porrada de golos pela selecção; não tínhamos de levar todos os dias com debates sobre futebol ou com discussões entediantes sobre as operações Marquês, E-toupeira, Cartão Vermelho e outras que tais ou gramar a gajada política de todos os quadrantes a tentar convencer-nos de que o seu partido é que nos vai devolver a felicidade, enfim...»
 
(*) O Jardim Celeste já neste período proto-histórico era um mito. Comprovou-se, através de datação por carbono 14, bastante anterior ao aparecimento da escrita, que o jardim era efectivamente da Celeste.

 

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CORONAVÍRUS

por João Castro e Brito, em 30.09.21

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15 de Março de 2020:

Entro numa farmácia de um conhecido centro comercial a fim de levantar um medicamento que havia encomendado dias antes. Estava pouca gente.
Algo que consideraria invulgar, em condições normais, dado que tem muita afluência.
A farmacêutica que me atendeu, uma moça aparentando estar na casa dos trinta, calçava luvas descartáveis, à semelhança dos restantes funcionários. Disse-me para adquirir tudo o que tinha de adquirir e evitar deslocações desnecessárias: "pela sua saúde e a de todos". Aconselhou-me a fazê-lo, com o ar mais apreensivo deste mundo e, simultaneamente, num tom brando; talvez a reproduzir uma frase que já repetiu tantas vezes nestes últimos dias a alguém, velho e imponderado como eu.
Estava a olhar para um tipo, quiçá, menos preocupado do que ela com o próprio estado de saúde e mais: deveras imprudente; um indivíduo que ainda não tomara consciência do que se estava a passar e que prossegue a uma velocidade célere de contaminação em cadeia. Ainda não há mortes em Portugal, mas, ao ritmo a que se processam os acontecimentos, serão inevitáveis. Gostava de não ter razão...
Penso que, não obstante os exemplos mais marcantes até à data: Itália e Espanha, ainda não estamos bem acordados do choque brutal e da drástica mudança de hábitos a que esta nova e trágica realidade nos vai sujeitar, porventura, durante tempo incalculável. É a nossa estúpida e persistente atitude de pensarmos que só acontece aos outros...
Ontem estava menos preocupado, mas hoje fiquei com a impressão de que levei uma enorme bofetada; talvez, para acordar da apatia. Foi, certamente, a "bofetada" afectuosa da farmacêutica que me atendeu...
Vou seguir religiosamente o seu conselho, pois não quero morrer já.
Espero, ainda, ter o prazer de continuar na companhia de quem me é caro até ao resto dos anos que me faltam para embarcar.
A vida também é feita de imponderáveis e este parece ser um dos mais terríveis de sempre que nos está a apoquentar.
Já não há gente viva para relatar o que foi a "pneumónica", mas deve ter sido, seguramente, a pior de todas as pandemias. Até hoje...

29 de Setembro de 2021:
E eis-nos aqui, os, até à data, sobreviventes desta coisa, passado mais de um ano sobre o seu primeiro surto em Portugal. Aparentemente, já não estamos dependentes de factores como a capacidade do SNS em vacinar o maior número possível de pessoas para se atingir a tal "imunidade de grupo". Acho que esse objectivo indispensável foi atingido. Agora só falta não neglicenciar o comportamento social para não deitar por terra tudo o que foi feito com diligência e sacrifício pelos nossos profissionais de saúde.

Seria injusto se não deixasse, também, uma nota de reconhecimento aos responsáveis políticos, DGS e, especialmente, ao pessoal da "task force" da vacinação sob o comando do Vice-Almirante Gouveia e Melo. Bem hajam!

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MARIA, UMA MULHER MODERNA PARA O SEU TEMPO

por João Castro e Brito, em 29.09.21

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Pode ter sido uma mulher moderna para aquele tempo. Se calhar, fora de tempo. Jamais se saberá ou, quiçá, a seu tempo. Contudo, já ninguém é vivo para testemunhar se teria valido a pena ter sido uma mulher daquele tempo. Perante estas conjecturas não é difícil imaginar que tivesse existido uma mulher moderna para o seu tempo.

1 de Abril de 1911:
As pessoas do meu tempo acham que sou uma mulher sem qualquer obrigação moral.
Coisas mundanas como fumar um cigarro, entrar no Martinho da Arcada, sentar-me na mesa do Nandinho sem ser convidada, descobrir as pernas, ao de leve, acima dos joelhos para os olhares desejosos dos homens, o que é que estes gestos têm de mais?
Que culpa tenho de ter um corpo escandalosamente bonito? A minha avó habituara-me a apreciar as coisas boas da vida desde que a estavanada da minha mãe fugira com um caixeiro-viajante.
Mas o que mais incomoda esta gente serôdia, nomeadamente os homens, é o facto de ter escrito acerca de algo tão normal como o sexo.
A sexualidade não é uma característica exclusiva dos homens. E se eles têm a veleidade de conquistar todas as mulheres que se lhes atravessam no caminho, a elas cabe o direito de responder com o mesmo capricho.
Chocou às mentalidades broncas, é claro! Sobretudo àquelas que pensam que nós somos burras e, por conseguinte, temos de ser fiéis, tolerantes, obedientes e outros cândidos atributos. Porém, esquecem-se que, lá em casa, as suas mulheres também podem ter, secretamente, desejos lúbricos em relação a outros homens. Sobretudo, quando eles não dão uma para a caixa.
Consta que um tal Barbosa, um dos mais obstinados moralistas do meu tempo, fulano de porte mediano, aparentemente austero, grande frequentador de lupanares - segundo conta o mentideiro ocioso da burguesia alfacinha - , anda a fazer apostas com amigos, garantindo-lhes que não vai descansar enquanto não partilhar os meus lençóis. O objectivo do marialva é provar à agremiação de cretinos, de que faz parte, que mulher que se deite com ele não vai desejar dormir com outros homens...

25 de Abril de 1911:
No final do dia deste esplendoroso mês a cheirar a cravos, entrei no Martinho para tomar a minha bica em chávena escaldada, como o faço habitualmente, e lá os encontrei mais o Barbosa. Cumprimentei-os e foram de um polimento extremo, direi mesmo excessivo. Contudo não se coibiram de me assestarem olhares gulosos no decote. Bem, confesso que é difícil a um homem de bom gosto desviar os olhos de um decote generoso. Desta feita aprimorei-me.
Sentei-me no lugarzinho cativo do Nandinho, filei o Barbosa e atirei-lhe de chofre: «O que faz você para estar cada vez mais borracho?». Vermelho e balbuciante, com gotículas de suor no beiço superior, embora estivesse um final de tarde fresco, continuei: «com uma carinha tão bonita, tão bem escanhoada e com uma atitude tão máscula, palpita-me que também deve ter argumentos capazes de satisfazer a mulher mais exigente...».
Pedi-lhe para desabotoar apenas dois botões da sua camisa de linho a fim de verificar se tinha cabelos no peito, pois - expliquei bem alto para que todos ouvissem - «é algo que aprecio particularmente». Certificado o facto de os ter, embora pouco densos, convidei-o para me acompanhar a casa, pois tinha algo interessante que gostava de compartilhar com ele. Embaraçado perante a risota geral e não querendo dar parte de fraco, decidiu-se a aceder ao meu pedido e lá fomos.
No primeiro lance de escadas atirei-me a ele que nem uma loba e beijei-o sofregamente na boca, pedindo-lhe que me desculpasse o impulso, mas era algo que eu desejava fazer há muito tempo, só que ainda não tinha surgido a oportunidade.
Conduzi-o, sem mais delongas, escadas acima até ao apartamento e, já no quarto, empurrei-o para cima da cama, abri-lhe a camisa, devorei-o com beijos loucos e, enfim, nu. Elogiei-lhe o corpo para o pôr à vontade, afaguei-o, sussurrei-lhe palavras que não ouso publicar aqui, pedi-lhe que se entregasse todo aos meus ímpetos até à saciedade. Jurei-lhe, por todos os santinhos, que nada passaria daquelas quatro paredes.
 
26 de Abril de 1911:
Apesar de todos os meus esforços, o Barbosa foi uma decepção: o homem não tem ponta por onde se pegue e, claro, senti-me, naturalmente, desencantada.

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SERVIÇO DE URGÊNCIA

por João Castro e Brito, em 28.09.21

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23H45 do dia 03 de Setembro de 2008:
Entro no serviço de urgência do hospital com um homem visivelmente debilitado. Sofre de náuseas, vertigens e uma pressão inusitada na cabeça e nos ouvidos.
Peço uma cadeira de rodas para o sentar, ao que prontamente dois seguranças correspondem. Sinto-me impotente para lhe aliviar o sofrimento.
Não demorou muito a ser atendido na triagem: de que é que se queixa, as drogas que toma, desde quando é que se sente assim, medição da tensão arterial, enfim, os procedimentos habituais em idênticas circunstâncias, presumo.
Não é a primeira vez que corro com ele para as urgências e penso que não há-de ser a última, se bem que, quando para lá caminho, fique com a impressão de que já de lá não sai. A idade não perdoa estas "recaídas"...
«É familiar?»
«Sim, sou filho!»...
Acompanho-o, colam-me a etiqueta de acompanhante. Vai para a observação...
Um corredor, várias salas, macas com doentes, macas vazias, cadeiras de rodas e o cheiro característico a ar condicionado misturado com formol. Qualquer odor, bom ou mau, comunica-nos sempre algo. Os odores enviam mensagens óbvias em diversas circunstâncias; noutras requerem descodificação. Os cheiros de um hospital, causam-me invariavelmente desconforto. Talvez, resultado de uma experiência menos boa, em ambiente hospitalar, quando era criança. Curiosamente, ficaram-me fragmentos, nada agradáveis, dum episódio da minha infância...
Um sujeito, provavelmente a ressacar da sua toxicodependência, lança impropérios e pede desesperadamente a alguém que lhe dê uma "injecção". Algo que eu reclamaria, agora, a todos os santinhos, com a intranquilidade própria de quem quer a todo o transe alguma coisa para aliviar o tormento do homem a seu lado.
Perpassam-me ideias confusas, algumas absurdas. São as pessoas; os olhares; o estado de sofrimento e ansiedade de meu pai; os gemidos aqui e ali; o vai e vem dos médicos e enfermeiros; a mulher sentada numa cadeira de rodas que me pergunta se sou filho daquele senhor e que me diz estar ali, vai para muitas horas; que é de longe e está sozinha; que quer ir para casa e algo mais que balbuceia...
Uma auxiliar de enfermagem está quase a ficar passada com a cena do homenzinho presumivelmente ressacado; lê-se no seu olhar reprovador. Vocifera qualquer coisa entre dentes a que não presto muita atenção, tão imerso que estou na situação do meu pai.
Um homem andrajoso, com farta e suja cabeleira, passeia-se tranquilamente entre o corredor e as salas de observação. Pelo aspecto, estou certo de que não pertence aos quadros do hospital. Nem sei que raio de estatuto possa ser o seu, para deambular por ali. Entretém-se a devorar iogurtes, supostamente postos à disposição dos doentes e funcionários de serviço às urgências durante a noite. O tempo passa...
 
2H45 do dia 4 de Setembro de 2008:
Meu pai continua a desesperar na maldita cadeira de rodas. Não sente os pés, os braços pesam-lhe, ameaça bolçar o vazio que lhe resta no estômago, a cabeça rebenta-lhe, geme, adormece e volta a gemer. As queixas recorrentes. Uma médica, sorridente, olha-me nos olhos, pergunta-me há quanto tempo ali estamos, mira-me o autocolante, está lá indicada a hora de acesso às urgências:
«Estamos aqui há 3 horas, doutora!» – e ela sorridente; um sorriso cansado, aliás. Por isso não suficiente para me tranquilizar.
«Só 3 horas?!» – Olha para outro doente, o mesmo gesto, o mesmo sorriso, manda-o entrar, está lá há mais tempo para ser observado.
Uma acompanhante de outro doente, admirada com o facto de eu ter referido que estava ali há 3 horas, ironiza baixinho:
«E nós estamos aqui há 10!»
Pois é, esta história de clínicos tarefeiros, pagos à hora, dá maus resultados: é preciso que as horas de turno se esgotem, sem grandes sobressaltos – João Semana é um mito...
O homem andrajoso passa ao nosso lado e deixa um rasto fétido. Tira mais dois iogurtes, enfia um num bolso das calças e o outro espreme-o alarvemente para dentro da goela. Entra numa sala, conversa com um doutor e sai por outra.
O eventual toxicodependente vomita gritos intermitentes de agonia, agride verbalmente todos a torto e a direito e passeia-se numa cadeira de rodas, impedindo a circulação das macas com doentes. A tal auxiliar de enfermagem afasta-o do caminho, atira-lhe ameaças vãs e as horas continuam a passar...
 
3h30:
O meu pai é chamado:
«De que se queixa?»
«Sofre disto, daquilo e daqueloutro»
Análises ao sangue, ECG, RX ao tórax e não sei que mais. Outra espera interminável. Após o ECG:
«Senhor fulano então, sente-se melhor?»
«Qual quê, são os noventa anos, sabe?... Que rica maneira de festejar a minha data de aniversário!»
«Faz 90 anos hoje?!...Ah, nem parece! Parabéns, senhor!»
«Obrigado, mas preferia não padecer desta aflição!»...
Dificilmente, consigo permanecer lúcido a esta hora da noite...
 
4H00:
Vou lá fora ao guiché das urgências, peço por obséquio para me trocarem uma nota de 5 euros. Preciso de tomar um café ou dois. A maquineta, ali, à mão de semear, um café que me restitua a espertina, me reponha alguma energia. Indiferente, a funcionária responde-me que não tem trocado. Uma miragem, o meu café; que raio de solidariedade!...
Regresso para junto do meu pai, mais uma espera infinita. Dormita e acorda com a mesma pergunta ao longo destas horas:
«Quando é que sou visto pelo médico?»
«Não tarda, pai, não tarda...»
RX ao tórax...mais uma espera. Um fulano esvai-se em sangue, supostamente do baixo ventre. Levanta-se do seu lugar e vai aos lavabos. Na cadeira um jornal tingido de vermelho, empapado. Impróprio para mentes fracas. Não para a minha, que jaz meio entorpecida a estas horas...
 
4H30, por aí:
O resultado dos exames tarda. Aguardamos no corredor...Entre o dormitar e o sobressalto, o meu pai solta:
«Diz-lhes que o mal está dentro da minha cabeça; dos meus ouvidos! De nada me servem esses exames! Sinto-me muito mal, mesmo, sinto a cabeça rebentar, o meu corpo pesa que nem chumbo!»
«Acalme-se, pai, vamos lá!»
Piorou! A ansiedade parece ter atingido o ponto de ruptura; digo a um enfermeiro que o meu pai não está nada bem, o enfermeiro diz à médica que o meu pai está com mau aspecto, a doutora ordena que o deitem numa maca: soro, fios ligados ao peito e algo injectável para o acalmar...
Novo ECG para confrontar medições, a médica suspeita de enfarte, suspeita que não se confirma, após nova medição...
 
5H30, mais ou menos :
Meu pai dormita e acorda, diz-me para lhe pôr a cabeceira da maca mais elevada. Está mais sereno, com melhor cor. A médica está a acabar o turno de serviço e passa a bola a outro colega. Diz-me:
«O seu pai vai melhorar. Ele tem muito miminho não tem?»
Anuo, com alguma dificuldade em aceitar a evidência. O meu pai fica muito nervoso quando tudo lhe corre mal. Pensa que vai morrer. É o seu temperamento, a sua maldita idiossincrasia, face à mais ténue contrariedade.
O médico substituto lê o resultado dos exames e diz-me que está tudo bem. Receita uns comprimidos e deseja as melhoras. Tem a certeza de que tudo aquilo não passou de um susto. Aconselha repouso absoluto.
 
7H00:
Saímos do hospital. Passamos pela mulherzinha solitária. Vai apanhar o autocarro.
Do presumível toxicodependente nem rasto.
Está uma manhã de chuva morrinhenta e um pouco fria. Saímos daquele purgatório, esgotados por razões diferentes.
Aconteceu no serviço de urgência do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca.

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O HOMEM MAU

por João Castro e Brito, em 28.09.21

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Um homem mau pega num telemóvel e digita um número. Alguém atende:
Homem mau:
- «Boa noite, daqui fala um homem mau e estou-lhe a ligar só para o informar de que acabei de matar a sua esposa.»
Do outro lado:
- «O quê, como disse?!...Quem fala?»
Homem mau:
- «Parece-me que fui bem claro! Sou um homem mau e assassinei a sua mulher há minutos!»
Do outro lado:
- «E foi onde?»
Homem mau:
- «Foi em sua casa.»
Do outro lado:
«E como foi?»
Homem mau:
- «Matei-a com uma dúzia de facadas.»
Do outro lado:
- «Sangrou muito?»
Homem mau:
- «Um bocadinho, fiquei todo salpicado!»
Do outro lado:
- «E a alcatifa?»
Homem mau:
- «Ficou toda ensanguentada, o que é que esperava?!»
Do outro lado:
- «Você faz ideia de quanto me custou a merda da alcatifa?»
Homem mau:
- «Lá por isso eu pago-lhe a limpeza da alcatifa; não é preciso ficar para aí todo abespinhado, homem!»
Do outro lado:
- «Sempre ajuda! Se pensa que tenho para aqui uma árvore das patacas, desengane-se!»
Segue-se um curto momento de pausa no diálogo, talvez um ou dois minutos, se tanto, e o homem mau prossegue:
- «Pensando melhor: não acha que é falta de coerência ser eu a pagar, depois de lhe ter comunicado o homicídio da sua esposa?»
Do outro lado:
- «E você ainda acredita na racionalidade das coisas? Não repara no que se passa à sua volta, mais a mais, confessando ser um homem mau? Fico com a clara impressão de que não passa de um amador!»
Homem mau:
- «Visto desse ângulo... e quanto ao amadorismo, deixe-me dizer-lhe que tenho boas referências e – claro – estou credenciado para o efeito!»
Do outro lado:
- «Com tão excelentes alusões, ao menos podia ter usado uma pistola com silenciador. Teria sido uma morte mais limpa e rápida e escusava de acordar a vizinhança; ela deve ter gritado bastante, coitadinha! Não sou especialista, mas presumo que bastava apontar-lhe directamente ao coração e teria evitado a porcaria e, quiçá, o sofrimento que causou!»
Homem mau:
- «De facto, desta vez, não me esmerei. No entanto, deixe que lhe diga que, habitualmente, não uso armas de fogo; e não dramatizemos tanto esta estória porque a sua consorte, afinal, só gritou um bocadinho, não foi nada de especial, fique sossegado.
No entanto, queira aceitar, desde já, as minhas mais sinceras desculpas e aproveito o ensejo para lhe manifestar o meu mais profundo pesar e solidariedade perante tão trágica ocorrência.
Ah, e como quer que lhe pague a limpeza da alcatifa? Aceita transferência bancária ou pago-lhe em numerário?»

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O REGRESSO

por João Castro e Brito, em 28.09.21

o regresso4.jpeg

- «Passas o dia agarrado à porcaria do telemóvel; faltas às aulas; não levas o cão à rua; não pegas num livro e não arrumas o teu quarto! - bradava-lhe a mãe, desesperada - Garanto-te que não vais continuar na boa-vai-ela, foi a gota d'água! Quando o teu pai chegar a casa, vais entender-te com ele, ouviste?»

O pai chegou, zangadíssimo com a puta da vida e com o trabalho duro mal remunerado: uma merda de salário que quase não dava para o tabaco. Pior do que isso, e por consequência, eram as idas cada vez menos frequentes, ao estádio do seu "glorioso"; isso é que o magoava sobremaneira.
Com a mulher aos berros a fazer queixas do rapaz, as coisas descontrolaram-se e o homem não esteve com meias medidas: entrou de supetão no quarto do puto e pregou-lhe uma cabeçada, mesmo no meio da testa, que o deixou meio zonzo.
Recomposto, apesar de vacilar ligeiramente, o jovem replicou pronta e eficazmente com um "uppercut", com salto mortal à retaguarda, e rematando com um excelente pontapé lateral, com a parte externa do pé, que pôs o paizinho a ver estrelas, planetas e cometas, não obstante estar uma noite de nevoeiro cerrado.
Sacana do fedelho, desde que trocara a catequese pelo "kickboxing", até parecia que se sentia mais desinibido!

- Quando tocou a campainha, os amantes, bestialmente frustrados por via do coito interrompido (não confundir com o método anticoncepcional do coito interrompido), mas também dominados pelo terror, estremeceram sob os lençóis: 

«Meu Deus, Pedro, quem será a esta hora!? Ai, Pedro que desgraça a nossa!» - Exclamou ela que até era casada com Pedro. 
A tradição anedótica faz-nos tirar ilações precipitadas. Penso que é um defeito cultural. Se não for, olhem, que se lixe!

- E eis-me regressado a uma coisa de que gosto muito: a "criatividade literária". Este é o meu segundo blogue. O anterior "jaz morto e arrefece". Espero que desfrutem, senão, olhem, "desculpem qualquer coisinha!"

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