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Criei este blogue com a ideia de o rechear com estórias rutilantes, ainda que às vezes embaciadas. Penso que são escritas sagazes e transparentes, embora com reservas e alguma indecência à mistura. No entanto, honestas.
É um creme muito suave, de eficácia comprovada e de fácil aplicação, cujas propriedades são capazes de eliminar definitivamente quaisquer indícios de infecções associadas ao uso inadequado do ânus e recto e também muito útil no alívio de crises de almorreima e fissuras anais.
Descoberto há uns anos e só agora patenteado, vai ser posto brevemente à venda em farmácias. O seu inventor, que insistiu em manter o anonimato, o doutor Santinho, criou este fármaco surpreendente, após muitos anos de aturada investigação.
O novo produto foi testado directamente em seres humanos, pois não se conhecem, pelo menos até à data, cobaias que sofram de hemorroidal ou casos significativos de cópula anal entre estes curiosos bichinhos.
O doutor Santinho, tal como é conhecido entre os seus pacientes habituais, também eles insistindo em manter o anonimato, optou pela utilização de processos naturais, na sua longa investigação, testando o seu creme exclusivamente em voluntários. Presume-se que houve alguns sapadores infiltrados: as ovelhas ranhosas do costume, claro.
"As propriedades do meu unguento - disse o doutor Santinho em conferência de imprensa - são tantas e tão poucas que não hesito em afirmar que ele devia fazer parte, e com efeitos 'rectoactivos', da lista de medicamentos comparticipáveis pelo Serviço Nacional de Saúde."
Para quem não sabe, o doutor Santinho vive numa aldeiazinha algarvia, numa tapada muito humilde a que deu o nome de Tapada da Coelheira. Isto porque, para além da actividade que é motivo deste artigo, o senhor também cria coelhos.
Confessou que, desde que começou a dedicar-se aos coelhinhos, nunca desistiu de aperfeiçoar o dom que Deus lhe deu e de o repartir por quem mais necessita, como um bom samaritano, como faz questão de se arrogar.
O doutor Santinho adiantou que a constituição do seu lenimento medicinal não tem qualquer segredo que transcenda a compreensão humana, até porque foi uma descoberta empírica, a qual tem bastante dificuldade em explicar, senão deixava de ser empírica como é óbvio. No entanto, depois dos testes, necessários, efectuados no Instituto Ricardo Borges e a necessária aprovação do INFARCREME, "não há razão para adiar a sua comercialização" - disse.
"É remédio santo!" - Foi com esta frase que um dos muitos pacientes que formam bicha, todos os dias, junto ao portão da tapada, faça sol ou faça chuva, resumiu os efeitos do milagroso creme.
"O doutor Santinho é um santo! - Observou, reconhecido, outro paciente, José Fagundes Pisco que preferiu manter o anonimato - a gente dá o que pode, sei lá, um presunto, uns franguinhos, mel, vinho, pão, queijo, azeite, um ou outro borrego, um cabrito, enfim, a mais não se é obrigado, n'é?" - Foi a resposta quase unânime relativamente ao custo dos tratamentos.
"Há mais de 6 anos que venho ao doutor Santinho fazer tratamentos e hoje estou muito melhor, até tenho um andar novo e tudo, graças a Deus!» - Disse uma paciente, abençoada pelo maravilhoso creme do doutor.
"Andei a tomar supositórios Taveirola durante tanto tempo, sem resultados manifestos, e este creme, meu Deus, é uma maravilha, o doutor Santinho há-de ir para Céu!" - Exclamou, visivelmente satisfeita, outra paciente, Graciete Epitáfio da Silva que também preferiu manter o anonimato.
Após alguma insistência, o doutor Santinho lá foi revelando alguns dos ingredientes que utilizou para chegar a este maravilhoso resultado alquímico capaz de operar milagres: pezinhos de salsa, pezinhos de hortelã, pezinhos de leitão de coentrada, pezinhos de porco, pezinhos de algodão e patinhas de rã. O doutor Santinho pensa que foi este último ingrediente que desencadeou a reacção química em cadeia, por muito paradoxal que pareça.
"O último elemento é que não vou revelar, senão ainda aparecem para aí uns macaquinhos de imitação, como devem compreender. Demais a mais, há anos que anda para aí um gajo meio maluco que se diz padre, um tal Amaro, a espalhar o boato de que o creme é dele e a ameaçar-me de morte. Empírico, empírico, mas cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal! Vocês, jornalistas, sois uns tipos porreiros, mas não me comprometam, está bem? Pensem num slogan assim:
Esqueça os prolapsos e as tromboses hemorroidais, os papilomavírus humanos e as hemorragias anais. Se o resto é prazer, o creme do doutor Santinho é o Guronsan (passe a publicidade) do seu rabinho!"
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