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Criei este blogue com a ideia de o rechear com estórias rutilantes, ainda que às vezes embaciadas. Penso que são escritas sagazes e transparentes, embora com reservas e alguma indecência à mistura. No entanto, honestas.
11 de Janeiro de 2017:
É, no mínimo, curioso o número de voltas que um gajo dá, até descobrir a utilidade das coisas!
É evidente que a minha pobre memória já não é a mesma desde que... olhem, varreu-se-me!
A título de exemplo, hoje, vasculhei as gavetas de uma caixa de tamanho médio existente aqui, neste espaço onde presumo que durmo, mesmo ao lado de uma abertura que dá para um espaço que confina com outras aberturas pelas quais penso que ainda não me aventurei. Lá chegarei, se Deus quiser.
Assim, voltando à tal caixa de tamanho médio existente aqui, onde presumo que durmo, mesmo ao lado da tal abertura – vou chamar-lhe candeeiro e vou ver se não me esqueço – , vasculhei as gavetas, como penso que fiz, e observei uns pacotes misturados com outros objectos. Num dos pacotes, já aberto, descobri umas coisas cilíndricas e moles, com revestimento de papel de cor branca, lado a lado, só faltando, aparentemente, uma, ou duas. Tentei tirar uma com a ponta dos dedos, mas foi preciso virar o pacote ao contrário e bater com ele várias vezes na ponta do dedo indicador esquerdo (sou destro) para, finalmente, puxar uma que se partiu ao meio e, ao partir-se, fiquei com um bocado de uma substância castanha presa entre os dedos; por sinal com um cheiro agradável, embora não consiga associá-lo a qualquer cheiro parecido.
Fiquei tão excitado com a descoberta que corri imediatamente para a abertura que dá para o espaço que confina com outras aberturas, mas, receoso, refreei o impulso para não me desorientar.
Finalmente, já o sol se tinha posto na linha do horizonte, decidi deitar-me na carpete para descansar das primeiras emoções. Tinha sido um dia pródigo em novas sensações, algumas um bocado bizarras, diga-se em abono da verdade.
Amanhã, se Deus quiser, vou tentar descobrir para que serve uma coisa branca, circular e ligeiramente côncava que encontrei em cima da caixa de tamanho médio. De manhã, inadvertidamente, deixei que me escorregasse das mãos e quase que se escaqueirou no chão; ainda se lascou um bocadinho, coisa sem importância.
10 de Julho de 2017:
Despertei mais cedo do que é costume, decidido a pôr tudo em pratos limpos, não obstante desconhecer o significado desta expressão, e tudo o que consegui foi um punhado de contratempos.
Levantei-me cheio de dores nas costas e com uma vontade enorme de urinar. Decidido, caminhei dois passos até à abertura que dá para o espaço que confina com outras aberturas. A necessidade aguça o engenho e era urgente. Por isso não havia tempo a perder e eu carecia de verter águas. Ainda, sem passar para além da dita abertura, senti-me húmido e quente nas partes baixas e pensei que era natural sentir-me aliviado porque alguém tinha tido o cuidado de me limpar, após o alívio. Pareceu-me ter sido uma senhora que não consegui identificar, mas cuja cara me é familiar. Satisfeito, tornei a deitar-me na carpete.
5 de Agosto de 2017:
Raios partam a puta da memória! Agora não sei o que é uma carpete, mas descobri, finalmente, que a substância dos tais cilindros serve para fumar e fiquei muito contente com a descoberta. De tal modo que meti logo uma mão cheia deles, de uma assentada, na boca e acendi um fósforo! Tossi tanto que cuspi a prótese dentária que pensava ter engolido há séculos. De repente começou a chover sem razão aparente; até porque, lá fora, fazia um dia bonito e cheio de sol e esta incoerência do tempo deixou-me um bocadinho perturbado.
Momentos depois, pareceu-me escutar um burburinho e um som parecido com o de uma sirene e vi uns sujeitos de porte atlético irromperem por ali adentro, seguidos pela tal senhora cuja cara não me era estranha. Lembrei-me, naquele preciso momento, que era a minha esposa. Dois, avançaram para mim com caras de poucos amigos: um trazendo debaixo do braço uma espécie de camisa ou colete – não sei precisar porque foi tudo muito rápido – e outro segurando firmemente, numa das mãos, uma coisa parecida com um tubo transparente, contendo um êmbolo e uma agulha na ponta. Ao todo eram uns quatro ou cinco e todos vestiam batas brancas. Ironicamente, antes de adormecer sem perceber como nem porquê, ainda tive tempo para me perguntar para que seriam necessários tantos, para segurar uma pessoa tão franzina e sorri a pensar que tudo isto era um sonho mau e que ia acordar no momento seguinte.
20 de Novembro de 2017:
Devia estar desesperado, pois a minha memória não experimenta melhorias significativas, mas que se lixe! Parece que me estou a habituar a passar mais tempo metido na tal camisa ou colete que referi há tempo. Hoje enfiaram-me montes de "M&M's" pela goela abaixo. Não sabiam a chocolate, mas achei muita piada ao colorido e, pelo menos, acalmaram-me. Fiquei sem saber se a substância castanha dos tais cilindros moles, para além de causar muita tosse e servir efectivamente para fumar, é boa para a saúde. Tampouco tenho a certeza da sua existência e ainda não descobri se, para além da abertura que dá para o espaço que confina com outras aberturas, existem outros espaços ou se, afinal, isto é um pesadelo do qual é impossível despertar. Contudo, essa ideia fixa deixou de ser relevante porque, pelo aspecto do novo espaço, tenho a sensação agradável de que mudei de sítio.
Uma coisa é certa: pelo menos trocaram-me a carpete e, por sinal, esta não range tanto. Agora, já não sinto tantas dores de costas ao acordar.
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