Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Criei este blogue com a ideia de o rechear com estórias rutilantes, ainda que às vezes embaciadas. Penso que são escritas sagazes e transparentes, embora com reservas e alguma indecência à mistura. No entanto, honestas.
Acto 1:
A República tem exercido em mim, desde que me conheço, um enorme fascínio. Isto, só para não dizer encantamento que é a mesma coisa.
Fascínio pela figura sensual, pelas maminhas empinadas e por aquele lindo barrete enfiado na cabeça. Um "tesão", parafraseando aquele cara lá do outro lado do Atlântico, cujo nome não me ocorre.
Tenho-a venerado que nem um louco em fotografias, xilografias, litografias, fantasias, desenhos, bustos de gesso e até em voluptuosos sonhos nocturnos que me escuso de descrever por uma questão de decência. Porém, por muitos e infelizes acasos, nunca tive oportunidade de a conhecer em carne e osso. Penso que tem sido a grande falha e o grande drama da minha pobre existência. Sim, sem ela sou o mais pobre dos pobres!
Amo-a desde pequenino. Acima de tudo e por amor a ela tornei-me a mais desgraçada e solitária das criaturas ao cimo da terra. Sem a República a vida não tem sentido; tudo se torna indigno da minha devoção.
Debalde (não confundir com de balde, até porque não se enquadra neste contexto), perdi dias, meses e anos a fio, à procura daquela que tinha eleito como a rainha do meu coração e, afinal, em vão (era chato repetir debalde).
Acto 2:
Oh, minha amada República! Estou convicto de que se soubesses a pureza dos meus sentimentos e das minhas intenções, render-te-ias a esta paixão avassaladora, fofinha!
Esta coisa é "fogo que arde sem se ver" e consome-me as entranhas do ser mais profundo, pois se "fora" possível iria mais fundo! Oh, senhores, o amor não correspondido é uma coisa muito aborrecida (estavam à espera que eu escrevesse uma asneira, n'era? Eu não sou o MEC!)!
Há dias, minha paixão assolapada, mirei-te numa capa de livrinho, gasto pelo tempo, exposta numa vitrina suja de um alfarrabista da baixa e o meu coração parecia que me ia saltar do peito. Estavas insuportavelmente linda, alta, a atirar para o cheiinho - como gosto - , num deslumbrante desnudamento e num arrebatamento tão natural na tua condição de pátria involuntária. Sim, porque não tiveste culpa de teres sido escolhida em pretérito da outra! Aconteceu porque sim e tu foste na onda.
Também foi lindo ver hastear a nossa bandeira nos Paços do Concelho, no teu dia de aniversário em 2012, ainda que ao contrário. Compreensível, num dia tão inesquecível...
Assentava-te tão bem o escudo armilar (oh, meu Deus, o escudo armilar, que excitante!) numa mão e a lança na outra que até já foi em África. Ai, como desejei ser vitrinário naquele momento! Só Deus sabe, a despeito do meu cepticismo...
Mais te amei naquela parcela tão diminuta de tempo e beijei a montra feito um insano, indiferente a quem passava.
De pronto, parti no teu encalço, não obstante gostares de andar descalça, minha gazela doce e paradoxalmente selvagem.
Regressei tal como parti: triste e desiludido, embora, à partida, ainda me restasse uma centelha de esperança.
Percebi que me evitavas, quiçá, por usar óculos ou não ser alto e consistente como tu.
Porém, amor, se pensas que vou manter esta toada de sofrimento, bem podes tirar o cavalinho da chuva! O tempo tudo cura, mesmo que este coração, agora, sangre abundantemente por ter ficado preso aos teus encantos.
Não julgues que me derrubas por via de um amor não correspondido, querida República! Pelo contrário, dás-me cá uma risota! É tão bom ser-se assim tão idiota. É bué giro ser-se um parvo chapado, gargalhar alarvemente, mas é raiva certamente, porque te sou indiferente.
Sou tão míope que não sei o que vejo em ti! Se fizesses um esforço, podias ver que não sou tão xarope e parvinho de todo e até podia chegar-te aos calcanhares com uns sapatos de tacão alto!
Prometo que te esqueço e vou para outra mulher, quiçá a Monarquia que, apesar de poeirenta e cheirar muito a mofo, ainda é capaz de romper meias-solas. É só falar com o Dom Duarte que é mais Pio do que tu. Ou tu julgas que isto é uma república?!
Acto 3 (se calhar, epílogo soava melhor, mas que se lixe!):
"Ai de mim, mas de (ti) ai, que eu morrendo, (não) entendo" (com a devida vénia ao porreiraço do meu amigo, Luís Vaz).
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.