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AVOZINHO

por João Castro e Brito, em 09.11.15

avozinho, avozinho!.jpg

«Avozinho!»
«Diga lá, menino!»
«O avozinho tem de dar bolinhas de naftalina ao Rex!»
«Bolinhas de naftalina?! Coitadinho do cão! Ganhe juízo, menino!»
«Ó avozinho, mas o Rex está cheiinho de fome e não há ossinhos cá em casa, avozinho!»
«Valha-lhe Deus, menino! Então, não sabe que a naftalina é venenosa e o Rex pode morrer?»
«Ó avozinho, mas o avozinho costuma pôr bolinhas de naftalina em todas as gavetas cá de casa, avozinho!»
«Ó menino, mas isso é para as traças, alminha de Deus!»
«Pois é, avozinho; e olhe que o Rex anda cá c'uma daquelas traças que não sei se lhe diga!»
«Avozinho!»
«Que é agora, menino?»
«O que é "estar na cauda", avozinho?»
«Estar na cauda é estar atrás, no fim ou na retaguarda, menino!»
«Ó avozinho... e "estar na cara", avozinho?»
«Estar na cara é o mesmo que constatar, indubitavelmente, um facto, menino!»
«Ó avozinho, então, uma frase como: "Está na cara que Portugal está na cauda da Europa", faz todo o sentido, n'é, avozinho?»
«Ó menino, com tiradas dessas a gente nunca vai entrar no clube dos países ricos!»
«Ó avozinho, nem mesmo como "membros posteriores", avozinho?»

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CARTAS DE AMOR DE SÓROR MARIANE ALCUFURADO

por João Castro e Brito, em 08.11.15

cartas portuguesas.jpg

Para quem desconhece uma das nossas mais belas e pungentes histórias de amor, talvez seja importante introduzir aqui uma breve nota explicativa, visto que se trata de uma obra que reúne seis de cinco cartas de amor (é obra!), não se sabe se verdadeiras. Todavia, garanto sem qualquer certificado de garantia que a que tenho o privilégio e o prazer de publicar é uma das cartas originais.
São cartas de uma jovem portuguesa de há uns séculos (pesquise na wikipédia, se faz favor), que se tornou freira, dirigidas ao seu dilecto amado que, por amor ao seu rei (Luís XIV de França), a abandonou para assentar praça na Legião Estrangeira, como penso que é do conhecimento geral.
Às pessoas interessadas na sua leitura integral, devo salientar que toda a obra, sem excepção, tem um conteúdo deveras pesado e, por consequência, de difícil digestão. Daí que achei por bem não publicar tudo, mas, tão-somente, uma carta que afinal acabaria por ser a seis de cinco. Esta última em papel ph azul tornesol que é lindo e muda de cor sob a acção das lágrimas que são um líquido composto de água, sais minerais e outras coisas mais.
As Cartas Portuguesas acabariam por se tornar num clássico da literatura universal por anteciparem o movimento literário romântico e só mesmo muito mais tarde, mas mesmo muito, serviram de inspiração e, quiçá, expiração a autores de nomeada ligados ao romantismo clássico como Saint-Nectaire, Camembert, La Gruyere, Saint-Emmental, Roquefort (por parte da mãe que era de Míconos), La Vache Qui Rit (uma autora corsa natural de Bois de la Chaize que riu sem parar até ao último suspiro) e tantos outros; a lista é infinita até aos nossos dias, por muito antinómico que possa parecer. Adiante:
 
CARTA PARA O AMADO, O ALFERES PASSOS DIAS TRISTÃO (A TAL 6/5 EM PAPEL PH AZUL TORNESOL)
"Mon boner:
Respondo-te neste simples aerograma (*1) por razões de austeridade. Agora, quem manda no convento é o abade de Priscos e a abadessa de Arouca que andam de conluio e não me permitem as veleidades que tive em Paris, mon petit chou!
A dor que sinto, longe de desaparecer, bloqueia-me por vezes as vias biliares e deixa-me muito azeda. Por isso peço que me perdoes, aqui e ali, alguma pontinha de irascibilidade. Todavia, não posso lutar contra os desígnios do Salvador, sabendo que Ele escreve direito por linhas de crédito mal parado. Assim, sou obrigada a guardar esta paixão em silêncio! Quem me dera que fosse verdade estares longe da vista e do coração, meu amor! Ai de mim! Cinco longas e dolorosas cartas (*2) místicas, enxameadas de exaltação ao amor, te enviei, adorado da minha vida, e só hoje obtive resposta. Não te culpo pela dilação, meu querido. A culpa é sempre dos correios.
Desculpa tê-las escrito em bilingue, mas ainda não me avezei ao novo acordo ortográfico, não obstante o maldito hábito que me cobre o maculado corpo. Que o Senhor não releve o ultraje!
O esborratado foram lágrimas suadas, bem mais sofridas e santas que água benta, mon amour! Estava de rastos de tanto me arrastar nestas lajes sombrias, pois foi de rastos que as faxinei com potassa e uma escova de piaçaba. Fiquei mais morta do que viva e com bolhas nos joelhos! Por mal dos meus pecados...
Leio e suspiro. A tua singela, mas adorada lettre conforta-me o corpo e a alma. No entanto, sabe a tão pouco! Escreve-me mais cartas, amor, senão morro de desejo e o desejo morre solteiro e tenho medo de acabar sozinha!
Longe de ti e dos teus beijos, são ermos os caminhos, há beirais sem ninhos e contínuos desatinos. Partir é morrer aos poucos, mas ficar é adiar a morte. Ó triste contradição! Mais je vais laisser. Porque é que entre os teus braços e "entre os teus lábios é que a loucura acode, desce à garganta, invade a água"? Ai de mim, que o Criador tenha piedade desta Sua serva!
São esses "teus olhos castanhos de encantos tamanhos" e de um azul penetrante e profundo que me fazem despir o hábito e correr ao teu encontro. Como posso olvidar o dia em que te olhei pela primeira vez, de supetão, ainda noviça e casta? O baque que ia tendo, o efeito persuasor do barulho das tuas botas cardadas nas pedrinhas da calçada? Ou como esquecer o teu porte altivo e marcial; a tua estratégia, quando me abordaste, pela primeira vez, de espada enorme e em riste e me senti miseravelmente pecadora aos olhos da Madre Superiora e aos da infinita misericórdia do Salvador, por vacilar perante tanta potência bélica. Que Ele me castigue eternamente pela perda da inocência e por este fetiiche sordide, mais je ne peux pas evitá-lo!
E como posso também esquecer a forma graciosa e meiga como esporeavas o cavalo, mesmo sabendo que não tinhas cavalo? Como podia imaginar que o meu coração me ia caír aos pés, cega de amores por tanta beauté et l'élégance?
Como posso esquecer, ainda, aquela noite escura como breu em que, banhada pelo luar de uma noite cálida de Agosto, me arrancaste o escapulário e me beijaste, sofregamente, os joelhos e a parte interna das coxas, ao mesmo tempo que as tuas mãos suadas e frias afagaram docemente a minha testa. Je n'oublierai jamais as tuas palavras: «Tens a testa alta, ou é falta de cabelo, Mariane?» e eu respondi-te: «Vous avez besoin de lunettes!».
Ai, mon amour, nem toda a água benta deste mundo e do outro atenuará a ira do Senhor, mas que hei-de fazer? Amo-te insanamente! Olha, irei vestida de monja caramelita para não dar nas vistas.
Vous pour toujours, mon chéri,
Mariane Alcufurado"
 
Nota final: Mariane Alcufurado acabou por regressar ao seu catre no Convento das Irmãs Arrependidas, em Beja, onde viria a falecer que nem uma Abadessa, com a provecta idade de 83 anos.
Rezam alguns livros brancos, sem confirmação devidamente fundamentada, que, no leito da morte, sóror Marie Ana conservava a medalha dos Serviços Distintos com Palma, supostamente atribuída ao seu falecido amado, pendurada no pescoço, sua única e saudosa recordação. Sabe-se, igualmente de fonte insegura, que o alferes Tristão devia o apelido a seu pai que fora fadista e também camareiro-mor de Dona Carlota Joaquina, o qual se passou para as tropas de Napoleão Bonaparte, durante as invasões francesas.
(*1) O aerograma (vulgo bate-estradas na gíria militar), foi o meio de comunicação criado pelo, então, Serviço Postal Militar, que mais encheu as estações de correios durante a guerra colonial; de papel amarelo para os militares e azul para os civis (esta informação é de confiança).
(*2) Cartas originais e não umas tretas apócrifas, com o título "Lettres portugaises", publicadas posteriormente por um maçon oportunista (sempre os mesmos!), cujo nome me escuso de pronunciar, chamado (Gaby para os amigos) Guilleragues.
 
Ultima nota:
Queiram aceitar o meu humilde pedido de desculpa pelo anacronismo dos acontecimentos e personagens envolvidos na minha estória, mas, se não fosse assim, não a teria escrito porque teria, ainda, menos piada. Muito obrigado pela atenção e bem hajam!

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