por João Castro e Brito, em 08.07.15

NAQUELE DIA (I)Estava de regresso a casa após uma ausência prolongada em viagens de negócios.
Ia ser, certamente, uma agradável surpresa para a esposa, mais a mais não sabendo que ele vinha a caminho, cheio de saudades e uma vontade inabalável de a tomar nos seus braços.
À medida que o táxi diminuía a distância entre o aeroporto e o doce lar, aumentava o seu entusiasmo e expectativa:
«Meu Deus! – pensou – Como eu desejo abraçá-la!
Ela vai ficar admiradíssima e radiante. Vai ser lindo...uma chegada de surpresa!»...
De repente, foi assaltado por algum receio:
«E se ela não aguenta a emoção, meu Deus?!... Com aquele coraçãozinho tão frágil!»
Assim que o táxi o largou à porta de casa, abriu-a, meio inquieto e um nadinha cauteloso, subiu as escadas pé ante pé e, quando se preparava para subir o último lance, escorregou inadvertidamente numa casca de banana, bateu com a cabeça num degrau, teve morte instantânea e faleceu logo a seguir.
Acordados pelo barulho, a esposa e o amante limitaram-se a constatar que efectivamente ele acabara de falecer após a morte. Aquele acontecimento trágico não os impediu de lhe darem um funeral condigno e gozarem até ao último cêntimo o seguro de vida contratado pelo morto falecido.
NAQUELE DIA (II)
Estava de regresso a casa após uma ausência prolongada em viagens de negócios.
Ia ser, certamente, uma agradável surpresa para a esposa, mais a mais não sabendo que ele vinha a caminho, cheio de saudades e uma vontade inabalável de a tomar nos seus braços.
À medida que o táxi diminuía a distância entre o aeroporto e o doce lar, aumentava o seu entusiasmo e expectativa:
«Meu Deus! – pensou – Como eu desejo abraçá-la!
Ela vai ficar admiradíssima e radiante. Vai ser lindo...uma chegada de surpresa!»...
De repente foi assaltado por uma dúvida pertinente:
«E se...?»
Assim que o táxi o largou à porta de casa, abriu-a, tenso e apressado, galgou os lances de escada de quatro em quatro feito um desvairado, transpôs o último, evitando uma casca de banana, abriu de supetão a porta do apartamento, dirigiu-se ao quarto e deparou com a cena clássica de adultério à qual a tradição judaico-cristã o havia habituado desde pequenino: a mulher colada ao amante, deitados na cama; na sua cama, enrolados no seu edredão, imagine-se! Só visto porque contado ninguém acredita!
Como o ciúme leva à loucura e geralmente ao homicídio – salvo quando leva ao suicídio – , não esteve com meias medidas: sacou a sua 6,35 e apontou-a instintivamente ao usurpador. Porém, por razões desconhecidas pela própria razão, virou-a para si e disparou pela seguinte ordem: um tiro no peito, um tiro em cada olho, um na testa e os últimos dois ligeiramente acima da nuca, estes sob consulta, pois esteve na dúvida entre disparar um na nuca e outro na barriga.
O infeliz ainda esboçou um gesto de arrependimento pelo acto tresloucado, pois não planeara tal desfecho. No entanto, era tarde demais e de qualquer maneira isto tinha de acabar em tragédia porque já passa da uma da matina e o sono aperta.
Assim, morreu imediatamente, não sem ter sofrido um bocadinho antes de falecer.
Aquele acontecimento funesto não impediu a mulher e o amante de lhe darem um funeral condigno e gozarem até ao último cêntimo o seguro de vida contratado pelo morto falecido.