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IN VINO VERITAS EST

por João Castro e Brito, em 28.12.14

in vino veritas est.jpg

No seguimento e prossecução (passe a redundância) das novas medidas de austeridade impostas pelos agiotas internacionais (vulgo troika), foi feito, em cima do joelho, o nono orçamento rectificativo para o primeiro trimestre de 2015, uma vez que o OGE para o próximo ano, já foi aprovado pela maioria e promulgado por sua Excelência o Senhor Presidente da República.
Com efeito, entre as várias disposições, exigidas pelos credores, para além de novos aumentos de impostos, reduções de salários, pensões e cessação definitiva de pagamento dos subsídios de férias e de Natal, este último supostamente pago em duodécimos, mas só para inglês ver, prevêem-se mais alterações significativas, entre as quais destaco, por exemplo, o metro que passa a medir somente 75 centímetros, o quilograma que é reduzido para 650 gramas e o quilómetro que passa a designar-se hectómetro.
Ainda, ao abrigo das mesmas imposições, os deputados, ministros, secretários, subsecretários, secretários dos subsecretários e demais assessorados, ficam proibidos de exibir publicamente gargalhadas, risos e tampouco sorrisos, seja a que pretexto for, sob risco de comprometerem seriamente as metas de redução do défice para o próximo ano, associados à ilusão que tais expressões faciais provocam nos mais esperançados num futuro auspicioso. 
Sua excelência, o senhor primeiro ministro já veio revogar algumas passagens do seu discurso de Natal, tais como o orgulho que sentia pelas medidas tomadas pelo executivo em prol do bem estar de todos, devendo rever-se orgulhosamente nos esforços do seu governo, pois os sacrifícios e o sentido patriótico dos portugueses estão a dar finalmente frutos, tais como o desaparecimento das nuvens negras no horizonte, as quais foram substituídas pela luz, o que é lindo e, aliás, está em perfeita consonância com os enfeites tradicionais de Natal!
Fonte próxima do seu gabinete já tinha desmentido categoricamente, perante os órgãos da comunicação social, essas afirmações, alegando que foram proferidas depois de um bom repasto natalício regado com Pêra-Manca, tinto, de 2007 (passe a publicidade).
A ver vamos se "in vino veritas est" ou antes pelo contrário...

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ESTÓRIA DE NATAL

por João Castro e Brito, em 21.12.14

contos de natal.jpg

Certo dia, Elohim nomeou um emissário chamado Gabriel para ir anunciar a boa nova a Maria, uma mulher idosa(*), natural de Nazaré.
Porém, Mefistófeles, Seu eterno arquirrival, arquétipo da maldade suprema que, além de ser um excelente mimetista, era um mulherengo compulsivo, aproveitou-se da distracção momentânea do Criador, disfarçou-se de Gabriel - o qual fizera desaparecer de cena - e foi ao encontro da virgem Maria Nazarena que, não obstante o tempo lhe ter roubado a graça da juventude, ainda despertava no mafarrico apetites lúbricos. Ou não fosse Mefistófeles!
Assim que aterrou a máquina voadora na qual se fizera transportar desde algures(**) no infinito celeste, disse a Maria:
«Salve, ó afortunada virgem, o Senhor está contigo!»
Não compreendendo muito bem o significado das palavras do seu interlocutor, Maria esboçou um gesto de dúvida e, naturalmente, temor. Porém, Mefistófeles prosseguiu:
«Não tenhas receio, mulher! Ele enviou-me para te dizer que vais ser mãe brevemente; mais vale tarde do que nunca, n'é verdade?... Vai ser um rapaz vigoroso, fica tranquila. Está escrito que vai chamar-se Salvador. Gostes ou desgostes, é o que vai constar na Sua certidão de nascimento!»
«Mas eu não sou casada, meu senhor! Além disso, já não tenho idade para conceber, valha-me Deus!»
«Não te rales, Maria! Ele é omnisciente, tudo pode e tudo sabe; e, além disso, passa ao lado desses pequenos pormenores de ordem burocrática.
Prepara-te que o tempo urge. É de Sua indelével vontade que o menino solte o primeiro vagido no dia 25 de um mês de Dezembro. Apressemo-nos, pois, para cumprir os Seus desígnios. Quanto mais depressa for feito, mais depressa contentaremos o Senhor! Quando o sol se puser, unge-te com óleos perfumados e espera por mim que, em nome de Deus, depositarei em ti a semente do Divino Espírito Santo.
Então, Maria, disse:
«Nesse caso, faça-se a Sua vontade: vou ser escrava do Senhor!»
Passaram-se meses...
José era um homem porreiro, mas tudo tem um limite, mesmo para os valores daquela época em que as normas de boa conduta não eram tão filtradas como actualmente. É claro que, quando despontaram os primeiros sinais da gravidez de Maria, José, não sendo seu esposo, pensou que não estava para se casar com uma mulher impura. Ainda se fosse jovem e formosa, vá que não vá! O que é que iriam pensar dele? É que, apesar de tudo, naquele tempo ainda havia muito preconceito...
Numa noite, no regresso a casa, após uns copos e umas horas de reinação num lupanar de Séforis, cidade onde exercia o seu ofício de carpinteiro, teve uma visão. Vindo do nada, apareceu-lhe um tipo louro, alto, bem vestido e ligeiramente enxofrado que, laconicamente, lhe disse:
«José, filho de David, o Senhor ordena-te que não rejeites Maria. O fruto que ela traz no ventre é o Filho de Deus. Trata de casar com ela quanto antes, pois essa é a determinação do Senhor!»
No dia seguinte, acusando o efeito de uma noite de boémia, José não ligou grande importância ao sucedido, pensando que se tinha tratado de mais um sonho provocado pelo excesso de aguardente de medronho. Porém, no seu subconsciente, bem lá no fundo, sentia que não podia deixar a pobre criatura de Deus entregue a um destino de mãe solteira. Estava escrito.

Epílogo:
Elohim nunca soube que Mefistófeles Lhe tinha passado a perna, mais uma vez, e tal desconhecimento ou alheamento, como lhe quisermos chamar, adiou o primeiro cisma da cristandade. Contudo, nunca ficou provada a origem da paternidade do Salvador. E, mesmo à luz dos conhecimentos científicos actuais, a verdade, custe o que custar, ficará sempre por apurar. Penso que foi melhor assim porque senão o Natal não teria graça.

(*) Segundo os Evangelhos, a idade da Santíssima Virgem Maria, à altura do encontro, com o "enviado do Senhor", seria de doze anos. Ora, como não quero ser processado por publicar conteúdos pedófilos nas minhas estórias, decidi acrescentar muitas décadas à idade da Senhora para não ferir susceptibilidades.
Depois do episódio da aparição, José não relevou o acontecimento e passou a ter relações sexuais regulares com a Mãe de Jesus, fazendo-lhe mais quatro filhos: Tiago, José, Simão e Judas. Tratou-se, como é evidente, de um verdadeiro milagre. Não está posta de parte a teoria de que foi obra do Senhor.
(**) Há algumas teses que referem a existência de um lugar inóspito chamado inferno e associam-no, pela lógica, a Mefistófeles, mas penso que isso são especulações Dantescas.

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FELIZ NATAL

por João Castro e Brito, em 17.12.14

feliz natal.jpg

 

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A PRIMA FELISMINA

por João Castro e Brito, em 14.12.14

a prima felismina 1.jpg

Minha querida prima Honorina, espero que estejas bem de saúde, na companha dos teus, que a gente cá vai indo menos mal, graças a Deus.
Há tempos que não te escrevo e quero pedir-te muitas desculpas; e juro-te pela alminha da avó Felisbela que não são esfarrapadas. Coitadinha, já está como há-de ir, sabes tu bem!
Por outro lado não é por mal; eu gosto muito de ti, mas é raro apanhar um tempinho pra pôr a escrita em dia e olha, aproveito agora que estamos quase no Natal pra te dar notícias da gente.
Este ano fartámo-nos de matutar acerca do destino das nossas férias. Como o carcanhol já nem deu pra ir até às Berlengas, decidimos, então, seguir aquele velho conselho da televisão de ir passar férias cá dentro e ficámo-nos pela Buraca. E viva o velho! Também, com a pensão de miséria que recebemos, imagina, n'é? Depois, mesmo que a gente saísse de cá, havia a chatice da língua. Nem eu, nem o meu Horácio pescamos uma palavra de estrangeiro. E é uma pena porque nunca visitei o estrangeiro, a não ser aquela vez em que fomos à Ilha de Tavira.
Às vezes, dão umas coisas na televisão sobre as belezas de Portugal e eu fico encantada. Não desfazendo da Buraca que, aqui nas redondezas, modéstia à parte, não tem nada que se lhe compare. Nem mesmo a Reboleira!
Olha, mudando de assunto: a avó Felisbela passou as passas do Algarve com dores nas costas e o médico de família disse-lhe que precisava de apanhar muito sol e ela, como é muito esperta, lembrou-se do letreiro de néon da leitaria do senhor Hermenerico e não foi de intrigas: passou todas as noites de Verão debaixo do letreiro da "Flor da Buraca", vê lá tu! E não é que melhorou?! Agora diz que lhe doem as pernas, mas, com receio de fazer tratamentos por causa do frio intenso que se tem feito sentir, arranjámos-lhe um calorífero, daqueles de resistência, e ela tem-se sentido muito melhor, apesar das queimaduras de quarto grau.
Mas nem tudo está mal por aqui, priminha, olha, sabes, o meu Horácio esteve a passar um tempinho na Penitenciária. Acho que foi por causa de uns "póses" mais umas pistolas de alarme transformadas e uns canivetezitos que ele tinha para ali, coisas que, pelos vistos, nem eram dele; disse que foi um amigo que lhe pediu para guardar, mas, mesmo assim, veio cá a Judiciária e levou-o. Gostaram tanto dele que o convidaram logo a passar lá seis meses, vê lá tu! Pensando bem, foi uma grande ajuda ao orçamento familiar. Menos uma boca a comer dá muito jeito, embora os morfes continuem a mingar cá por casa.
Olha, prima, são favores que a gente não esquece, sabes? E depois o meu Horácio disse-me que as instalações e o rancho eram muito bons.
Como ele gostou muito de lá estar, até se prontificaram para lhe prolongar a estadia, já viste!
O meu homem é assim a modos bruto que nem uma porta, mas quando quer, sabe ser arrebatador e cativante, benza-o Deus Nosso Senhor!
De maneiras que a porta ficou aberta, como lhe disseram os senhores inspectores e, quem sabe, da próxima vez a gente vá toda junta, vamos ver.
Também não me posso queixar muito porque estive a banhos na casa da dona Hortense do primeiro esquerdo, por via do estupor do nosso esquentador que está sempre avariado. Já me chateia incomodar a vizinha, mas ela está sempre prontinha a ajudar-nos que até parece mal recusar, não achas?
Além disso, aproveitei para viajar muito de autocarro. Fartei-me de ir visitar a minha cunhada Idalina ao Santa Maria, às voltas com uma hepatite. As visitas ficaram-me um bocadinho carotas, mas parecia mal não lhe levar nada; e olha, fiz das tripas coração, sabe Deus com que sacrifício! Levava-lhe umas bolinhas de Berlim e um vinhinho abafado, coisinhas pelas quais ela se pela!
E prontos, prima, tirando isto, cá vamos andando. O meu Horácio evita, ao máximo, comer cá em casa, coitado!
O senhor Isaías já não nos fia mais mercearia, nem o senhor Fernando do talho. A esse pedi umas pelinhas de frango, por caridade, pra fazer uma canjinha e nem o raio das peles me deu, prima, vê tu bem o somítico! Peixe, só lhe sinto o cheiro quando passo pela praça. E é assim; olha, paciência, vai-se para a sopinha do Sidónio, sempre vimos de lá mais aconchegados.
Por hoje é tudo. Tem um santo Natal e recebe muitos beijinhos desta tua prima que te estima e s'assina,
Felismina

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