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Criei este blogue com a ideia de o rechear com estórias rutilantes, ainda que às vezes embaciadas. Penso que são escritas sagazes e transparentes, embora com reservas e alguma indecência à mistura. No entanto, honestas.
- Segunda-feira, 6: «Bom dia, Maria. Hoje não há muito para fazer, se exceptuarmos as camas e o pó disperso, um pouco por todo o lado. Passei com o dedo em cima de um aparador e não gostei nada, Maria! Faça favor de dar uma aspiradela geral e uma limpezazinha mais cuidada às casas de banho. É o mínimo que lhe posso exigir; já agora, agradeço que dê uma regadela nas orquídeas e nas centáureas, coitadinhas, parecem-me secas... ah... e não se esqueça de dar banho ao cão!»
- Quinta-feira, 9: «Bom dia, Maria. Não é preciso ficar aborrecida por ter partido a loiça toda! Partiu, pronto, está partida. Amanhã, compra-se mais e está o assunto arrumado. É claro que não vou exigir que me satisfaça a dívida do prejuízo imediatamente, esteja tranquila. Na certeza, porém, de que não vou deixar passar isto em claro; já lhe perdoei muita coisa! Desta vez alguém vai-se ver grego para pagá-la e com juros de dívida insuportáveis, ai vai, vai, isso lhe garanto!
Mas, por agora, deixe lá isso; a minha principal preocupação foi a de que a Maria se tivesse magoado, mas graças a Deus foi só um percalço.
Olhe, tem aí uma roupinha para passar a ferro. Se tiver tempo de sobra, agradeço que passe um paninho pelas estantes e que limpe o forno, está bem? Ontem entornou-se Gratinierte Kartoffeln, já para não falar na bratwurst. Está um nojo, Maria, é só gordura! Talvez seja melhor ligar a limpeza pirolítica.»
- Segunda-feira, 13: «Então, Maria, não desespere! Deixar o Adolfo fazer chichi e cocó nos maples de pele, enfim, só não acontece a quem não tem cão e quem não tem, caça com gato. Aliás, já disse ao Joachim para se desfazer dele porque é muito porco e está sempre prontinho para me morder! Quanto às camisas Karl Lagerfeld que queimou ao passá-las, olhe, vão para panos do pó. Para a próxima seja mais cuidadosa e não se mortifique com esses pequenos contratempos domésticos. Toda a gente os tem, Maria!
Agradecia que limpasse as casas de banho, pois da última vez deixou o Adolfo patinhar tudo. A mania que você tem de deixar o cão circular dentro de casa quando anda nas limpezas, Maria, francamente!»
- Quinta-feira, 16: «Eu sei, Maria, no fundo eu também adorava aquele jarro de porcelana chinesa da dinastia Tongzhi, mas paciência, não vale a pena estar a chorar sobre o leite derramado. Até porque o jarro nem continha leite, o que torna o incidente menos dramático; e o vidro partido na porta da varanda que dá para o jardim também não fica mal com as tiras de fita-cola, sobretudo quando o sol lhe bate de lado. Quanto ao facto de ter ficado com as pestanas e os cabelos chamuscados, peço-lhe desculpa, esqueci-me de a avisar que o isqueiro da placa falha muitas vezes. Penso que se deve ao facto de a Maria ter o hábito de deixar verter líquidos das panelas para cima dos queimadores.
Tem de ter um bocadinho mais de atenção, senão qualquer dia sai da cozinha feita numa tocha, Maria! Faça favor de lavar as carpetes e dê uma arrumação à despensa, pois estão mesmo a necessitar.»
- Segunda-feira, 20: «Olhe, Maria, em boa verdade as carpetes já estavam a precisar de ser substituídas. O Joachim já me tinha dito que os cheiros dos chichis e cocós do Adolfo se tinham entranhado nelas. Penso que se deve à cor verde com tons de castanho. Olhe, ponha-as no jardim; pode ser que o cão se desabitue de fazer as necessidades dentro de casa.
O LCD do nosso quarto foi uma pena, mas, na minha opinião, partir uma perna teria sido bem pior. O frigorífico refrigera mal porque a Maria esquece-se sempre de o fechar; a máquina de lavar loiça parte os copos de cristal porque a Maria os arruma mal, mas pronto, não se fala mais nisso! Não há ninguém que esteja livre de um azar e o pior é que normalmente nunca vem só!
Hoje, agradeço que trate das pratas, do serviço inglês e doutras coisas mais delicadas. Já sabe onde é que estão o martelo e o machado. Fica ao seu critério a utilização de um e outro. Faça uso de ambos com prodigalidade, se tal lhe der muito gozo. Esteja à vontade e força em cima daquilo tudo, Maria!
Olhe, aproveite e comece pelo quadro do Georg Baselitz que está pendurado atrás da secretária do Joachim. Tem a nossa inteira solidariedade, não vacile!
Tem, também, a nossa aprovação para escavacar a biblioteca e o que mais houver, não se acanhe! Se lhe sobrar algum tempo, pode puxar fogo à casa!»
"Um dia deambulava pelo Centro Comercial Colombo mais o meu pai e, como a fome apertava, resolvemos comer por lá qualquer coisa.
Dirigimo-nos à zona da restauração e entrámos numa pizaria.
Após algum tempo de espera, reparei que o senhor olhava fixamente para uma mulher jovem sentada a uma mesa contígua à nossa.
O corte de cabelo da moça formava uma espécie de crista tricolor: verde, lilás e azul.
O meu pai continuava a olhar insistentemente para a jovem, deixando-me pouco à vontade para lidar com o seu súbito interesse nela.
A rapariga olhava à sua volta de vez em quando e dava sempre com o olhar fixo e, aparentemente, inquisidor do meu pai.
Quando se cansou de ser observada perguntou-lhe sarcasticamente:
«Qual é o seu problema, avôzinho, nunca fez coisas malucas na vida?»
Conhecendo o meu "velho" como conheço os dedos das minhas mãos, engoli em seco, pois sabia como eram eloquentes, as suas respostas.
No seu estilo plácido, o troco saiu com prontidão:
«Olhe, minha menina, uma vez estava tão janado, tão janado, que fiz sexo com uma papagaia, veja bem! Por conseguinte, estava para aqui a congeminar se, por ventura, você é minha filha.»"
Nota: Veio parar ao meu correio electrónico.
Também concordo que esteja com alguma dificuldade em identificar a personagem porque, efectivamente, este novo passatempo com o título em epígrafe, não é fácil. Se fosse, também não tinha piada, não acham?
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