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Criei este blogue com a ideia de o rechear com estórias rutilantes, ainda que às vezes embaciadas. Penso que são escritas sagazes e transparentes, embora com reservas e alguma indecência à mistura. No entanto, honestas.
Havia gente que era presa, torturada e morta pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado) por contestar o regime; havia gente cuja miséria era tão desesperante que a obrigava a ir a salto para a França; havia gente que vivia em barracas nas periferias das grandes cidades; havia uma guerra ultramarina com três frentes: Angola, Moçambique e Guiné. Um esforço de guerra que aumentava a nossa pobreza e nos distanciava dos elevados padrões de crescimento dos países europeus mais desenvolvidos. Uma guerra que obrigava ao sacrifício de milhares de jovens, nomeadamente dos provenientes das zonas rurais, cujas famílias, para subsistirem, dependiam do seu amparo; havia o exílio, forçado ou voluntário, de figuras públicas contrárias ao regime e, não raras vezes, o seu assassinato; havia as prisões políticas e os algozes do sistema; havia a Mocidade Portuguesa e a Legião Portuguesa, organizações paramilitares de integração ideológica; havia a censura prévia e a proibição de manifestações na via pública; havia a arregimentação de milhares de pessoas para virem periodicamente a Lisboa, à Praça do Comércio, louvar o Salazar; havia a repressão policial sobre os movimentos de contestação estudantil e do operariado; havia uma Igreja que pactuava com a ditadura; havia um bispo, o do Porto, que era a excepção à regra e foi obrigado a exilar-se; havia o General Humberto Delgado que um dia, respondendo a uma pergunta, foi imprevidente afirmando que se fosse eleito Presidente da República, "obviamente", demitia o tirano, sendo morto na fronteira pelos seus verdugos; havia uma cadeira da qual o iníquo caiu e feneceu; havia uma certa "Primavera Marcelista", mas foi sol de pouca dura; havia a necessidade premente de acabar com a "Guerra do Ultramar"; havia a vontade popular de se juntar aos militares revolucionários naquele memorável dia; havia muito para fazer há quarenta e oito anos; havia...
Conclusão: o que importa, mesmo, é a gente continuar a comer coisas boas como cozido à portuguesa; feijoada à transmontana; grão de bico com mão de vaca; pezinhos de coentrada; pataniscas de bacalhau com arroz de tomate malandrinho; joaquinzinhos com arroz de grelos; arroz de cabidela; carne de porco à alentejana; lulinhas fritas à algarvia; iscas com elas; ensopado de cabrito; tripas à moda do Porto; bacalhau à Zé do Pipo; polvo à lagareiro; alheira de Mirandela; carne de porco à alentejana; ensopado de borrego; sopa de cação; sopas de beldroegas; migas; sardinhas assadas com pimentos; açorda à alentejana (peço desculpa por insistir na gastronomia do meu querido Alentejo) e que me perdoem os habitantes daquelas terras, certamente com fruitivos pratos típicos, das quais me esqueci. Se calhar, por ser pouco viajado e, por conseguinte, nunca ter provado o que de bom lá se come.
Mas o que interessa aqui, nomeadamente a quem preza religiosamente a sua saúde e quer sobreviver para além dos trinta e cinco anos de longevidade dos nossos antepassados de há milhares de anos, é comer à tripa forra até ficar com aquela maravilhosa sensação de enfarte.
Finalmente, bem empanturrada, a gente senta-se num sofá até que a moleza passe. Pode, inclusive, beber um bagacinho ou dois para acelerar o processo de metabolização.
Detesto solenemente pessoal que defende ideias parvas como a combinação de exercício físico com "uma dieta equilibrada e saudável"! Para quê?! O paradigma do troglodita é bem esclarecedor, valha-lhes Deus!
E como observação final, digo que devem aproveitar a nossa fantástica gastronomia, quanto antes, pois nunca se sabe se daqui a um mês não vamos ter necessidade de tomar comprimidos de iodo. E não estou a ser pessimista, palavra! Olhem, por exemplo, este fim de semana vou comer um arrozinho de marisco à Ericeira. Vai custar uma nota, mas que se lixe! Vão-se os anéis, ficam os dedos...
«Ó tio, ó tio! O tio sabe que, hoje em dia, há um novo meio de comunicação?»
«Ah, sim, meu insigne sobrinho? Então, diga lá!»
«Ó tio, vá lá, estou a falar a sério! Foi descoberto um novo meio de comunicação, palavra!»
«Está bem... e que meio vem a ser esse que lhe suscita tanto entusiasmo?»
«Ó tio, o que lhe sei dizer é que são umas vias tão rápidas que a gente nem sabe aonde vai parar, pois acontece tudo num ápice!»
«Aonde vai você com tanta velocidade, menino?! Troque-me lá isso em miúdos!... Num ápice?!... Acho que estamos a ir depressa demais...»
«Pois estamos, tio, mas isso é porque as vias são bestialmente rápidas, como lhe disse!»
«Você não estará a fazer confusão com aquela coisa da física quântica que teletransportava o Capitão James Kirk e o Senhor Spock para a outra banda enquanto o diabo esfregava um olho?»
«Talvez tenha razão; parece que essas coisas mandam, efectivamente, as pessoas à outra banda, como o tio diz...»
«Mas isso tornou-se banal, meu caro sobrinho! Não esqueça de que estamos a falar de um meio de comunicação do tipo, toda a gente manda para aqui e para ali indiscriminadamente!»
«Ó tio, fique descansado que eu vou investigar e depois conto-lhe como é que são elas!»
«Espere aí, meu rico menino. Agora fiquei cheio de curiosidade. Pode-se saber, ao menos, o nome desse novo meio de comunicação?»
«Ó tio, por via de regra, são vias de facto!»
«Ó tio, ó tio!»
«Diga lá, agora, sobrinho!»
«O tio, sabia que o homem é uma criança?»
«Ah, ele é isso? Olha que menino!»
«Ó tio, ó tio!»
«Hã?»
«O tio sabia que o homem é um animal que come muito?»
«Ah, come?! Espere aí que eu já lhe dou o arroz!»
A traição conjugal levou-me, de degrau em degrau, nada mais nada menos do que trinta e nove degraus, até este triste estado de desditosa solidão em que me encontro.
No entanto, já fui muito feliz. Oh, se fui! Amava-a com todo o meu ser, alma inclusive! Pensava que tal sentimento era mútuo. Porém, "Erros meus, má fortuna, amor ardente" e o dela ausente...
A verdade, nua e crua (soava melhor, a verdade escondida ou, até, a verdade da mentira, mas que se lixe), "além de indecente, é dura de roer", como dizia alguém, não sei quem...
Nos primeiros sete anos de relacionamento amoroso, íamos sempre para a praia na última semana de Novembro porque o dinheiro não abundava. Ademais, sendo desempregado militante desde a primeira hora, era só ela a ganhar para os dois, pelo que tinha de usar muita parcimónia para equilibrar a coisa. Contudo, a pobre não se importava, coitadinha! Pelo menos aparentemente, pois nunca lhe vislumbrei um queixume; uma exigência; uma nota de desagrado ou um trejeito de enfado. Isto, não obstante ela ser muito trejeitosa, tenho de reconhecer. Depois, tínhamos amor e a cabana dela e eu pensava que eram factores suficientes para alimentar a chama da paixão!
Sei que "amor e uma cabana" (expressão queirosiana) é uma ideia banal do amor romântico, mas, e daí? Eu acreditava piamente nela (na ideia), prontos (abomino a palavra "prontos"), q'é que querem?
O idílio durou até ao dia em que vi a adúltera nos braços do Ilídio. É verdade, afinal havia outro, um gajo chamado Ilídio, um empata idílios do caraças. Foi num dia infeliz em que cheguei mais cedo a casa. Talvez, o dia mais lixado da minha vida, a seguir à morte do meu estimado cágado, Acácio.
Desorientado e com uma raiva mal contida, abandonei-a nesse mesmo dia (a casa) e aluguei um quarto na Buraca.
Embriagado no cálice da dor ("cálice da dor", xi, valha-me Deus!), passei amargurados dias e noites a fio, a imaginá-los no bem bom. Ele, um Dom Juan DeMarco de Canaveses, instalado na casa dela; a deitar-se na cama dela; a ver o CMTV (passe a publicidade) no LCD dela; a sentar o cu usurpador na sanita dela; a comer à tripa-forra, à borla e se mais houvesse. Que raiva!
Mas, prontos (olha, saiu-me!), o que lá vai lá vai e, graças a Deus, consegui um novo emprego. Fui despedido do anterior porque, com as espertinas constantes, só conseguia adormecer quando o sol se levantava. Deste modo, pegava sempre muito tarde ao trabalho. Mais a mais o patrão nem ia à bola comigo, apesar de sermos adeptos do mesmo clube.
Agora, confesso que estou porreiro; trabalho nas instalações sanitárias de uma superfície comercial e ninguém me chateia, a não ser o cheiro fétido a urina que, às vezes, tenho de gramar. É a mania dos urinóis ecológicos sem água, é o que é! Mas, avancemos porque o melhor está para vir e estou em pulgas para contar.
Ele, há coisas que não posso deixar passar em branco, apesar de não ser vingativo; nem pouco mais ou menos!
Ilídio, o intruso, frequenta regularmente o centro comercial onde trabalho e, naturalmente, costuma verter águas. Só que o faz com exagerada frequência e, cada vez que o faz, demora cerca de meia hora a despejar a bexiga. Sei, por portas e travessas, que tem uma próstata do tamanho de um melão de Almeirim. Além disso, e não é pouco, é surdo como uma porta, factor que joga a favor do meu intento.
Mas o que mais interessa para o bom desfecho desta estória, que é, afinal, a consumação do meu plano, é que nos cruzámos poucas vezes e, entretanto, mudei radicalmente a minha aparência, ainda que o gajo seja um cegueta do camandro.
Por precaução pintei o cabelo de louro e rapei aquela barba que me dava um ar de jihadista islâmico português (?!). Penso que são artifícios suficientes para fortalecerem o meu propósito.
Ora, tenho andado cá a congeminar sobre a melhor forma de o concretizar.
No fundo, trata-se de um caso elementar de justiça e de uma maneira exemplar de castigar a infiel criatura pela violação do sagrado dever recíproco de fidelidade.
Ora, um dia destes comprei três metros de fio eléctrico e instalei-o, discretamente, dentro do autoclismo, ligado ao botão de descarga. Todavia, pensei três vezes e concluí que podia falhar o objectivo se, no momento, houvesse falta de corrente eléctrica. Além disso, acontecendo tal imprevisto durante o acto da electrocussão, como é que eu ia justificar, perante a justiça, os olhos de carneiro mal morto do sacana do Ilídio? Podia ser a morte do artista, não acham? Como já conheço de ginjeira os hábitos dele, sei que mais tarde ou mais cedo, quando lhe der a vontade de mijar, será uma questão de muito menos do que os trinta minutos que leva a fazê-lo, isso é quase garantido! Vai ser o tempo necessário para o empurrar pela sanita abaixo e descarregar o dito reservatório. Querem vingança mais perfeita?
Por muito contraditório que vos pareça, mesmo não sendo de vinganças, quem mas faz paga-mas!
Assim, Deus me ajude a materializar a ideia.
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